Topo

exclusivo

Tribunal pagou a juízes R$ 677 milhões em bônus salarial extinto há 20 anos

Do UOL, em Brasília

27/05/2023 04h00

Com o estado do Rio de Janeiro em recuperação fiscal, o TJ-RJ (Tribunal de Justiça do RJ) pagou R$ 677 milhões em bônus salariais para 604 juízes e desembargadores. O benefício foi extinto há 20 anos, mas os magistrados entendem que uma decisão do STF os autoriza a receber.

Que benefício é esse e quem recebeu

O adicional por tempo de serviço, conhecido como quinquênio, foi pago a 48% dos juízes e desembargadores na ativa e aposentados do RJ entre maio de 2022 e o mês passado. A identidade de quem recebeu e a forma como os repasses foram feitos não foram informadas. Não se sabe quanto cada um ganhou, mas os pagamentos resultam em uma média de R$ 1,1 milhão por magistrado.

E o pagamento ainda não acabou. O TJ-RJ diz não saber quanto gastará ao todo com os repasses. "Os valores totais ainda não foram apurados, em razão da complexidade dos cálculos", afirmou a presidência do tribunal em e-mail datado do dia 9 obtido pelo UOL.

O que é o benefício. O quinquênio e outros adicionais por tempo de serviço, extintos pela reforma previdenciária de 2003, eram somados aos salários de magistrados periodicamente.

Por que ele voltou a partir de maio de 2022. O bônus deixou de ser pago em 2006, mas juízes de diferentes tribunais do país vêm tentando embolsar valores retroativos com base na interpretação de uma decisão do STF que iguala o teto salarial de magistrados ao de ministros do Supremo. Em 2021, o TJ-RJ foi o primeiro a aprovar o pagamento retroativo.

Peso nos cofres. Para efeito de comparação, o bônus pago no RJ custearia mais de 80% da folha de pagamento de todos os juízes e desembargadores do TJ-RJ em 2022.

bonusjuizes - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

O UOL não identificou os pagamentos dos valores retroativos nas folhas de pagamento divulgadas nos portais de transparência do tribunal e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O TJ-RJ também não esclareceu onde lança essas despesas ou se possui uma folha de pagamento à parte. Especialistas cobram transparência dos dados.

Supersalários. Análise feita pelo UOL indica que contracheques acima de R$ 100 mil brutos aumentaram de 87 para 141 no período. A maior parte desses valores está relacionada à venda de férias. O pagamento dos adicionais por tempo de serviço não foi identificado nos holerites. Esses salários superam o teto constitucional do Judiciário, que tem como referência os salários de ministros do STF (R$ 41.650,92).

Sob análise do Tesouro Nacional. O governo do RJ diz que o bônus de R$ 677 milhões não impacta ou viola o programa de recuperação fiscal. Mas o conselho do Tesouro Nacional que supervisiona o regime afirma que "está analisando o processo" que autorizou o pagamento. O Tesouro ponderou que, se o pagamento é fruto de decisão judicial, não há descumprimento da lei.

O Tribunal de Justiça [do RJ] tem o dever de dar transparência [aos pagamentos] porque o número [R$ 677 milhões] assusta e impõe uma checagem, uma fiscalização (...) Esse pagamento acaba redundando em supersalário. A pergunta é se esse supersalário está sendo pago de forma legítima ou ilegítima. Isso eles não esclarecem.
Maurício Zockun, professor de Direito Administrativo da PUC-SP

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro esclarece que realiza o pagamento de parcelas de direito pessoal de acordo com decisões do Supremo Tribunal Federal.
TJ-RJ, em nota

Não há como estimar o custo final [dos quinquênios retroativos], considerando a autonomia administrativa e orçamentária de cada tribunal.
Conselho Nacional de Justiça, em nota

O assunto [pagamento do bônus a magistrados do RJ] será discutido com os demais conselheiros, com possível consulta à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para sanar eventuais dúvidas jurídicas.
Tesouro Nacional, em nota

Por que todo trabalhador mundial tem direito a verbas em atraso, quando não pagas a tempo, e só o magistrado brasileiro não tem?
Marcelo Buhatem, presidente da Andes (Associação Nacional dos Desembargadores)

Bônus vetado em outros tribunais

Na fila, magistrados de São Paulo e da Justiça Federal aguardam um "sinal verde" do CNJ para receber quinquênios após terem o bônus questionado.

Em São Paulo, o maior Tribunal de Justiça do país aprovou pagar os quinquênios, mas nada ainda foi creditado na conta dos juízes porque não há autorização do CNJ. Assim como no Rio, não se sabe o custo total do benefício.

Já a Justiça Federal chegou a pagar R$ 157 milhões a seus magistrados em quinquênios retroativos (quase 20% do total previsto) até o CNJ e o TCU (Tribunal de Contas da União) suspenderem os repasses em abril.

O TJ-MG também aprovou o pagamento desse bônus salarial, mas o CNJ barrou. A estimativa é de que o pagamento custaria R$ 5 bilhões aos cofres públicos.

Entenda o vaivém do quinquênio

Reforma da Previdência de 2003 extinguiu os quinquênios e outros adicionais por tempo de serviço para o Judiciário

Na ocasião, o teto salarial dos desembargadores foi definido em 90,25% do teto dos ministros do STF.

A reforma também estabeleceu que o subsídio salarial do ministro do STF deveria ter um valor definido em lei.

Em 2005, o primeiro valor foi definido: ministros passaram a ganhar R$ 21.500 por mês, e desembargadores, R$ 19.403.

Mas, em 2007, uma liminar do STF garantiu que os desembargadores tivessem o mesmo teto salarial dos ministros do STF.

Em 2014 e 2020, o STF confirmou a liminar que igualou o teto salarial dos desembargadores ao subsídio dos ministros.

Em 2021, o TJ do Rio aprovou pagar adicionais por tempo de serviço retroativos a 2006 a seus magistrados com base na decisão do STF.

Para o tribunal, quando o teto salarial dos magistrados estaduais foi criado, houve corte de uma parcela do salário, que era relativa aos adicionais por tempo de serviço. Com a equivalência dos tetos, o TJ-RJ entende que o valor cortado deve agora ser pago retroativamente.

Segundo o tribunal, os 604 magistrados que receberam os valores retroativos se enquadram nesse critério. Fontes ouvidas pelo UOL dizem que os pagamentos beneficiam juízes e desembargadores que estavam no órgão antes da reforma da previdência.