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Leia na íntegra os discursos de Lula na posse

Do UOL, em São Paulo

01/01/2023 18h07

Confira o discurso de Lula após receber a faixa no Planalto:

Quero começar fazendo uma saudação especial a cada um e a cada uma de vocês, uma forma de lembrar e retribuir o carinho e a força que recebi todos os dias do povo brasileiro representado pela vigília Lula Livre, num dos momentos mais difíceis da minha vida. Hoje, neste que é um dos dias mais felizes da minha vida, a saudação que eu faço a vocês não poderia ser outra, tão singela e ao mesmo tempo tão cheia de significado: Boa tarde, povo brasileiro!

Minha gratidão a vocês que enfrentaram a violência política antes, durante e depois da campanha eleitoral, que ocuparam as redes sociais e que tomaram as ruas debaixo de sol e chuva, nem que fosse para conquistar um único e precioso voto. Que tiveram a coragem de vestir a nossa camisa, e, ao mesmo tempo, agitar a bandeira do Brasil quando uma minoria violenta e antidemocrática tentava censurar nossas cores e se apropriar do verde e amarelo que pertence a todo povo brasileiro. A vocês que vieram de todos os cantos deste país, de perto ou de muito longe, de avião, de ônibus, de carro ou na boleia de um caminhão, de moto, bicicleta e até mesmo a pé, numa verdadeira caravana da esperança para esta festa da democracia.

Mas quero me dirigir também aos que optaram por outros candidatos. Vou governar para 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para quem votou em mim. Vou governar para todos e todas, olhando para o nosso luminoso futuro em comum e não pelo retrovisor de um passado de divisão e intolerância. A ninguém interessa um país em permanente pé de guerra, ou uma família vivendo em desarmonia. É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares, rompidos pelo discurso de ódio e pela disseminação de tantas mentiras. Chega de ódio, fake news, armas e bombas. Nosso povo quer paz para trabalhar, estudar, cuidar da família e ser feliz. A disputa eleitoral acabou.

Repito o que disse no meu pronunciamento após a vitória de 30 de outubro, sobre a necessidade de unir o país. Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação. Somos todos brasileiros e brasileiras, e compartilhamos uma mesma virtude. Nós não desistimos nunca. Ainda que nos arranquem todas as flores, uma por uma, pétala por pétala, nós sabemos que é sempre tempo de replantio e que a primavera há de chegar e a primavera já chegou. Hoje a alegria toma posse do Brasil de braços dados com a esperança.

Minhas queridas amigas e meus amigos, recentemente reli o discurso da minha primeira posse na Presidência em 2003, e o que li tornou ainda mais evidente o quanto o Brasil andou pra trás. Naquele primeiro de janeiro de 2003, aqui nesta mesma praça, eu e o meu querido vice José Alencar assumimos o compromisso de recuperar a dignidade e autoestima do povo brasileiro. E recuperamos. De investir para melhorar as condições de vida de quem mais necessita e investimos. De cuidar com carinho da saúde e da educação, e cuidamos. Mas, o principal compromisso que assumimos em 2003 foi o de lutar contra a desigualdade e a extrema pobreza, e garantir a cada pessoa deste país o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar todo santo dia e nós cumprimos esse compromisso, acabamos com a fome e a miséria e reduzimos fortemente a desigualdade.

Infelizmente, hoje, 20 anos depois voltamos a um passado que julgávamos enterrado. Muito do que fizemos foi desfeito de forma irresponsável e criminosa. A desigualdade e a extrema pobreza voltaram a crescer. A fome está de volta, e não por força do destino, não por obra da natureza nem por vontade divina, a fome. A volta da fome é um crime, o mais grave de todos cometido contra o povo brasileiro. A fome é filha da desigualdade, que é a mãe dos grandes males que atrasa o desenvolvimento do Brasil. A desigualdade apequena nosso país de dimensões continentais ao dividi-lo em partes que não se reconhece. De um lado uma pequena parcela da população que tudo tem, do outro lado uma multidão a quem tudo falta e uma classe média que vem empobrecendo ano a ano pelas injustiças do governo. Juntos somos fortes, divididos seremos sempre o país do futuro que nunca chega e que vivem em dívida permanente com o seu povo. Se queremos construir hoje o nosso futuro, se queremos viver num país plenamente desenvolvido para todos e todas, não pode haver lugar para tanta desigualdade. O Brasil é grande, mas a real grandeza de um país reside na felicidade de seu povo, e ninguém é feliz de fato em meio a tanta desigualdade.

Minhas amigas e meus amigos, quando digo governar, eu quero dizer cuidar. Mais do que governar, vou cuidar com muito carinho deste país e do povo brasileiro. Nesses últimos anos o Brasil voltou a ser um dos países mais desiguais do mundo. Há muito tempo não víamos tamanho abandono e desalento nas ruas. Mães garimpando o lixo em busca de alimento para seus filhos. Famílias inteiras dormindo ao relento, enfrentando o frio, a chuva e o medo. Crianças vendendo bala ou pedindo esmola quando deveriam estar na escola vivendo plenamente a infância que tem direito. Trabalhadores e trabalhadoras desempregados, exibindo nos semáforos cartazes de papelão com a frase que nos envergonha a todos: "Por favor, me ajuda". Fila na porta dos açougues em busca de ossos para aliviar a fome, e, ao mesmo tempo, filas de espera para compra de automóveis importados e jatinhos particulares. Tamanho abismo social é um obstáculo a construção de uma sociedade verdadeiramente justa, democrática e de uma economia próspera e moderna.

Por isso eu e o meu companheiro vice Geraldo Alckmin assumimos hoje, diante de vocês e de todo povo brasileiro o compromisso de combater dia e noite todas as formas de desigualdade no nosso país. Desigualdade de renda, desigualdade de gênero e de raça, desigualdade no mercado de trabalho, na representação política, nas carreiras do Estado, desigualdade no acesso a saúde, a educação e demais serviços públicos. Desigualdade entre a criança que frequenta a melhor escola particular e a criança que engraxa sapato na rodoviária sem escola e sem futuro, entre a criança feliz com brinquedo que acabou de ganhar de presente e a criança que chora de fome na noite de Natal. Desigualdade entre quem joga comida fora e quem só se alimenta das sobras. É inadmissível que os 5% mais ricos deste país detenham a mesma fatia de renda que os demais 95% de pessoas. Que seis bilionários brasileiros tenham uma riqueza equivalente ao patrimônio dos cem milhões mais pobres do país. Que um trabalhador ou uma trabalhadora que ganha um salário mínimo mensal leve 19 anos para receber o equivalente a que um super rico recebe em um único mês. E não adianta subir o vidro do automóvel de luxo para não ver nossos irmãos que se amontoam debaixo dos viadutos, carentes de tudo. A realidade salta aos olhos em cada esquina.

Minhas amigas e meus amigos, é inaceitável que continuemos a conviver com o preconceito, a discriminação e o racismo. Somos um povo de muitas cores e todas devem ter os mesmos direitos e oportunidades. Ninguém será cidadão ou cidadã de segunda classe, ninguém terá mais ou menos amparo do Estado, ninguém será obrigado a enfrentar mais ou menos obstáculos apenas pela cor da sua pele. Por isso estamos recriando o Ministério da Igualdade Racial, para enterrar a trágica herança do nosso passado escravista. Os povos indígenas precisam ter terras demarcadas e livres de ameaças de atividades econômicas ilegais e predatórias, precisam ter sua cultura preservada, sua dignidade respeitada, e sustentabilidade garantida. Eles não são obstáculo ao desenvolvimento. São guardiões de nossos rios e florestas e parte fundamental da nossa grandeza enquanto nação. Por isso estamos criando, estamos criando o Ministério dos Povos Indígenas para combater 500 anos de desigualdade. Não podemos continuar a conviver com a odiosa opressão imposta às mulheres, submetidas diariamente à violência nas ruas e dentro de suas próprias casas. É inadmissível que continuem a receber salários inferiores a dos homens, quando no exercício de uma mesma função elas precisam conquistar cada vez mais espaço nas instâncias dissuasórias deste país, na política, na economia, em todas áreas estratégicas. As mulheres devem ser o que elas quiserem ser, devem estar onde quiserem estar. Por isso estamos trazendo de volta o Ministério das Mulheres. Foi para combater a desigualdade e suas sequelas que nós vencemos a eleição. E esta será a grande marca do nosso governo, dessa luta fundamental surgirá um país transformado, um país grande e próspero, forte e justo, um país de todos por todos e para todos, um país generoso e solidário que não deixará ninguém para trás.

Minhas queridas companheiras e meus queridos companheiros, reassumo o compromisso de cuidar de todos os brasileiros e brasileiras, sobretudo daqueles que mais necessitam, de acabar outra vez com a fome neste país, de tirar o pobre da fila do osso para colocá-lo novamente no orçamento da União. Temos um imenso legado ainda vívido na memória de cada brasileiro e cada brasileira, beneficiário ou não das políticas públicas que fizeram uma revolução neste país. Mas não nos interessa viver do passado. Por isso, longe de qualquer saudosismo, nosso legado será sempre o espelho do futuro que vamos construir para este país. Em nossos governos o Brasil conciliou o crescimento econômico recorde com a maior inclusão social da história e se tornou a sexta maior economia do mundo, ao mesmo tempo em que 36 milhões de brasileiros e brasileiras saíram da extrema pobreza, geramos mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada e todos os direitos assegurados. Reajustamos o salário mínimo sempre acima da inflação. Batemos recorde de investimento em educação, da creche à universidade, para fazer do Brasil exportador também de inteligência e conhecimento e não apenas o exportador de commodities e matéria-prima. Nós mais que dobramos o número de estudantes no ensino superior e abrimos a porta das universidades para a juventude pobre deste país. Jovens brancos, negros e indígenas para que o diploma universitário era um sonho inalcançável tornarem-se doutores. Combatemos um dos grandes focos de desigualdade, o acesso a saúde, porque o direito a vida não pode ser refém da quantidade de dinheiro que se tem no banco. Fizemos o Farmácia Popular que forneceu medicamentos a quem mais precisava e o mais do que isso que levou atendimento a cerca de 60 milhões de brasileiros e brasileiras das periferias das grandes cidades e nos pontos mais remotos do Brasil. Criamos o Brasil sorridente para cuidar da saúde bucal de todos os brasileiros e brasileiras. Fortalecemos o nosso Sistema Único de Saúde. E quero aproveitar para fazer um agradecimento especial aos profissionais do SUS pela grandiosidade do trabalho durante a pandemia, enfrentado bravamente um vírus, um vírus letal e um governo irresponsável e desumano.

Nos nossos governos, investimos na agricultura familiar e nos pequenos e médios agricultores, responsáveis por 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa e fizemos isso sem descuidar do agronegócio, que obteve investimento em safras recordes ano após ano. Tomamos medidas concretas para combater as mudanças climáticas e reduzimos o desmatamento da Amazônia em mais de 80%. O Brasil consolidou-se como referência mundial no combate à desigualdade e a fome e passou a ser internacionalmente respeitado pela sua política externa, ativa e altiva. Fomos capazes de realizar tudo isso cuidando com total responsabilidade das finanças do país, nunca fomos irresponsáveis com o dinheiro público. Fizemos superávit fiscal todos os anos, eliminamos a dívida externa, acumulamos reservas de 370 bilhões de dólares e reduzimos a dívida externa a quase metade do que era quando chegamos no governo. Nos nossos governos nunca houve nem haverá gastança alguma. Sempre investimos e voltaremos a investir em nosso bem mais precioso que é o povo brasileiro.

Infelizmente muito do que construímos em 13 anos foi destruído em menos da metade desse tempo. Primeiro pelo golpe contra a presidenta Dilma em 2016, e, na sequência, pelos quatro anos de um governo de destruição nacional cujo legado a história jamais perdoará: 700 mil brasileiros e brasileiras mortos pelo covid-19, 125 milhões sofrendo algum grau de insegurança alimentar de moderada a muito grave e 33 milhões passando fome. Estes são apenas alguns números que na verdade não são apenas números, estatísticas e indicadores. São pessoas, homens, mulheres e crianças vítimas de um desgoverno afinal derrotado pelo povo no histórico 30 de outubro de 2022. Os grupos técnicos do gabinete de transição coordenado pelo meu vice Alckmin que por dois meses mergulharam nas entranhas do governo anterior trouxeram a público a real dimensão da tragédia.

O que o povo brasileiro sofreu nesses últimos anos foi a lenta e progressiva construção de um verdadeiro genocídio. Quero citar a título de exemplo um pequeno trecho das cem páginas desse verdadeiro relatório do caos produzido pelo gabinete da transição. Diz o relatório: "O Brasil bateu recordes de feminicídio. As políticas de igualdade raciais sofreram severo retrocesso. Produziu-se desmonte da política da juventude e os direitos indígenas nunca foram tão ultrajados na história recente do país. Os livros didáticos que deverão ser usados no ano letivo de 2023 ainda não começaram a ser editados. Faltam remédios na farmácia popular, não há estoque de vacinas para o enfrentamento das novas variantes da covid-19. Faltam recursos para a compra de merenda escolar. As universidades corriam risco de não concluir o ano letivo. Não existe recurso para a Defesa Civil e a prevenção de acidentes e desastres. E quem está pagando a conta deste apagão é, outra vez, o povo brasileiro.

Meus amigos e minhas amigas, nesses últimos anos vivemos, sem dúvida, um dos piores períodos da nossa história, uma era de sombras, de incertezas e de muito sofrimento. Mas esse pesadelo chegou ao fim pelo voto soberano na eleição mais importante desde a redemocratização do país. Uma eleição que demonstrou o compromisso do povo brasileiro com a democracia e suas instituições. Esta extraordinária vitória da democracia nos obriga a olhar para frente a esquecer nossas diferenças que são muito menores que aquilo que nos une para sempre: o amor pelo Brasil e a fé inquebrantável em nosso povo.

Agora é hora de reacendermos a chama da esperança, da solidariedade e do amor ao próximo. Agora é hora de voltar a cuidar do Brasil e do povo brasileiro, gerar empregos, reajustar o salário mínimo acima da inflação, baratear o preço dos alimentos, criar ainda mais vagas nas universidades, investir fortemente na saúde, na educação, na ciência e na cultura. Retomar as obras de infraestrutura do Minha Casa, Minha Vida, abandonadas pelo descaso do governo que se foi. É hora de trazer investimentos e reindustrializar o Brasil, combater outras vezes as mudanças climáticas e acabar de uma vez por todas com a devastação dos nossos biomas, sobretudo a nossa querida Amazônia. Romper com o isolamento internacional e voltar a se relacionar com todos os países do mundo. Não é hora para ressentimentos estéreis. Agora é hora de o Brasil olhar para frente e voltar a sorrir. Vamos virar esta página e escrever em conjunto um novo e decisivo capítulo da nossa história.

Nosso desafio comum é o da criação de um país justo, inclusivo, sustentável e criativo, democrático e soberano para todos os brasileiros e brasileiras. Fiz questão de dizer ao longo de toda campanha: o Brasil tem jeito. E volto a dizer com toda convicção, mesmo diante do quadro de destruição revelado pelo gabinete da transição: o Brasil tem jeito. Depende de nós, de todos nós. E vamos reconstruir este país.

Em meus quatro anos de mandato vamos trabalhar todos os dias para o Brasil vencer o atraso de mais de 350 anos de escravidão para recuperar o tempo e as oportunidades perdidas nesses últimos anos, para reconquistar seu lugar de destaque no mundo e para que cada brasileiro e cada brasileira tenha o direito de voltar a sonhar e as oportunidades para realizar aquilo que sonha. Precisamos todos juntos reconstruir e transformar o nosso querido país. Mas só reconstruiremos e transformaremos de fato esse país se lutarmos com todas as forças contra tudo aquilo que o torna tão desigual. Essa tarefa não pode ser de apenas um Presidente ou mesmo de um Governo, é urgente e necessária a formação de uma frente ampla contra a desigualdade que envolva a sociedade como um todo, trabalhadores, empresários, artistas, intelectuais, governadores, prefeitos, deputados, senadores, sindicatos, movimentos sociais, associações de classes, servidores públicos, profissionais liberais, líderes religiosos, cidadãos e cidadãs comum. Afinal, é tempo de união e reconstrução do nosso país. Por isso faço, esse chamamento a todos os brasileiros e brasileiras que desejam um Brasil mais justo, solidário e democrático. Juntem-se a nós num grande mutirão contra a desigualdade. Quero terminar pedindo a cada um e a cada uma de vocês que a alegria de hoje seja a matéria-prima da luta de amanhã e de todos os dias que virão, que a esperança de hoje fermente o pão que há de repartido entre todos e que estejamos sempre pontos a reagir em paz e em ordem a quaisquer ataques de extremistas que queiram sabotar e destruir nossa democracia. Na luta pelo bem do Brasil usaremos as armas que os nossos adversários mais temem, a verdade que se sobrepôs a mentira, a esperança que venceu o medo e o amor que derrotou o ódio. Viva o Brasil e viva o povo brasileiro!

Leia a íntegra do discurso de posse de Lula no Congresso:

Excelentíssimo sr. presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco. Excelentíssimo sr. presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira. Excelentíssima sra. presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber. Meu querido companheiro Vice-presidente da República Geraldo Alckmin. Senhoras e senhores chefes de Estados e de Governo que nos prestigiam. Sr. primeiro-secretário da Mesa da Câmara dos Deputados. Deputado Luciano Bivar, Sr. Procurador-Geral da República Augusto Aras, minha querida companheira e esposa Janja, nossa querida companheira esposa do Alckmin, Lu Alckmin, meu querido companheiro José Sarney Presidente da República, minha querida companheira Dilma Rousseff, Presidente da República. Srs. parlamentares, senhoras e senhores chefes de delegações estrangeiras, meus amigos e minhas amigas.

Pela terceira vez compareço a este Congresso Nacional para agradecer ao povo brasileiro o voto de confiança que recebemos. Renovo o juramento de fidelidade da Constituição da República junto com o Vice-Presidente Geraldo Alckmin e os ministros que conosco vão trabalhar.

Se estamos aqui hoje é graças à consciência política da sociedade brasileira e a frente democrática que formamos ao longo desta histórica campanha eleitoral. Foi a democracia a grande vitoriosa nesta eleição, superando a maior mobilização de recursos públicos e privados que já se viu, as mais violentas ameaças à liberdade do povo, a mais abjeta campanha de mentira e de ódio tramada para manipular e constranger o eleitorado brasileiro. Nunca os recursos do Estado foram tão desvirtuados em proveito de um projeto autoritário de poder. Nunca a máquina pública foi tão desencaminhada dos controles republicanos. Nunca os eleitores foram tão constrangidos pelo poder econômico e por mentiras disseminadas em escala industrial. Apesar de tudo a decisão das urnas prevaleceu, graças a um sistema eleitoral internacionalmente reconhecido por sua eficácia na captação e apuração dos votos. Foi fundamental a atitude corajosa do Poder Judiciário, especialmente do Tribunal Superior Eleitoral. Para fazer prevalecer a verdade das urnas sobre as violências de seus detratores.

Senhoras e senhores, ao retornar a este Plenário da Câmara dos Deputados, onde participei da Assembleia Constituinte de 1988, recordo com emoção os embates que travamos aqui democraticamente para escrever na Constituição o mais amplo conjunto de direitos sociais, individuais e coletivos em benefício da população e da soberania nacional. 20 anos atrás, quando fui eleito presidente pela primeira vez ao lado do companheiro vice-presidente José Alencar, iniciei o discurso de posse com a palavra mudança. A mudança que pretendíamos era simplesmente concretizar os preceitos constitucionais, a começar pelo direito à vida digna, sem fome, com acesso ao emprego, à saúde e à educação.

Disse, naquela ocasião, que a missão de minha vida estaria cumprida quando cada brasileiro e brasileira pudesse fazer três refeições por dia. Repetir esse compromisso no dia de hoje diante do avanço da miséria e do regresso da fome que havíamos superado é o mais grave sintoma da devastação que se impôs ao país nos anos recentes. Hoje nossa mensagem ao Brasil é de esperança e reconstrução. O grande de direito de soberania e de desenvolvimento que essa nação levantou a partir de 1988 vinha sendo sistematicamente demolido nos anos recentes. É para reerguer este edifício de direitos e valores nacionais que vão dirigir todos os nossos esforços.

Queridos amigos e amigas, em 2002 dizíamos que a esperança tinha vencido o medo, no sentido de superar os temores diante da inédita eleição de um representante da classe trabalhadora para presidir os destinos do país. Em oito anos de governo deixamos claro que os temores eram infundados. Do contrário não estaríamos aqui novamente. Ficou demonstrado que um representante da classe trabalhadora podia dialogar com a sociedade para promover o crescimento econômico de forma sustentável em benefício de todos, especialmente dos mais necessitados. Ficou demonstrado que era possível, sim, governar este país com a mais ampla participação social, incluindo os trabalhadores e os mais pobres no orçamento e nas decisões do governo.

Ao longo desta campanha eleitoral vi a esperança brilhar nos olhos de um povo sofrido, em decorrência da destruição de políticas públicas que promoviam a cidadania, os direitos sociais, a saúde e a educação. Vi o sonho de uma pátria generosa que ofereço oportunidade a seus filhos e filhas em que a solidariedade ativa seja mais forte que o individualismo cego.

O diagnóstico que recebemos do governo de transição de governo é estarrecedor. Esvaziaram os recursos da saúde, desmontaram a educação, a cultura, a ciência e tecnologia, destruíram a proteção do meio ambiente, não deixaram o recurso para merenda escolar, a vacinação, a segurança pública, a proteção às florestas e assistência social, desorganizaram a governança da economia, dos financiamentos públicos, do apoio às empresas, aos empreendedores e ao comércio externo. Dilapidaram as estatais e os bancos públicos, entregaram o patrimônio nacional.

Os recursos do país foram raspados para saciar a estupidez dos rentistas, de acionistas privados nas empresas públicas. É sobre a terrível que assumo o compromisso de, junto com o povo brasileiro, reconstruir o país e fazer novamente um Brasil de todos e para todos. Eu queria dizer aos deputados e senadores que o resultado da nossa transição, que foi coordenada pelo companheiro Alckmin, será enviada a cada deputado, a cada senador, a cada ministro da Suprema Corte, a cada ministro do Tribunal Superior Eleitoral, a cada ministro do Poder Judiciário, a cada universidade, a cada central sindical para que as pessoas saibam como é que nós encontramos esse país e cada um faça a sua avaliação.

Senhoras e senhores, diante do desastre orçamentário que recebemos, apresentamos ao Congresso Nacional proposta que nos permitiu apoiar a imensa camada da população que necessita do Estado para simplesmente sobreviver. Quero agradecer à Câmara e ao Senado pela sensibilidade do povo brasileiro, registro atitude extremamente responsável do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União frente situações que distorceu a harmonia dos poderes. Assim fiz porque não seria justo nem correto pedir paciência para quem tem fome. Nenhuma nação se ergueu nem poderá se erguer sobre a miséria de seu povo. Os direitos e interesses da população, o fortalecimento da democracia e a retomada da soberania nacional serão os pilares de nosso Governo. Esse compromisso começa pela garantia de um programa, do programa Bolsa Família renovado, mais forte e mais justo para atender a quem mais necessita. Nossas primeiras ações indo resgatar da fome 33 milhões de pessoas e resgatar da pobreza mais de 100 milhões de brasileiros e brasileiras que suportaram a mais dura carga do projeto de destruição nacional que hoje se encerra.

Senhoras e senhores, esse processo eleitoral também foi caracterizado pelo contraste entre distintas visões de mundo. A nossa, centrada na solidariedade e na participação política e social para definição democrática do destino do país, a outra no individualismo, na negação da política, na destruição do Estado em nome de supostas liberdades individuais. A liberdade que sempre defendemos é a de viver com dignidade, com plenos direitos de expressões e manifestação, e sobretudo de organização. A liberdade que eles pregam é a de oprimir o vulnerável, massacrar o oponente e impor a lei do mais forte acima das leis da civilização. O nome disso é barbárie.

Compreendi desde o início da jornada que deveria ser candidato por uma frente mais ampla do que o campo político em que me formei, mantendo firmo o compromisso com minhas origens. Esta frente se consolidou para impedir o retorno do autoritarismo no país. A partir de hoje a lei de acesso a informação voltará a ser cumprida. O portal da transparência voltará a cumprir seu papel, os controles republicanos voltarão a ser exercidos para defender o interesse público.

Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a nação a seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o primado da lei. Quem errou responderá por seus erros com direito a ampla defesa dentro do devido processo legal.

O mandato que recebemos aceita adversários inspirados no fascismo com poderes que a Constituição confere à democracia. Ao ódio responderemos com amor. À mentira com a verdade. Ao terror e à violência, responderemos com as leis e suas mais duras consequências. Sob o vento da redemocratização dizíamos ditadura nunca mais. Hoje, depois do terrível desafio que superamos devemos dizer democracia para sempre. Para confirmar estas palavras, teremos de reconstruir em bases sólidas a democracia em nosso país. A democracia será defendida pelo povo na medida em que garantir a todos e a todas os direitos inscritos na Constituição.

Senhoras e senhores, hoje mesmo estou assinando medidas para reorganizar as estruturas do Poder Executivo de modo que volte a permitir o funcionamento do governo de maneira racional, republicana e democrática, para resgatar o papel das instituições do Estado, bancos públicos e empresas estatais no desenvolvimento do país, para planejar os investimentos públicos e privados na direção de um crescimento econômico sustentável ambientalmente e socialmente.

Em diálogo com os 27 governadores, vamos definir prioridades para retomar obras irresponsavelmente paralisadas que são mais de 14 mil no país. Vamos retomar o Minha Casa, Minha Vida e estruturar um novo PAC para gerar empregos na velocidade que o Brasil quer e necessita. Buscaremos financiamento e cooperação nacional e internacional para o investimento, para dinamizar e expandir o mercado interno de consumo, desenvolver o comércio, exportações, serviços, agricultura e indústria.

Os bancos públicos, especialmente o BNDES e as empresas indutoras do crescimento e inovação como a Petrobras terão papel fundamental nesse novo ciclo, ao mesmo tempo vamos impulsionar as pequenas e médias empresas potencialmente as maiores geradoras de emprego e renda, com empreendedorismo, coopero ismo. A roda da economia vai voltar a girar e o consumo popular terá papel central nesse processo. Vamos retomar a política de valorização permanente do salário mínimo, estejam certos de que vamos acabar mais uma vez com a vergonhosa fila do INSS, outra injustiça restabelecida nestes tempos de destruição. Vamos dialogar de forma tripartite governo, entes federais e empresários, sob uma garantir a liberdade de empreender ao todo da proteção social é um grande desafio nos tempos de hoje.

Senhoras e senhores, o Brasil é grande demais para renunciar seu potencial produtivo. Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites. Temos capacidade técnica, capitais e mercado em grau suficiente para retomar a industrialização e a oferta de serviços em nível competitivo. O Brasil pode e deve figurar na primeira linha da economia global. Caberá o Estado articular a transição digital e trazer a indústria brasileira para o século 21 como uma política industrial que apoia a inovação, estimula a cooperação público-privada, fortaleça a ciência e tecnologia e garanta acesso a financiamentos com custos adequados. O futuro pertencerá a quem investir na indústria do conhecimento, que será objeto de uma estratégia nacional planejada em diálogo com o setor produtivo, centro de pesquisas e universidades junto com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, os bancos públicos estatais, agência de fomento a pesquisa

Nenhum outro país tem as condições do Brasil para se tornar uma grande potência ambiental, a partir da criatividade da bioeconomia e dos empreendimentos da sócio biodiversidade. Vamos iniciar a transição energética ecológica para uma agropecuária e mineração sustentáveis, uma agricultura familiar mais forte e uma indústria mais verde. Nossa meta é alcançar o desmatamento zero na Amazônia, a emissão zero de gases de efeito estufa na matriz energética, além de estimular o reaproveitamento de pastagens degradadas, o Brasil não precisa desmatar para manter e ampliar sua estratégica fronteira agrícola. Não é preciso derrubar nenhuma árvore, é só replantar os 30 milhões de hectares de terras degradadas que a gente vai poder viver sem derrubar madeira, sem fazer queimada e sem precisar invadir os nossos biomas.

Incentivaremos, sim, a prosperidade na terra, liberdade e oportunidade de criar, plantar e colher continuará sendo nosso objetivo. O que não podemos admitir é que seja uma terra sem lei. Não vamos tolerar a violência contra os pequenos, o desmatamento e a degradação do ambiente que tanto mal já fizeram ao nosso país. Esta é uma das razões, não a única, da criação do Ministério dos povos indígenas. Ninguém conhece melhor nossas florestas nem é mais eficaz em defendê-la do que os que estavam aqui desde tempos imemoriais. Cada terra demarcada é uma nova área de proteção ambiental. A estes brasileiros e brasileiras devemos respeito e com eles temos uma dívida histórica. Vamos revogar todas as injustiças cometidas contra os povos indígenas.

Queridos amigos e amigas, uma nação não se mede apenas pelas estatísticas, por mais impressionante que seja. Assim como ser humano, uma nação se expressa verdadeiramente pela alma de seu povo, alma do Brasil reside na diversidade inigualável da nossa gente e das nossas manifestações culturais. Estamos refundando o Ministério da Cultura com missão de incentivos e acessos a bens culturais interrompidas pelo obscurantismo nos últimos anos. Uma política cultural democrática não pode temer a crítica nem eleger favoritos, que brotem todas as flores e sejam colhidos todos frutos da criatividade que todos possam usufruir sem censura e sem discriminação. Não é admissível que negros e pardos continuem sendo a maioria pobre oprimida de um país construído com suor e sangue de seus ascendentes africanos. Criamos o Ministério da Promoção da Igualdade Racial para ampliar a política de cotas nas universidades e no serviço público, além de retomar as políticas voltadas para o povo negro e pardo na saúde, educação e cultura. É inadmissível que as mulheres recebam menos que os homens realizando a mesma função, que não seja reconhecida em um mundo político machista, que sejam assediadas impunemente nas ruas e no trabalho, que sejam vítimas de violência dentro e fora de casa, estamos refundando também o Ministério das mulheres para demolir este castelo secular de desigualdade e preconceito. Não existirá verdadeira Justiça num país em que um só ser humano seja injustiçado. Caberá ao Ministério dos Direitos Humanos zelar e agir para que cada cidadão ou cidadã tenha seus direitos respeitados no acesso aos serviços públicos e particulares, na proteção frente ao preconceito ou diante de autoridade pública, cidadania é outro nome da nossa querida democracia. O Ministério da Justiça e da Segurança Pública atuará para harmonizar os poderes e entes federados no objetivo de promover a paz onde ela é mais urgente, nas comunidades pobres, no seio das famílias vulneráveis, ao crime organizado, as milícias e a violência, venha ela de onde vier.

Estamos revogando os criminosos decretos de ampliação de acesso a armas e munições que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras. O Brasil não quer e não precisa de armas na mão do povo. O Brasil precisa de segurança, o Brasil precisa de livro, de educação e de cultura para que a gente possa ser um país mais justo. Sob a proteção de Deus inauguro este mandato reafirmando que no Brasil a fé pode estar presente em todas as moradas, nos diversos templos, igrejas e cultos. Neste país todos poderão exercer livremente sua religiosidade.

Senhoras e senhores, o pedido que se encerra foi marcado por uma das maiores tragédias da história. A pandemia de covid-19. Em nenhum outro país a quantidade de vítimas fatais foi tão alta proporcionalmente a população quanto no Brasil. Um dos países mais preparados para enfrentar as emergências sanitárias, graças à competência do nosso Sistema Único de Saúde e da competência de vacinação do nosso povo. Este paradoxo só se explica pela atitude criminosa de um governo negacionista, obscurantista, insensível à vida, a responsabilidade por esse genocídio hão de ser apuradas e não devem ficar impunes. O que nos cabe, no momento, é prestar solidariedade aos familiares, pais, órfãos, irmãos e irmãs de quase 700 mil vítimas da pandemia. O SUS é, provavelmente, a mais democrática das instituições criadas pela Constituição de 88. Certamente por isso foi a mais perseguida desde então e foi também a mais prejudicada por uma estupidez chamada teto de gastos que haveremos de revogar. Vamos recompor o orçamento da saúde para garantir assistência básica, a farmácia popular, promover acesso a medicina especializada, vamos recompor o orçamento da educação, investir em mais universidades no ensino técnico, na universalização do acesso a internet, na ampliação das creches e nos ensinos público em tempo integral. Este é o investimento que verdadeiramente levará ao desenvolvimento do país.

O modelo que propomos, aprovado nas urnas, exige, sim, compromisso com a responsabilidade, a credibilidade e a previsibilidade. E disso não vamos abrir mão. Foi com realismo orçamentário, fiscal e monetário, buscando a estabilidade, controlando a inflação e respeitando contratos que governamos este país. Não podemos fazer diferente. Temos sim a obrigação de fazer melhor do que fizemos.

Senhoras e senhores, os olhos do mundo estiveram voltados para o Brasil nestas eleições. O mundo espera que o Brasil volte a ser um líder no enfrentamento à crise climática e um exemplo de país social e ambientalmente responsável capaz de promover o crescimento econômico com distribuição de renda, combater a fome e a pobreza dentro do processo democrático. Nosso protagonismo se concretizará pela retomada da integração sul-americana a partir do Mercosul, a revitalização da Unasul e mais instâncias articulação soberana da nossa região. Sobre esta base poderemos reconstruir o diálogo ativo e altivo com os Estados Unidos, a Comunidade Europeia, a China, os países do Oriente e outros atores globais fortalecendo os Brics e a cooperação com os países da África e rompendo o isolamento a que o país foi submetido nesses últimos tempos.

O Brasil tem de ser dono de si mesmo, dono do seu destino. Tem de voltar a ser um país soberano. Somos responsáveis pela maior parte da Amazônia e por vastos biomas, grandes aquíferos, jazida de minérios, petróleo e fontes de energia limpa, com soberania e responsabilidade seremos respeitados para compartilhar esta grandeza com a humanidade, solidariamente jamais com subordinação.

A relevância da eleição no Brasil refere-se, por fim, as ameaças que o modelo democrático vem enfrentando ao redor do planeta, articula-se uma onda de extremismo autoritário que dissemina o ódio e a mentira por meios tecnológicos que não se submete a controles transparentes. Defendemos a plena liberdade de expressão, cientes de que é urgente criarmos instâncias democráticas de acesso a informação, confiável e de responsabilização dos meios pelos quais o veneno do ódio e da mentira são inoculados. Este é um desafio civilizatório, da mesma forma em que a superação das guerras, da crise climática e da fome e da desigualdade no planeta. Reafirmo para o Brasil e para o mundo a convicção de que a política em seus mais elevados sentidos e apesar de todas suas limitações é o melhor caminho para o diálogo entre os interesses divergentes para a construção pacífica de consenso. Negar a política e desvalorizá-la e criminalizá-la é o caminho da barbárie e das tiranias. Minha mais importante missão a partir de hoje será honrar a confiança recebida e corresponder as esperanças de um povo sofrido que jamais perdeu a fé no futuro. Nem em sua capacidade de superar os desafios. Com a força do povo e as bênçãos de Deus haveremos de reconstruir esse país. Viva a democracia! Viva o povo brasileiro! Muito obrigado, companheiros.