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Wassef se reuniu com Bolsonaro após miliciano responder proposta de Queiroz

Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro - bruno santos
Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro Imagem: bruno santos

Igor Mello e Gabriel Sabóia

Do UOL, no Rio

20/06/2020 04h00

O advogado Frederick Wassef, responsável pela defesa do senador Flávio Bolsonaro, se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro em Brasília horas depois de a mulher de Fabrício Queiroz receber a resposta de uma proposta feita ao miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega. A informação tem como base cruzamento feito pelo UOL das investigações do Caso Queiroz e registros da agenda oficial da Presidência (veja abaixo a linha do tempo).

Wassef, que diz também representar o presidente, reuniu-se com Bolsonaro no Palácio da Alvorada em 14 de dezembro de 2019, às 8h. Horas antes, no fim da noite de 13 de dezembro, Márcia Oliveira de Aguiar, mulher de Queiroz, encontrou-se no Rio com a mãe do miliciano, Raimunda Veras Magalhães. Conversas obtidas pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio) no celular de Márcia indicam que o encontro tinha como objetivo receber uma resposta de Adriano a uma proposta feita dez dias antes durante outro encontro clandestino.

Não é possível afirmar que Wassef tinha ciência da resposta, mas ele esteve com Gustavo Botto —outro advogado ligado a Flávio Bolsonaro— em 2 de dezembro, um dia antes de Botto levar a proposta a Adriano, segundo as investigações. Os dois se encontraram no sítio de Wassef em Atibaia (SP), onde Queiroz já estava recluso até ser preso na última quinta-feira (18).

Nesse dia, Márcia pergunta a Queiroz se o "Anjo" —codinome usado pelos dois para se referir a Wassef— já tinha ido embora. Queiroz responde que sim. Em seguida, Márcia pergunta se Gustavo Botto também já havia deixado o local. Para os promotores, isso prova que os três estavam juntos em Atibaia na ocasião.

Também chama atenção o fato de Wassef já ter se reunido com Bolsonaro na tarde de 13 de dezembro —horas antes da resposta de Adriano. O teor exato das duas reuniões nunca foi divulgado, mas foi noticiado à época que foram para tratar da defesa de Flávio —investigado sob a suspeita de comandar um esquema de rachadinha em seu gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).

Não é comum que o presidente receba pessoas de fora do governo em dias consecutivos. Segundo a TV Globo, Wassef já havia estado com Bolsonaro na noite de 11 de dezembro, dessa vez em encontro fora da agenda. Ele foi filmado chegando ao Palácio da Alvorada sozinho em um carro.

A escolha de Botto como emissário não foi à toa. Pessoa de confiança de Flávio, ele foi o advogado responsável por representar a campanha do filho mais velho de Jair Bolsonaro junto à Justiça Eleitoral, em 2018. Também trabalhou para o diretório do PSL no Rio no período em que o partido foi comandado por Flávio. Além disso, chegou a defender Flávio no começo das investigações sobre a rachadinha.

Advogado de Flávio se reúne com família de miliciano em MG

Botto encontrou Márcia e Raimunda no interior de Minas Gerais no dia 3 de dezembro. Também participou da reunião Julia Lotufo, mulher do miliciano, que ficou encarregada de levar a proposta ao Capitão Adriano. Os quatro estiveram juntos até o dia seguinte, justamente quando o STF liberou a retomada das investigações do Caso Queiroz.

O MP não sabe ao certo o que foi negociado com Adriano, mas afirma que é provável que o teor fosse ilícito, dada a natureza clandestina do encontro. As conversas deixam clara a precaução de tudo ser dito apenas pessoalmente, evitando possíveis interceptações telefônicas. O Capitão Adriano, apontado então como chefe da milícia que controla a comunidade do Rio das Pedras e outros territórios na zona norte do Rio, estava foragido desde janeiro de 2019.

Contatos com Adriano coincidem com retomada de investigação

Os contatos de Márcia com a mãe do miliciano foram iniciados no fim de novembro após ficar claro que o STF iria derrubar uma liminar do ministro Dias Toffoli, que suspendeu as investigações do Caso Queiroz e de outros inquéritos com compartilhamento de informações de inteligência financeira.

A decisão representou um baque na estratégia sustentada por Wassef de tentar a anulação da investigação junto às cortes superiores em Brasília. A interlocutores, o advogado costumava dizer que tinha o apoio de ao menos três ministros do Supremo. No julgamento derradeiro, entretanto, perdeu por 10 votos a 1.

O STF formou maioria para derrubar a liminar no dia 27 de novembro. No mesmo dia, Fabrício Queiroz avisa a mulher que o advogado Gustavo Botto a procuraria para dar um recado pessoalmente.

Em 30 de novembro, Márcia liga para a mãe de Adriano. As duas combinam um encontro no município de Astolfo Dutra, no interior de Minas Gerais, no dia seguinte. Márcia deixa claro para Queiroz como seria feito o contato com o miliciano —chamado costumeiramente de "amigo" pelo casal.

"A esposa do amigo vai estar com a mãe dele terça feira, aí ela vai falar com o amigo sobre o recado. Depois que ela falar com o amigo ela vai entrar em contato comigo", disse ela. O UOL manteve a grafia das conversas em aplicativos de mensagens —obtidas a partir da apreensão de celulares— mesmo em casos de erros ortográficos ou gramaticais.

Em 16 de dezembro, dois dias depois do segundo encontro entre Wassef e o presidente Jair Bolsonaro, Márcia volta a procurar Raimunda. A mulher de Queiroz ressalta que Gustavo Botto precisava falar urgente com a mãe de Adriano: "Amanhã dá para vc? Ele precisa falar com vc o msis rápido possível". As duas se encontram novamente no dia seguinte.

O temor sobre a volta das investigações era pauta de conversas entre Queiroz e a mulher desde novembro. O ex-assessor de Flávio disse à mulher que Wassef vinha insistindo para que toda a família deixasse o Rio, e Márcia cogita que isso seria uma alternativa se houvesse um mandado de prisão contra eles. De fato, o MP realizou uma grande operação em 18 de dezembro, cumprindo mandados de busca e apreensão em diversos endereços ligados a Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz, entre outros alvos.

O UOL entrou em contato com a Presidência da República pedindo informações sobre o teor das reuniões de Bolsonaro com o advogado Frederick Wassef em dezembro, mas não obteve retorno.

Wassef também foi procurado por meio de um aplicativo de mensagens. O advogado visualizou o contato da equipe de reportagem, mas não respondeu até o momento.

O advogado Paulo Emílio Catta Preta, que representa Queiroz e sua mulher, também não retornou os contatos. O UOL também procurou Gustavo Botto através do telefone e do email informados por seu escritório de advocacia à Receita Federal, mas não houve resposta.