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Pezão, Paes e Dom Orani: veja 6 vezes que Cabral disparou contra ex-aliados

Gabriel Sabóia

Do UOL, no Rio

27/02/2019 17h12Atualizada em 27/02/2019 20h50

Em depoimento prestado ontem ao juiz federal Marcelo Bretas --responsável pelas ações da Operação Lava Jato na primeira instância no Rio-- o ex-governador Sérgio Cabral (MDB) apontou o envolvimento de antigos aliados no esquema de corrupção liderado por ele e admitiu pela primeira vez à Justiça o recebimento de propina nas suas gestões.

O depoimento aconteceu a pedido da nova defesa de Cabral que, na primeira vez em que foi convidado a depor no âmbito da Operação Fatura Exposta (desdobramento da Lava Jato), preferiu manter-se em silêncio. No rol de acusações e suspeitas apontadas por ele estão nomes como Luiz Fernando Pezão (MDB), Eduardo Paes (DEM) e até o cardeal arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta.

Condenado no total a 198 anos e seis meses de prisão, Cabral trocou a sua defesa em dezembro. Na época, cogitou-se uma delação premiada do ex-governador. No entanto, o acordo nunca foi confirmado.

Mesada para Pezão

Em relação a Pezão, seu sucessor no governo, Cabral afirmou que a campanha dele custou algo em torno de R$ 400 milhões --valor maior do que os R$ 45 milhões declarados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e acima dos R$ 85 milhões estipulados como teto de gastos da campanha pelo órgão. Cabral também corroborou com delações que apontaram Pezão como recebedor de uma "mesada" oriunda de propina recebida de empresários e detalhou a distribuição do dinheiro.

[Pezão] recebia cerca de R$ 150 mil que eu mesmo mandava entregar a ele desde que ele era secretário de Obras, e não é uma mentira de qualquer delator.

Pezão está preso desde novembro do ano passado. Desde então, a sua defesa nega a participação dele em fraudes. De acordo com a força-tarefa que o prendeu, Pezão assumiu a liderança do esquema depois que venceu as eleições.

A reportagem procurou a defesa do ex-governador sobre as revelações de Cabral, mas ainda não obteve retorno.

R$ 4 milhões em caixa dois para Paes

Outro ex-aliado que teria sido beneficiado em campanha eleitoral pelo esquema de corrupção, de acordo com Cabral, é o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (hoje no DEM, na época no MDB). Segundo Cabral, a primeira campanha de Paes à prefeitura (2008) teria recebido mais de R$ 1 milhão do empresário Miguel Skin e R$ 3 milhões ou R$ 4 milhões de Arthur Soares.

Por meio de nota, Paes afirmou que "todas as doações feitas à campanha eleitoral de 2008 constam da prestação de contas aprovadas pela Justiça Eleitoral".

De acordo com a prestação de contas da campanha de Paes ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o total de receitas da candidatura foi de R$ 11,4 milhões, sendo o teto de gastos de R$ 12 milhões.

Cabral também afirmou que o deputado federal Pedro Paulo (atualmente no DEM, na época no MDB) era responsável por pegar o dinheiro. Pedro Paulo nega. Ele foi candidato à sucessão de Paes para a prefeitura do Rio.

"Nunca participei de qualquer reunião ou arrecadação de campanha que não tenha sido devidamente contabilizada e declarada à Justiça Eleitoral, na prestação de contas", disse o deputado, em nota.

Dom Orani e a Igreja

Figura frequente nas agendas do governo Cabral, o cardeal arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta, foi citado durante o depoimento do ex-governador. Sem dizer valores ou detalhar contratos, Cabral lançou suspeitas sobre a Diocese do Rio ao falar de obras e acordos celebrados com OSs (Organizações Sociais).

"Não tenho dúvidas de que deve ter havido esquema de propina envolvendo a OS da Igreja Católica, a Pró-Saúde. Eu não tenho dúvidas. Dom Orani devia ter interesse nisso. Dom Paulo, que era padre, tinha interesse nisso e o [ex-secretário de Saúde] Sérgio Côrtes nomeou a pessoa que era gestor do Hospital São Francisco (...) Essa Pró-Saúde certamente tinha esquemas de recursos que envolviam religiosos", disse Cabral a Bretas.

A Diocese divulgou nota dizendo que seu único interesse é o bem comum e o respeito às leis.

Divisão de propinas com Sérgio Côrtes

Cabral também revelou que, logo após assumir o governo, dividiu valores de propina sobre contratos de compra de materiais na área da saúde com Sérgio Côrtes, posteriormente nomeado secretário de Saúde de sua gestão.

"Ao assumir o mandato, apresentei o Sérgio Côrtes [então diretor do Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia)] ao [empresário] Arthur Soares, que, na ocasião, já era o 'número um' da prestação de serviços do estado e era alguém que eu convivia enquanto político. Àquela altura, ele já havia me ajudado com campanhas com caixa dois, mas não o conhecia pessoalmente. Quando acabou a eleição, avisei ao Côrtes que combinaríamos uma propina de 3% pra mim e 2% pra ele na área da saúde, na compra de materiais", revelou Cabral.

A tradição de antes [de seu mandato] era de até 10% de propina. Governos anteriores cobravam, segundo o Arthur [Soares]. Foi um erro meu de postura, de apego a poder, a tudo isso. Um vício.

A reportagem procurou as defesas de Sérgio Côrtes e Arthur Soares sobre as acusações, mas ainda não obteve retorno.

"Dinheiro dos irmãos Chebar era meu"

Cabral também acusou o ex-secretário da Casa Civil do seu governo, Régis Fichtner, de receber propina durante os anos de mandato.

"Ele recebia propina, sabendo que era propina e se beneficiava pelo seu escritório". Fichtner era considerado o "primeiro-ministro" do governo Cabral e um dos seus principais articuladores políticos.

Cabral reconheceu que era dele o dinheiro oriundo de propina que os doleiros Renato e Marcelo Chebar dizem ter lavado, conforme depoimentos anteriores à Justiça. "Participei da propina, sim. O dinheiro dos irmãos Chebar era meu dinheiro, sim", declarou.

Renato e Marcelo Chebar já declararam que eram responsáveis por administrar contas de Cabral e de outros integrantes da quadrilha no exterior. Na época, o ex-governador negou o vínculo com os doleiros. Depois de firmar acordo de colaboração com a Justiça, os irmãos Chebar devolveram mais de R$ 250 milhões aos cofres públicos. Parte do dinheiro foi direcionada a servidores fluminenses em meio à crise financeira que atingiu o estado.

"Ligava pro Eike, Pedia dinheiro e ele dava"

Cabral eximiu a sua mulher, a advogada Adriana Ancelmo, de culpa pelo fato de o seu escritório ter se tornado uma espécie de "centro de recebimento de propina e lavagem de dinheiro" das suas gestões. A ex-primeira dama cumpre atualmente prisão domiciliar.

"Eu a enganei, a prejudiquei. Me dói muito. Hoje já não me dói mais [assumir que era propina]. Alguém que tem uma carreira política reconhecida pela população, como eu, dói muito dizer que roubou. Eu contaminei o escritório da minha mulher" afirmou Cabral.

Enquanto falava sobre os negócios que fez através do escritório de Adriana, Cabral confessou a intimidade e trocas de favores com o empresário Eike Batista.

O Eike era uma pessoa que eu ligava e pedia R$ 30 milhões e ele dava. Pedia R$ 10 milhões para a campanha dos Jogos Olímpicos e ele dava.

A defesa do empresário não se manifestou.