Matrícula em faculdade e busca por emprego: preso conta como viveu saidinha

Fazer matrícula em uma faculdade, procurar emprego, almoçar com familiares e sair com filhos são algumas das atividades que presos e egressos do sistema prisional relatam fazer durante o período de saída temporária. Projeto para acabar com o benefício foi aprovado pelo Senado — e voltará para a análise da Câmara.

O que aconteceu

Emerson Ramayana, 44, cumpriu pena em presídios da Bahia e de São Paulo entre 2001 e 2014. Nesse período, teve direito a oito saídas temporárias — nas quais se reaproximou da família, procurou emprego em mais de 80 estabelecimentos e se matriculou na faculdade.

Ele se matriculou no curso de direito durante a saída temporária e, assim que deixou a unidade, começou os estudos. "Corri atrás da minha faculdade, procurei bolsa de estudo, hoje sou advogado e ator", diz. "Sai de vez em julho de 2014, fiquei no livramento condicional. Em agosto, eu já estava matriculado na faculdade."

Em 2019, ele concluiu o curso de direito e um ano depois, foi aprovado no exame da OAB. "Fiz o Fies dentro do presídio e consegui 87% de bolsa", contou.

A saída temporária faz com que presos tenham expectativas de reencontrar familiares, diz o egresso. "Ficamos muito ansiosos, não tem como evitar." Emerson não costumava ver os pais com frequência — por isso, as saídas possibilitam momentos de reencontro. "Meus pais eram idosos, raramente tinham contato por cartas. Também tem a dificuldade imposta pela distância das unidades", disse.

Convívio diferente de como ocorrem as visitas. Segundo a coordenadora do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, Camila Tourinho, muitos familiares enfrentam dificuldades durante as visitas. "Os presídios ficam em locais distantes, muitas famílias não têm dinheiro", afirma. "Quando as visitas acontecem são de forma precária, nos pátios, nos raios. Já a saída temporária é a primeira oportunidade que a pessoa vai ter contato com o mundo externo."

Sair da prisão dá até um alívio na respiração. A gente começa a reparar nas cores, na prisão a gente só vê o cimento, cinza. Até hoje, quando bate um vento eu paro para sentir. Dentro da prisão não bate um vento no rosto.
Emerson Ramayana, advogado e egresso do sistema prisional

É possível perceber a importância de estar em casa, é quase um sopro para a pessoa continuar cumprindo a pena com a perspectiva de mudar de vida e seguir adiante.
Marina Dias, executiva do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa)

Quem tem direito ao benefício

Regras e autorizações determinam quem pode ter acesso ao benefício previsto em lei. Segundo a Lei de Execução Penal, têm direito ao benefício apenas presos que cumprem regime semiaberto, têm bom comportamento e já tenham cumprido uma parte da pena —1/6 no caso de condenados primários e 1/4 no de reincidentes.

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A autorização para saída passa por um juiz depois de ouvidos o Ministério Público e a Administração Penitenciária. "O juiz autoriza o benefício se for compatível com a condição do preso", diz Marina, do IDDD. "São impostas uma série de condições como a exigência do endereço em que ele vai ficar, comprovante de transporte da unidade para a casa e restrições de horário de saídas."

Dos detentos que saem, 95% retornam à prisão, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, do Ministério da Justiça. O benefício é automaticamente revogado quando o condenado pratica crime ou não atende condições impostas para sua saída.

Já há a imposição de obstáculos [para obtenção do benefício], existem controles rigorosos. Desses 5% que não voltam, há ainda alguns que voltam, mas chegam atrasados e regridem de regime.
Marina Dias, diretora-executiva do IDDD

'Pude rever meu filho e encontrar minha família'

Possibilidade de retorno gradual à família e à sociedade. A defensora pública de São Paulo, Camila Tourinho, afirma que há muitos presos que não recebem visitas. "Outros não gostam que filhos frequentem a unidade prisional. Por isso, as saídas são um direito importante", diz.

"Pude passear com meu filho e aproveitar minha família", disse Luan, que está preso em regime aberto. "Ele não me conhecia direito, nunca tinha me visitado." Em setembro de 2020, ele cumpria pena em um presídio de Guarulhos, em São Paulo, quando obteve o direito de passar alguns dias em casa pela primeira vez.

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"A gente cria expectativa de como reconstruir a vida", afirmou. Em 2022, Luan teve direito a outro período de saída temporária às vésperas do Natal. "A primeira coisa que a gente fez [com a família] foi se abraçar, teve choro e saudade."

Minha primeira saída temporária me mostrou os motivos pelos quais eu deveria mudar, me mostrou a evolução do meu filho. Nos primeiros dias, ele não conseguia identificar quem eu era. Depois, começamos a curtir mais juntos.
Luan, preso em regime aberto em São Paulo

O que pode mudar no sistema prisional

Projeto põe fim à ideia do "semiaberto". O projeto aprovado pelo Senado restringe as saídas apenas para estudos e cursos. "É como se acabasse o regime semiaberto. Em vez de discutirmos políticas que não estejam focadas exclusivamente na prisão, estamos falando de um projeto que vai trazer mais instabilidade ao sistema prisional", diz Marina.

Fortalecimento do crime organizado. Segundo Marina, a aposta em uma política criminal de encarceramento abre espaço para o crime organizado. "O crime oferece garantias para que a pessoa cumpra a pena de uma forma melhor", diz. "Mas o apoio dado pelo crime vem com uma cobrança de dívida depois, que fortalece as relações entre presos e grupos organizados."

Aumento de tensões nos presídios. "Quando uma pessoa deixa de ter a expectativa de progredir, passa a não ter estímulo para o bom comportamento, isso pode gerar um tensionamento no sistema prisional", complementa.

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Primeiro passo para a reintegração é tolhido, diz Emerson. "Vai gerar uma frustração enorme, vai criar revolta em muita gente. Todo mundo quer chegar ao semiaberto para se reintegrar à sociedade e a saída temporária é o primeiro passo."

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