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MP: Queiroz obstruiu investigação no período em que disse tratar câncer

Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro posam para foto  - Reprodução/Instragram
Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro posam para foto Imagem: Reprodução/Instragram

Igor Mello e Gabriel Sabóia

Do UOL, no Rio

19/06/2020 12h17

O ex-assessor Fabrício Queiroz, apontado pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) como operador financeiro do suposto esquema de rachadinha de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), orientou funcionárias fantasmas do gabinete a obstruírem as investigações no mesmo período em que alegou às autoridades estar tratando um câncer no intestino.

O problema médico foi a justificativa utilizada pela defesa de Queiroz para justificar as faltas em depoimentos no MP-RJ nos dias 19 e 21 de dezembro de 2018. O ex-assessor de Flávio Bolsonaro se internou no fim daquele ano no Hospital Albert Einsten, em São Paulo, e teria se submetido à retirada de um tumor em 1º de janeiro de 2019, permanecendo internado por mais uma semana, segundo publicou o jornal O Globo à época.

Contudo, mensagens de aplicativos obtidas pelos promotores em celulares apreendidos com autorização da Justiça mostram que Queiroz agiu ativamente para obstruir as investigações do MP-RJ nesse mesmo período.

Um dia antes de faltar em seu primeiro depoimento no MP-RJ por questões médicas, Queiroz marcou um encontro à noite com Fausto Antunes Paes. Ele é pai de Luiza Souza Paes, ex-assessora de Flávio Bolsonaro mencionada no relatório do antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), hoje rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira), que deu origem às investigações da rachadinha. De acordo com os promotores, Luiza era funcionária fantasma.

Segundo as mensagens do celular de Luiza, Fausto aguardou Queiroz e Luiz Gustavo Botto Maia —advogado de Flávio Bolsonaro— até as 22h30, mas o encontro teve que ser desmarcado porque Queiroz não conseguiu chegar a tempo. A conversa foi então remarcada para o dia seguinte, dessa vez com a presença apenas de Luiza e de Gustavo Botto, no Shopping da Gávea, na zona sul do Rio.

"Eles chegaram?", pergunta Luiza ao pai às 22h31. Dois minutos depois, na sequência da conversa, Fausto responde: "Mandei um zap para o Queiroz ainda não respondeu". O UOL manteve as grafias originais das mensagens, mesmo quando há erros ortográficos.

Mais uma vez a reunião não aconteceu, mas Fausto avisa Luiza que Gustavo Botto havia repassado a ordem de que ela não fosse depor no MP-RJ —sua oitiva estava agendada para 20 de dezembro.

"Luiza, o Gustavo me ligou aqui agora. Se enrolou todo e ainda tá lá na Barra ainda. (...) É para não ir amanhã! Eu perguntei a ele: Gustavo, não tem perigo esse negócio? Não, não, não. Não se preocupa não. Ninguém foi hoje e ninguém vai amanhã", disse em mensagem de áudio.

Fraude em ponto da Alerj para ocultar fantasma

Luiza e o pai mantêm contato com Gustavo Botto ao longo de janeiro, quando surge a ideia de que ela fosse à Alerj assinar folhas de ponto de anos anteriores, que poderiam ser usadas como provas de que ela era funcionária fantasma do gabinete.

Fausto relata à filha que Queiroz mandou que levassem também Alessandra Esteves Marins —também funcionária de Flávio na Alerj. Ela continua sendo empregada pelo filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Senado até hoje.

Fausto encaminha então para Luiza um print de uma conversa de Queiroz com Alessandra, identificada no contato como "Pequena". Fabrício Queiroz conta a Alessandra que Luiza havia sido procurada por um funcionário da Alerj para preencher documentos —seriam folhas de ponto, segundo o MP-RJ— e recomenda que ela faça o mesmo: "O rapaz foi lá conversar comigo. É isso mesmo, ficou uma pendência lá".

O MP-RJ aponta que Luiza de fato preencheu retroativamente as folhas de ponto, fraudando documentos para obstruir as investigações, no dia 24 de janeiro de 2019, conforme mostram suas mensagens e registros de conexão de seu aparelho com antenas telefônicas da região onde fica a sede da Alerj.

A manobra teria sido viabilizada por Matheus Azeredo Coutinho, funcionário do Departamento de Legislação de Pessoal, vinculado ao setor de Recursos Humanos do parlamento fluminense. Assim como Luiza e Alessandra, Matheus foi alvo ontem de medidas cautelares determinadas pela Justiça do Rio.

A reportagem do UOL procurou a defesa de Fabrício Queiroz sobre as novas revelações da investigação, mas ainda não obteve retorno.

Contatos com chefe de milícia durante recuperação

No despacho que resultou em uma operação no âmbito do Caso Queiroz em dezembro de 2019, o MP-RJ já havia relatado conversas do ex-assessor para orientar funcionários fantasmas no período em que estava se tratando da doença.

Na ocasião, foram anexadas mensagens encontradas no celular de Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, que foi funcionária no gabinete de Flávio Bolsonaro por mais de 11 anos. Ela é ex-mulher do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega —o Capitão Adriano, apontado como chefe do Escritório do Crime. Ele foi morto durante uma operação conjunta das polícias do Rio e da Bahia em fevereiro

Queiroz vinha orientando Danielle sobre como proceder desde dezembro, quando o escândalo veio à tona. Em 16 de janeiro de 2019 —dias depois de ter deixado o hospital—, ele volta a fazer contato com Danielle, que diz ter sido intimada a depor. Queiroz apaga as mensagens enviadas à ex-mulher do miliciano, mas pelo contexto é possível entender que ele a orientou a faltar o depoimento.

"Eu já fui orientada. Ontem eu fui encontrar os amigos", diz Danielle, fazendo referência a membros da milícia que controla a comunidade do Rio das Pedras, na zona oeste do Rio. Queiroz então responde: "Eu sei".

No dia anterior, Capitão Adriano já havia repassado à ex-mulher orientação de Queiroz para faltar ao depoimento no MP-RJ: "Boa noite! O amigo pediu pra vc não ir em lugar nenhum e tmb não assinar nada".

O amigo, neste caso, seria Queiroz, segundo os investigadores. Danielle responde que havia assinado a intimação dias antes, quando recebeu o documento.