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Por que Glória Maria é citada em teoria da conspiração sobre Tancredo

A jornalista e apresentadora Glória Maria - Reprodução / Instagram
A jornalista e apresentadora Glória Maria Imagem: Reprodução / Instagram

Aurélio Araújo

Colaboração para Splash, em São Paulo

02/02/2023 14h50

A jornalista Glória Maria, que morreu hoje, teve sua carreira marcada por uma teoria da conspiração envolvendo a morte do primeiro presidente civil eleito após a ditadura militar, Tancredo Neves.

  • Tancredo Neves morreu em 1985, devido a complicações de saúde, antes de assumir a Presidência da República.
  • Com isso, deu lugar ao vice, José Sarney.
  • De acordo com as suposições, ele teria sido vítima de um atentado cometido pelos militares enquanto assistia a uma missa na Catedral de Brasília.

Durante anos, circularam boatos de que a jornalista havia sido testemunha do suposto atentado, chegando a levar um tiro de raspão na perna na ocasião. Segundo uma matéria da revista "Superinteressante" publicada em 2016, teria faltado luz na catedral e as pessoas que estavam presentes ouviram um tiro.

Glória, que trabalhava na TV Globo desde 1970, já era uma das principais jornalistas da casa. Como ela não participou da cobertura da morte de Neves, surgiu a hipótese de que ela estava hospitalizada por ter sido atingida pelo disparo na catedral. Na sequência, a Globo, por suposto alinhamento com a ditadura, a teria enviado ao Marrocos como correspondente, afastando-a do debate público sobre a morte do presidente eleito.

A própria jornalista deu entrevistas em que negou com veemência que isso tivesse acontecido. Em participação no "Encontro com Fátima Bernardes", em 2012, ela comentou sua versão de como imagina que os rumores começaram.

Isso foi uma loucura. [...] Até hoje, normalmente motorista de táxi que tem isso na memória, chega para mim e diz: 'escuta, vem cá, conta, eu sei que você não pode falar até hoje, mas conta a história do Tancredo'. Imagina, coitado do presidente. Deus o tenha lá, na santa paz de Cristo, mas eu não vi nada, não sei nada, ele morreu de morte natural e ponto.
Glória Maria no Encontro

Ela também explicou que, em 1985, apresentava no Rio de Janeiro o "Jornal das 7". Dessa forma, não pôde participar da cobertura nacional da morte do presidente eleito, que estava internado em São Paulo. Como os boatos começaram já na época, Glória disse que teve de "entrar em todos os telejornais ao vivo para mostrar que estava viva". Mesmo assim, havia quem dissesse que eram apenas gravações e que ela seguia afastada.

Além disso, embora tenha feito matérias ao redor do planeta ao longo da carreira, Glória Maria jamais foi correspondente no exterior.

O que realmente aconteceu?

O Brasil passou 21 anos sob ditadura militar. Em 1984, a emenda Dante de Oliveira, que propunha voto direto para a eleição presidencial do ano seguinte, não passou na Câmara dos Deputados. Assim, a eleição de 1985 seria resolvida pelo colégio eleitoral, formado por deputados federais, senadores e delegados das Assembleias Legislativas estaduais.

Na disputa pelos votos do colégio, havia dois candidatos: Paulo Maluf, do Partido Democrático Social (PDS), sucessor da Arena, o partido da ditadura militar, e Tancredo Neves, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que representava a oposição civil ao regime.

José Sarney, que foi filiado à Arena e chegou até a ser presidente do PDS, ingressou no PMDB em 1984 e foi escolhido como o vice na chapa de Tancredo Neves. O fato de ter tido uma carreira ao lado dos militares também influenciou no surgimento da teoria da conspiração de que a ditadura o aceitaria melhor como o sucessor do general João Figueiredo na Presidência.

Neves e Sarney venceram a disputa no colégio eleitoral, com 72% dos votos. Mas, nos dias que antecederam sua posse, programada para 15 de março de 1985, Neves sofreu com fortes dores abdominais. Ele evitou uma internação o quanto pôde, com medo de que os militares usariam suas condições de saúde para adiar a transferência de poder. No entanto, na véspera, as dores aumentaram a ponto de ele ter que ser levado às pressas ao Hospital de Base do Distrito Federal.

Lá, foi internado e depois transferido para São Paulo, mas morreu em 21 de abril. Sarney já havia tomado posse em seu lugar e, como previsto, governou até 1990. A versão divulgada à época pelos médicos é de que Neves teria morrido de complicações de uma diverticulite. No entanto, em entrevista ao "Fantástico", em 2005, o patologista Élcio Miziara, que fez a biópsia de parte do intestino de Tancredo Neves, admitiu ter "maquiado" o laudo médico em concordância com a família do político. Segundo sua versão, o presidente eleito tinha um tumor benigno, mas infectado, o que causou a morte.