Expulsa da Jovem Pan, rádio do interior de SP vira novo reduto de Bolsonaro
Uma emissora de rádio de Bauru (SP), fundada há quase 70 anos, tornou-se uma das principais plataformas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados após ter sido excluída, no ano passado, da rede de afiliadas da Jovem Pan.
O que aconteceu
A rádio Auriverde Brasil fez dez entrevistas com Bolsonaro desde setembro. Foram nove no período eleitoral, incluindo quatro lives na mesma semana, e outra na última sexta (1º), na sede do PL em Brasília. O canal da rádio no YouTube tem 2 milhões de inscritos.
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Ex-comentaristas da Jovem Pan migraram para a Auriverde. Após ter sido desligada da rede, em outubro de 2023, a emissora de Bauru contratou Rodrigo Constantino, Alexandre Garcia e Cristina Graeml (PMB), que deixou o posto no final de junho para se candidatar à Prefeitura de Curitiba.
A rádio insinuou que poderia haver fraude no 2º turno das eleições, no último domingo (27). O diretor da Auriverde, Alexandre Pittoli, fez sugestões veladas de que as urnas favoreceriam Guilherme Boulos (PSOL) contra Ricardo Nunes (MDB), em São Paulo, e chamou de "incrível" e "estranho" o andamento dos números em Curitiba, na disputa em que Graeml perdeu para o prefeito eleito Eduardo Pimentel (PSD).
Nas entrevistas, Bolsonaro ataca o governo Lula (PT), se defende de acusações e mira adversários na direita. O ex-presidente vem usando a rádio para criticar o presidente e negar que tenha tentado dar um golpe ao perder as eleições de 2022. Também tem mandado recados a oponentes, como o influenciador Pablo Marçal (PRTB), e a aliados, como o pastor Silas Malafaia e o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto.
A Auriverde dá espaço a influenciadores que são alvo do STF (Supremo Tribunal Federal). Em abril deste ano, a rádio entrevistou os jornalistas Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio, foragidos no exterior. No mesmo mês, a emissora entrevistou Paulo Figueiredo, investigado por suspeita de apoiar uma tentativa de golpe pela cúpula do governo Bolsonaro.
Diretor da emissora é próximo de Bolsonaro. O radialista já acompanhou o ex-presidente em pelo menos duas viagens ao Rio Grande do Sul, em maio e em setembro de 2024, e até na posse do presidente argentino Javier Milei, em 2023. No mês passado, Bolsonaro encontrou Pittoli em São Paulo e deu a ele uma medalha de "imbrochável, imorrível e incomível", um presente que o ex-presidente costuma entregar a aliados.
A Auriverde foi procurada, mas não quis se manifestar. O UOL pediu entrevista com Pittoli ou um posicionamento da emissora por escrito, mas tanto o diretor quanto a rádio preferiram não comentar o assunto.
Diretor disse ter sido ameaçado pela Jovem Pan
A rádio Auriverde foi fundada em 1956. Durante boa parte de sua história, a emissora teve uma programação local focada em transmissões esportivas e prestação de serviços, segundo um estudo publicado em 2013 pelo Grupo Jornalismo Popular e Alternativo, da USP. Em 2017, porém, a rádio se juntou à Jovem Pan News e migrou da frequência AM para FM.
Parceria com a Jovem Pan durou seis anos. A Auriverde entrou na rede em setembro de 2017, permaneceu afiliada durante todo o governo Bolsonaro e foi "expulsa" em outubro do ano passado, segundo Pittoli. Ao falar sobre o rompimento, no dia seguinte, o diretor disse que se juntou à Jovem Pan por alinhamento "em questões decisivas" para o país, mas que a emissora tinha ficado "politicamente entregue aos interesses que não são mais, há muito tempo, os interesses do Brasil".
Pittoli afirmou ter sido ameaçado pela diretoria da Jovem Pan. Em uma audiência no Senado, em agosto desse ano, ele disse que foi chamado para uma reunião na sede da empresa, em São Paulo, em 5 de janeiro de 2023, três dias antes dos atos em Brasília. Pittoli disse ter sido alertado que seria preso, "entre outras coisas".
Outro motivo do rompimento foi o financiamento da rádio. Ao comentar o fim da relação com a Jovem Pan, Pittoli disse que foi advertido por ter pedido doações aos ouvintes após o YouTube decidir, em novembro de 2022, desmonetizar todos os canais da Jovem Pan. "Eu tenho um áudio aqui de um diretor da rede, me ameaçando, em especial com relação às questões envolvendo o Pix, porque o objetivo era sufocar a gente", disse Pittoli um dia após o fim do contrato.
O radialista acusou a Jovem Pan de ter feito "uma espécie de acordo" para demitir comentaristas após as eleições de 2022. Pittoli afirmou aos senadores que a rádio decidiu "entregar" os jornalistas, mas não deixou claro com que autoridades esse acordo teria sido feito. Segundo ele, as demissões foram parte de uma mudança na Jovem Pan após a vitória de Lula.
A Jovem Pan cobrou retratação de Pittoli. Por meio de uma notificação extrajudicial, a emissora pediu que ele retirasse o que disse sobre um "suposto acordo da Jovem Pan com o STF para a rescisão de contratos". Segundo apurou o UOL, a defesa de Pittoli respondeu que ele se referiu à pressão que a Jovem Pan teria sofrido do Ministério Público Federal, e não do Supremo. Em junho de 2023, o MPF pediu o cancelamento das outorgas de rádio da Jovem Pan, por divulgação de desinformação no período eleitoral.
Procurada, a Jovem Pan não comentou as acusações e o rompimento com a Auriverde. Por meio de seus advogados, a emissora informou ao UOL que "não tem por hábito comentar contratos com antigas afiliadas" e que "não comenta contratos e distratos com seus comentaristas ou antigos comentaristas", devido às cláusulas de sigilo e confidencialidade.
Alexandre Garcia é vítima daquele momento, entre outros, como Augusto Nunes, Guilherme Fiuza, Rodrigo Constantino, Paulo Figueiredo. Todos esses que passaram por um momento em que a Jovem Pan decidiu, e foi uma decisão da Jovem Pan, entregar esses profissionais numa espécie de acordo.
Alexandre Pittoli, diretor da Auriverde, em audiência no Senado em 15 de agosto de 2024
Insinuações de fraude e campanha por voto impresso
A Auriverde faz campanha por voto impresso para as eleições de 2026. Pittoli e vários entrevistados têm defendido que as urnas emitam comprovante impresso para possibilitar recontagem dos votos, um pedido que foi rejeitado pelo Congresso em 2021. A rádio faz pressão para que o assunto seja pautado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara durante a presidência da deputada Caroline De Toni (PL-SC), que se vai se encerrar em fevereiro de 2025.
A emissora lançou desconfiança sobre as urnas no dia do segundo turno das eleições municipais. Com a apuração em andamento, Pittoli disse sentir um "cheiro" de favorecimento a nomes ligados ao "50", número de urna do PSOL, e "55", do PSD. A menção aos números foi feita por meio de mímicas, já que, segundo Pittoli, era preciso "pisar em ovos" e "cifrar algumas mensagens". Os comentaristas trataram o PSD como "inimigo" por liderar o "sistema", ou seja, os adversários do bolsonarismo.
A transmissão levantou suspeitas sobre o avanço dos números em Curitiba. Com 11% das urnas apuradas, Pittoli questionou o fato de que Pimentel se mantinha na faixa de 56% dos votos válidos, contra 43% de Graeml. "Incrível, hein? Abre com um percentual e não muda?", disse o radialista. O resultado na cidade foi 57,64% para o candidato do PSD e 42,36% para a rival.
Em São Paulo, a desconfiança foi motivada pela demora na apuração. Na cidade, a divulgação dos resultados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) começou às 17h27, quase meia hora após o fechamento das urnas. Pittoli disse sentir "um cheiro" em relação ao resultado.
Não houve, até hoje, nenhuma prova de fraude nas urnas eletrônicas. Desde o pleito de 2022, o UOL desmentiu uma série de notícias falsas que apontavam indícios de manipulação dos resultados eleitorais.