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MP-SP apura propina e caixa 2 em prejuízo de R$ 463 mi em obra de rodovia

Imagem mostra trânsito na Rodovia Carvalho Pinto, no entroncamento com a Rodovia dos Tamoios, em SP (15.nov.2013) - Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo
Imagem mostra trânsito na Rodovia Carvalho Pinto, no entroncamento com a Rodovia dos Tamoios, em SP (15.nov.2013) Imagem: Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo

Aiuri Rebello e Wellington Ramalhoso*

Do UOL, em São Paulo

27/04/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Dersa pagou R$ 500 mil em serviços não prestados; anos depois, pagou mais R$ 191 milhões não devidos pela mesma obra
  • Prejuízo total corrigido do estado de São Paulo chega a R$ 463 milhões, diz MP

O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) investiga quem são os responsáveis pelo fato de a Dersa (estatal que administra rodovias paulistas) ter feito em 2009 um acordo judicial com a empresa CBPO, subsidiária da Odebrecht, para pagar R$ 191 milhões não devidos. De acordo com o MP, o prejuízo total ao erário chega a R$ 463 milhões em valores atualizados.

O acordo tido como irregular foi firmado em relação a obras na rodovia Carvalho Pinto, que faz ligação ao litoral norte de São Paulo. Os investigados negam qualquer irregularidade (veja mais abaixo).

O UOL teve acesso às informações sobre o acordo investigado ao analisar oito processos de improbidade administrativa que correm contra Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) -- o mais antigo é de 2014 e o mais novo, de fevereiro deste ano -- em um total de quase dez mil páginas de documentos. Paulo Preto esteve à frente da Dersa entre 2005 e 2010.

Obra atravessou cinco governos

A reforma da rodovia Carvalho Pinto começou no último ano da gestão do então governador de São Paulo Orestes Quércia (MDB-SP), em 1990, e foi parcialmente entregue em 1994 pelo sucessor e correligionário dele, Luiz Antônio Fleury, em 1994. A partir daí, arrastou-se ao longo dos governos tucanos de Mário Covas (1995-2001), Geraldo Alckmin (2001-2006) e José Serra (2007-2010), quando foi fechado o acordo investigado pelo MP-SP. O último trecho da obra foi entregue em 2018.

Os promotores investigam se parte do valor pago irregularmente teria voltado para políticos do PSDB e seus operadores, assim como para conselheiros do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo), e pretendem cobrar a quantia das empreiteiras e pessoas envolvidas. De acordo com o MP, houve prejuízo ao erário.

Delatores da Odebrecht contam que no mesmo ano em que foi fechado o acordo judicial indevido, 2009, a empreiteira repassou para o então deputado federal Sérgio Guerra (morto em 2014 e na época presidente do PSDB) e seus operadores, R$ 23,3 milhões como propina para o caixa 2 da campanha presidencial do senador José Serra, que perderia o pleito de 2010 para a petista Dilma Rousseff.

O dinheiro seria uma contrapartida pelos tucanos ajudarem a liberar pagamentos supostamente devidos pela Dersa à empreiteira. O Ministério Público investiga a ligação entre os dois episódios.

Procurado pelo UOL, Serra afirma que jamais recebeu vantagens indevidas ao longo dos seus mais de 40 anos de vida pública e sempre pautou sua carreira política na lisura e austeridade em relação aos gastos públicos.

28.dez.2014 - Rodovia Carvalho Pinto (SP-70), em São José dos Campos (SP), tem grande movimento de veículos na altura do quilômetro 92, sentido litoral norte na manhã deste domingo (28) - Luis Moura/Estadão Conteúdo - 28.dez.2014 - Luis Moura/Estadão Conteúdo - 28.dez.2014
Trecho da Rodovia Carvalho Pinto
Imagem: Luis Moura/Estadão Conteúdo - 28.dez.2014

Um acordo de R$ 191 milhões

As obras da rodovia Carvalho Pinto duraram 28 anos e custaram R$ 1,5 bilhão.

De acordo com a investigação da Procuradoria-Geral do Estado de SP, a Dersa foi processada em 2008 pela CBPO e, apesar de os advogados da empresa afirmarem que o estado nada devia à construtora, se aceitou pagar em acordo judicial R$ 191 milhões, que seriam referentes a perdas monetárias, juros e prejuízos no geral que a prestadora de serviço teria tido ao longo dos anos na execução da obra.

A CBPO alegava que ficou sem receber à época do Plano Real, em 1994, e teve de fazer empréstimos, e quando recebeu da Dersa, a conversão de valores não teria sido adequada - a mesma reclamação foi feita pela empresa em relação à obra da rodovia D. Pedro I, no trecho entre Campinas e Jacareí, cobrada na mesma ação.

Porém, de acordo com perícia judicial feita nas contas do caso pelo juiz do processo, a Dersa tinha pago R$ 532 mil a mais do que foi executado e não devia nada à CBPO. Apesar disso, os diretores da estatal na época toparam fechar o acordo. Além de Paulo Preto, outros diretores da Dersa são investigados no caso.

Na época o presidente da Dersa, Delton José Amador, defendeu o acordo, que além da Odebrecht beneficiou outras quatro construtoras que tinham pleitos semelhantes e custou R$ 456 milhões em valores da época, incluindo cifras ligadas a obras na rodovia D. Pedro I. O UOL não conseguiu contato com o ex-presidente.

Delações e perícia da própria Dersa embasam inquérito

As investigações estão sob segredo de justiça e foram iniciadas após um "recall", no início do ano passado, de delatores da empreiteira Andrade Gutierrez à força-tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo.

A peça central deste inquérito é uma perícia feita pela própria Dersa e anexada ao inquérito. A análise interna concluiu que o acordo de R$ 191 milhões foi fraudado internamente e não deveria ter sido celebrado.

Esquema teria contado com Tribunal de Contas

De acordo com os delatores, dois dos sete conselheiros titulares do Tribunal de Contas na época dos fatos receberam propina para aprovar as contas da obra ao longo dos anos. Um deles continua no tribunal.

A Andrade Gutierrez já havia implicado conselheiros do TCE-SP em suas delações na Operação Lava Jato em 2017, mas havia deixado de fora o episódio da Carvalho Pinto.

Foram citados pelos delatores e são investigados neste caso o atual presidente do órgão, Antonio Roque Citadini, e o ex-conselheiro Eduardo Bittencourt. Procurado por meio da assessoria de imprensa do tribunal para comentar a investigação, Citadini não respondeu. A reportagem não conseguiu localizar Bittencourt ou sua defesa.

Ainda segundo a investigação, o acordo judicial indevido foi fechado mediante promessa de pagamento de propinas para políticos do PSDB, por intermédio de Paulo Preto, e para políticos aliados de outros partidos.

A fortuna desaparecida de Paulo Preto

No início do mês, Paulo Preto assumiu ser o dono de contas em um banco na Suíça por onde passaram R$ 137 milhões. Em 2017, o ex-diretor da Dersa transferiu o dinheiro para um banco nas Bahamas, e desde então o paradeiro da fortuna é desconhecido. Ele responde a outros processos na Lava Jato.

Paulo Preto está preso e no mês passado foi condenado duas vezes: uma a 145 anos de prisão e na outra, a 27 anos de prisão, pela Operação Lava Jato em São Paulo, nos dois casos por desvios no Rodoanel e obras correlatas. Ele foi o primeiro condenado neste caso, que possui dezenas de investigados em diversos inquéritos e processos diferentes.

Paulo Preto - Mateus Bruxel/Folhapress - Mateus Bruxel/Folhapress
Investigação analisa se Paulo Preto negociou acordo que deu prejuízo à estatal paulista Dersa
Imagem: Mateus Bruxel/Folhapress

Serra diz que contas foram aprovadas

O senador José Serra afirma, por meio de sua assessoria de imprensa, que todas suas contas de campanhas ficaram a cargo do partido e foram aprovadas pela Justiça Eleitoral. "Serra espera que tudo seja esclarecido da melhor forma possível para evitar que prosperem acusações falsas que atinjam sua honra e ilibada trajetória pública", afirma a nota enviada à reportagem.

O advogado de Paulo Preto, Alessandro Silvério, não retornou às tentativas de contato da reportagem, por telefone e email.

O PSDB afirmou, por meio de nota do diretório estadual, que obras públicas "nunca foram usadas com a finalidade de angariar recursos para contribuições eleitorais". "O que se tem notícia - e já é objeto de investigação e de ações judiciais reparatórias - é da prática de cartel contra a administração pública, levada a efeito por empresas privadas, mediante eventual participação de agentes públicos sem nenhuma relação com o partido, que igualmente deverão responder por seus atos perante o Poder Judiciário."

O governo paulista, comandado atualmente pelo tucano João Doria, se manifestou por meio da Dersa. "A nova gestão da Dersa apoia toda e qualquer investigação e vai colaborar de forma integral com a Justiça para a elucidação de dúvidas em busca do interesse público". A estatal criou um canal para o envio de denúncias de práticas de corrupção, fraudes e atos ilícitos.

A Andrade Gutierrez e a Odebrecht disseram que apoiam as investigações de casos de corrupção e que passaram a adotar normas para garantir lisura e transparência nas relações comerciais.

* (Colaborou Flávio Costa, do UOL em São Paulo)