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YouTube pagou R$ 15 mi a canais acusados de fake news, estima levantamento

Oswaldo Eustáquio teria recebido R$ 241 mil em um ano, aponta consultoria - Reprodução/YouTube
Oswaldo Eustáquio teria recebido R$ 241 mil em um ano, aponta consultoria Imagem: Reprodução/YouTube

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

05/09/2021 04h00

Levantamento feito a pedido do UOL estima que os 14 canais do YouTube acusados pela Polícia Federal de propagar fake news produziram conteúdo suficiente para faturar R$ 15,4 milhões em um ano.

Em 16 de agosto, o TSE (Superior Tribunal Eleitoral) mandou o YouTube suspender os repasses monetizados por essas páginas, que no período analisado produziram quase 24 mil vídeos que chegaram a 1,4 bilhão de visualizações.

Os dados foram coletados pela Consultoria Quaest — especializada em pesquisas, mineração de dados e redes sociais —, que apurou a produção de conteúdo dessas páginas e sua potencial monetização entre 15 de agosto de 2020 e 15 de agosto de 2021.

Para chegar ao valor, a consultoria primeiro precisou descobrir o alcance dessas 14 páginas: juntas, elas têm uma base de 9,5 milhões de seguidores.

A cada mil visualizações, o YouTube monetiza os canais que hospeda com valores que variam entre US$ 25 centavos [R$ 1,30 na cotação atual] e US$ 4,50 [R$ 23], segundo Felipe Nunes, diretor da Quaest e professor de ciências políticas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

"Quanto mais visto é um vídeo, maior sua chance de ser multiplicado pelo valor alto. Quanto menos visto, maior a chance de ser multiplicado pelo valor baixo."

O professor explica que esse 1,4 bilhão de visualizações poderia gerar em torno R$ 15,4 milhões em um ano desde que os 14 canais estivessem monetizando por todo esse tempo.

Valor repassado pelo Youtube aos canais bolsonaristas acusados de fake news - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Um dos donos desses canais é Oswaldo Eustáquio, responsável pelo "Agora é Manchete com Oswaldo Eustáquio". Com audiência suficiente para monetizar R$ 241 mil no período, segundo o levantamento, ele afirmou ao UOL que "o Estado brasileiro, por meio do STF [Supremo Tribunal Federal], TRE [Tribunal Regional Eleitoral] e TSE, impediu por censura que eu recebesse esse valor" e que "durante esse período citado, meu canal esteve fora do ar".

Avalio tais medidas como uma terrível censura, muito pior do que nos tempos do AI-5, pois naquele período de censura prévia, os jornalistas ainda podiam mostrar seu material aos censores."
Oswaldo Eustáquio

Já Alberto Silva, dono de "O Giro de Notícias" e canal "Alberto Silva", afirma que seus canais estão "desmonetizados pelo YouTube há mais de 6 meses", embora suas páginas não "pertençam a nenhum tipo de grupo ou mídia paralela, grupos de WhatsApp ou coisa parecida".

O campeão de audiência é a "Folha Política", que com 2,5 milhões de inscritos produziu mais de 12 mil vídeos em um ano, alcançando 976 milhões de visualizações. Se monetizados por todo o período, seus vídeos podem ter rendido cerca de R$ 8,9 milhões, segundo o levantamento. Procurado pelo UOL, o canal não respondeu.

Youtube já cortou os repasses

Luís Felipe Salomão, TSE - Pedro Ladeira/Folhapress, - Pedro Ladeira/Folhapress,
Para Luís Felipe Salomão, do TSE, quanto mais se atacam as instituições, "mais proveito econômico os envolvidos obtêm"
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress,

Questionado, o YouTube não comentou os valores apurados pela consultoria. Afirma em nota que que já suspendeu os repasses e que é seu "compromisso" colaborar com as autoridades brasileiras "para proteger a comunidade do YouTube de conteúdo nocivo".

O site acatou a decisão do TSE no dia 26 de agosto. Desde então, os valores que deveriam ser transferidos aos donos dos canais são depositados em uma conta bancária atrelada à Justiça Eleitoral.

O canal "Emerson Teixeira" confirma que o YouTube "cortou sim a monetização este mês", mas garante que, em 15 anos, recebeu US$ 3.800 (R$ 20 mil), "bem diferente dos US$ 32.500 dólares [R$ 168 mil] em um ano que vocês citam".

"[Sou] máquina de fake news, ou máquina de falar as coisas que os comunistas não gostam?", questiona.

Dona do site "Direto aos Fatos", Camila Abdo negou que tivesse recebido o equivalente a R$ 225 mil em um ano, mas não revelou o quanto monetizou no período. Disse apenas ter recebido US$ 168 (R$ 880) no mês passado.

Enquanto o canal "Ravox" respondeu que não comentaria, os canais "Vlog do Lisboa", "Vlog do Lisboa Replay", "Terça Livre TV", "Universo", "Jornal da Cidade Online" e "Canal Universo Filial" não responderam a reportagem.

Tática foi usada nos EUA

No pedido para que o TSE suspendesse a monetização, a Polícia Federal afirmou que os canais promovem "ataques aos veículos tradicionais de difusão de informação (jornais, rádio, TV, etc.)" com a intenção de "dissipar a distinção entre o que é informação e o que é opinião".

Bárbara Zambaldi Destefani, dona do canal "Te Atualizei", comenta em seus vídeos as notícias publicadas pela imprensa. Ao UOL, disse que não poderia fazer parte de uma rede de fake news justamente por utilizar informações da grande mídia, mesmo argumento de Alberto Silva, de "O Giro de Notícias".

"Se eu faço fake news vem de vocês e de outros portais", diz ela, que não comentou a monetização. "Edito tudo no meu celular", já disponibilizado à Justiça "para arrombarem minha privacidade".

A PF defendeu ao TSE que a rede de apoiadores do presidente usou a internet para atacar as urnas eletrônicas utilizando estratégia semelhante à utilizada por partidários de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016, vencida por ele nos Estados Unidos.

Steve Bannon, o ex-estrategista de Trump, é próximo da família do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e conselheiro da Cambridge Analytica, empresa que comandou o site Breitbart News, conhecido por espalhar notícia falsa.

steve bannon - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Eduardo Bolsonaro com Steve Bannon, ex-estrategista de Trump
Imagem: Reprodução/Twitter

"É um fenômeno mundial", diz Marco Iten, especialista em marketing político e redes sociais. "A criação de conteúdo passou a ser de todos. O fenômeno dos 'nichos' culturais, ideológicos, de mercado, de marcas, de produtos está sendo alavancada por quem cria redes sociais adaptadas a esses públicos."

Ele diz que muitos admiradores do presidente encontraram em redes sociais engajadas uma visão adaptada ao que eles acreditam, em uma afronta à imprensa, "muito crítica a Bolsonaro".

PT e PSDB ainda não conseguem superar essa estrutura, que passou a ser fonte de informação, criação de doutrina, elemento de exaltação e crítica à oposição."
Marco Iten, especialista em marketing político e redes sociais

Em seu despacho, o ministro Luís Felipe Salomão, do TSE, disse que "quanto mais se atacam as instituições e o sistema eleitoral, mais proveito econômico os envolvidos obtêm", já que "ocorre pelo processo de monetização empreendido por esses usuários a partir do número de visualizações das páginas".

Nunes, da Quaest e UFMG, lembra que "não tem nada de ilegal em monetização" de páginas, "um mecanismo sofisticado de financiamento e promoção política" que "a esquerda ainda não conseguiu fazer".

Ele explica que os canais que decidem monetizar precisam manter um público fiel, que assista aos vídeos e os compartilhem. Acontece que os sites bolsonaristas estariam mais propensos a chegar lá criando conteúdo "polêmico, espetacular", nem sempre verdadeiro.

"É uma escolha. O fato é que a esquerda não tem nenhum canal monetizado dessa maneira, o sonho de qualquer produtor de conteúdo: o espectador não paga nada para ver, mas, ao assistir, mantém o canal ativo", diz.