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Fim da saidinha fere Constituição e chegaria ao STF se Câmara derrubar veto

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, recomendou que Lula vetasse parcialmente a lei aprovada pelo Congresso Imagem: Pedro Ladeira - 16.ago.22/Folhapress

Do UOL, em São Paulo

14/04/2024 04h00

Embora tenha sido criada ainda no fim da ditadura militar, a saída temporária de presos segue preceitos constitucionais, segundo juristas consultados pelo UOL. Eles avaliam que, se o Congresso derrubar os vetos de Lula que permitem a "saidinha" em alguns casos, a Constituição será desrespeitada, e o STF precisará decidir.

O que aconteceu

Saidinha não está na Constituição de 1988. A saída temporária de presos é autorizada pela Lei de Execução Penal, sancionada em 1984 pelo general e então presidente João Batista Figueiredo, ainda na ditadura militar.

A medida foi criada para "atenuar o rigor da execução contínua da pena". A frase é do então ministro Ibrahim Abi-Ackel (Justiça) ao justificar a medida, cujos resultados "são sempre proveitosos quando outorgados mediante bom senso e adequada fiscalização", afirmou na época.

Saidinha segue espírito da redemocratização. "A lógica da lei não tinha muita ligação com a ditadura, mas sim com a busca pela redemocratização da época", lembra o advogado Claudio Langroiva Pereira, professor de direito penal na PUC-SP. Iniciada em 1964, a ditadura acabou em 1985, um ano depois da Lei de Execução Penal.

Para o Ministério da Justiça, proibir as saidinhas fere a Carta Magna. O ministro Ricardo Lewandowski —ex-membro do Supremo Tribunal Federal— recomendou que Lula vetasse parcialmente a lei aprovada no Congresso. Ele teme que o fim do benefício termine em rebeliões nos presídios.

A proibição de visita à família dos presos que já se encontram no regime semiaberto atenta contra valores fundamentais da Constituição: o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da individualização da pena e a obrigação que o Estado tem de proteger a família.
Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça

Alguns presos podem acabar privados de ressocialização, dizem juristas Imagem: Getty Images

Juristas concordam com Lewandowski. Especializada em direito constitucional, a advogada Vera Chemim diz que "o caso concreto de cada preso precisa ser analisado pela Justiça sob esses princípios constitucionais elencados pelo ministro".

Um dos direitos fundamentais do preso é não receber tratamento degradante, o que aconteceria se ele fosse proibido de sair da prisão mesmo se não cometeu crime violento e tem bom comportamento.
Vera Chemim, advogada constitucionalista

A Constituição prevê ressocialização, diz Eduardo Tavares, advogado especializado em direito penal e constitucional. "A Constituição prevê que a pena não terá caráter perpétuo. Ela tem finalidade de ressocialização, e o convívio familiar é necessário nesse processo", diz.

Lewandowski diz que existe matéria constitucional porque a Constituição é que trata da liberdade, da forma de punição pelo Estado, da forma de agir do Estado, o que depois é complementado pelo Código de Processo Penal e pela Lei de Execução Penal.
Eduardo Tavares, advogado constitucionalista

Langroiva Pereira, da PUC, concorda. "Lewandowski está correto, porque o sistema brasileiro é de execução e progressão de regimes visando a reintegração social", afirma. "Restringindo o direito de o preso voltar melhor à sociedade, a gente fere a dignidade humana, a individualização da pena e a capacidade de o indivíduo voltar à sociedade."

Saidinha foi criada em 1984, ainda na ditadura Imagem: Getty Images via BBC

Se for provocado, o STF deve conceder a saidinha nesses casos, diz Chemim. "Se o Congresso derrubar os vetos de Lula e um ladrão de galinha for proibido de sair, por exemplo, seu advogado pode recorrer à Justiça alegando inconstitucionalidade. Caso os juízes em diferentes instâncias neguem o benefício, o advogado poderá recorrer até chegar ao STF", diz.

Outra alternativa é que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ajuíze na Corte suprema uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. "Nas duas situações, a probabilidade de o STF conceder a saída é de 99%", afirma Chemim. "Isso pode onerar e sobrecarregar a Justiça."

Se o preso não cometeu crime violento e a autoridade judicial analisou seu caso com cuidado, ninguém deve impedi-lo de sair. Não se pode desprezar a chance de um preso se reinserir na sociedade.
Vera Chemim, constitucionalista

Quem tem direito à saidinha?

Nem todo preso tem direito ao benefício. Só tem autorização para deixar a prisão quem está em regime semiaberto e cumpriu um sexto da pena total (se for réu primário) ou um quarto dela (se reincidente). O preso também precisa ter boa conduta na cadeia, porque o juiz consulta a diretoria do presídio antes de conceder o benefício.

Lewandowski reforçou essas exigências. Quem cometeu crime hediondo ou com grave ameaça —como roubo a mão armada—, não receberá o benefício. "Nós preservamos todas as outras restrições que foram estabelecidas pelo Congresso", afirmou.

Lula manteve a saidinha em datas comemorativas e para estudar e trabalhar. Já o texto aprovado no Congresso vetou as visitas à família e a participação em atividades para retorno ao convívio social. Os parlamentares só autorizaram a saída para frequentar cursos profissionalizantes.

Apesar dos vetos, Lula assinou outros pontos da lei aprovada no Congresso. O que mais chamou atenção foi a obrigatoriedade de os presos passarem por exame criminológico antes de progredirem para o regime semiaberto —exigência para as saídas temporárias.

O exame criminológico analisa, por exemplo, o estado psiquiátrico do detento. Considerado ineficaz, ele deixou de ser exigido no Brasil em 2003 porque demorava quatro meses para ser elaborado, aumentando os gastos para o setor penitenciário.

É preciso comprovar a efetividade desse exame, diz Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas). "Fará mesmo alguma diferença? Esses exames geram um custo gigante para os estados, e nem todos têm condição de pagar", diz ele, que também é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O que acontece agora?

O Congresso tem 30 dias para decidir sobre os vetos de Lula. Esse é o prazo para que Câmara e Senado convoquem uma sessão para julgar a decisão do presidente. Para derrubar os vetos do petista, são necessários os votos de 257 dos 513 deputados e de 41 dos 81 senadores.

Até que isso aconteça, os vetos presidenciais seguem em vigor.

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