Pepita, desmatamento e sócio garimpeiro: o elo de Valdemar com a mineração
O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, é ligado à mineração há mais de 50 anos. Ele teve pelo menos três empresas do ramo, já foi condenado por dano ambiental e é sócio de um líder garimpeiro da Amazônia.
O que aconteceu
A Polícia Federal investiga se Valdemar tem relação com o garimpo ilegal. Os agentes apuram a origem de uma pepita de ouro apreendida na casa do ex-deputado no último dia 8, durante operação que mirou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados. Valdemar chegou a ficar preso por dois dias por posse ilegal de arma.
Os registros da atividade do ex-deputado na mineração começam em 1973. Foi nesse ano que ele fez seu primeiro pedido de pesquisa minerária à ANM (Agência Nacional de Mineração), para explorar areia em Mogi das Cruzes (SP).
Valdemar já atuou no Amazonas e no interior de São Paulo. Ele foi sócio de uma empresa que explora caulim, um minério usado na indústria, na região de Manaus. E teve outras duas dedicadas à extração de areia, argila e água mineral em Mogi das Cruzes e cidades próximas.
Uma das empresas já foi condenada por dano ambiental. Em 2019, a Justiça determinou que Valdemar pague indenização pela devastação de uma área equivalente a 28 campos de futebol em Biritiba Mirim (SP). O valor, que ainda não foi calculado pela Justiça, deverá ser de pelo menos R$ 100 mil.
O presidente do PL é sócio de um militante pró-garimpo. Francisco Jonivaldo Mota Campos, conhecido como Joni Motta, é uma das lideranças do movimento Garimpo é Legal, que atua na região norte. Por meio da empresa Reflorestadora Holanda, subsidiária de um grupo holandês, Mota se associou a Valdemar para um projeto de reflorestamento — mas a matriz europeia foi processada por fraude e o negócio acabou extinto.
A defesa de Valdemar foi procurada, mas não quis comentar o assunto. Em depoimento à PF após a prisão, o ex-parlamentar disse que recebeu a pepita de presente, há quatro ou cinco anos, "de uma pessoa da qual não se recorda e nem mantém contato atual".
Com 'rei do caulim', Valdemar explorou áreas no AM e em SP
Em 1986, Valdemar se associou ao empresário Fumio Horii, morto em 2021. O nome da empresa aberta por eles, Horboy Clays, era uma junção de "Hor", da família Horii, e "boy", apelido de Valdemar na juventude. Ele era conhecido em Mogi das Cruzes porque o pai, Waldemar Costa Filho, foi prefeito da cidade por quatro mandatos.
Horii era conhecido como "rei do caulim". Nascido no Japão e radicado no Brasil, o empresário chegou a São Paulo para trabalhar como agricultor, mas começou a explorar esse minério na década de 1960 e se tornou um dos pioneiros da atividade no país.
Valdemar e a família Horii tiveram negócios em São Paulo e no Amazonas. Já em 1986, a Horboy Clays conseguiu licença para extrair argila em Biritiba Mirim. No ano seguinte, o grupo começou a explorar caulim em Manaus, onde o ex-deputado tem uma fazenda.
Empresa foi condenada por desmatar margens do Tietê
Em 1996, Valdemar deixou a sociedade com a família Horii e abriu a própria empresa, a VCN Mineração. A nova companhia, que começou a explorar areia e argila na região de Mogi das Cruzes em 1997, foi processada em 2002 pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo).
Segundo o MP-SP, a empresa de Valdemar praticou mineração irregular. O órgão afirma que a VCN explorou um terreno em Biritiba Mirim mesmo após o Cetesb, órgão ambiental de São Paulo, ter rejeitado o estudo de impacto ambiental para a área.
O MP-SP afirma que a VCN desmatou irregularmente uma área equivalente a 28 campos de futebol. O local, segundo a acusação, fica na APA (Área de Preservação) Várzea do Tietê, criada para proteger as matas ainda preservadas no entorno do rio, que corta o estado.
Valdemar deverá pagar uma indenização de pelo menos R$ 100 mil. Este é o valor da causa no processo em que ele foi condenado, em 2019, mas a compensação final ainda será calculada por uma perícia.
O dirigente do PL vendeu a VCN em 2008, após ser implicado no mensalão. Àquela época, ele se desfez de boa parte de seus bens no papel, transferindo a propriedade de imóveis para o nome dos filhos. A VCN, que levava as iniciais do nome do deputado, mudou o nome para JCO Mineração.
Hoje Valdemar não tem mineradoras em seu nome, mas duas empresas são ligadas a ele. Uma é a JCO e e a outra é a Dona Emília Mineração, também sediada em Biritiba Mirim. A empresa, que leva o nome da mãe de Valdemar, não está no nome do dirigente do PL, mas aparece vinculada a ele na Jucesp (Junta Comercial de São Paulo).
Sociedade com coordenador do 'Garimpo é Legal'
Valdemar é sócio do empresário Joni Motta há mais de 20 anos. Dono de uma mineradora em Apuí (AM), Joni é coordenador do MGL (Movimento Garimpo é Legal) no Amazonas. O grupo, presente em vários estados da região norte, é liderado por Rodrigo Cataratas, que é réu por garimpar na Terra Indígena Yanomami. No processo, o empresário nega.
A sociedade entre Joni Motta e Valdemar foi firmada em 2000. Naquele ano, Valdemar vendeu 75% de sua participação na Agropecuária Patauá, fundada pela família em Manaus na década de 1980, à Reflorestadora Holanda. A empresa, aberta por Jonivaldo, era a representante comercial do grupo holandês Eco Brasil BV.
A Reflorestadora Holanda foi criada para recuperar áreas degradadas na Amazônia, mas o projeto não foi adiante. O grupo Eco Brasil BV, que controlava o negócio, foi processado na Holanda por fraudar os investidores. Com isso, a subsidiária no Brasil parou de funcionar, acumulou uma dívida de R$ 5,4 milhões com a União e acabou fechada em 2015, como mostrou uma reportagem da Folha de S. Paulo.
Ao UOL, Joni Motta afirmou que não tem mais relação empresarial com Valdemar e nunca o viu pessoalmente. Segundo ele, a fazenda do ex-deputado foi apenas uma das propriedades compradas pela Reflorestadora Holanda e toda a negociação foi conduzida pelo advogado Alfredo Campolino, um amigo do dirigente do PL morto em 2011.
Sobre a ligação com o Movimento Garimpo é Legal, Joni diz que o grupo está inativo. Segundo ele, o MGL foi criado para lutar pela regularização da "mineração artesanal", mas até o momento a mobilização não avançou.
Nós percebemos que a maioria dos garimpeiros trabalhava de forma ilegal. Então a gente começou esse movimento para trazer legalidade às cooperativas de garimpo para que eles pudessem obter o licenciamento. Nós conhecemos 'cases' de mineração sustentável em Mato Grosso e queríamos trazer o mesmo para a região amazônica. Mas até hoje não nos encontramos e não teve atividade nenhuma, infelizmente
Jonivaldo Mota, coordenador do Garimpo é Legal no Amazonas