Extrema direita está recrutando para novos ataques, diz antropóloga
Para a antropóloga Isabela Kalil, pesquisadora do Observatório da Extrema Direita, o atentado com explosões na praça dos Três Poderes não é um fato isolado e está estritamente conectado o 8 de Janeiro. A pesquisadora integra o grupo de trabalho criado pelo governo que discute o combate a discursos de ódio e extremismos.
Para ela, o governo precisa dar respostas certeiras aos ataques motivados por discursos de ódio e instigados pela extrema direita. Caso contrário, atentados semelhantes voltarão a ocorrer.
"Não é um lobo solitário", diz a especialista. A extrema direita estaria, segundo ela, recrutando cada vez mais pessoas, sobretudo homens e até mesmo crianças. "A parte do recrutamento começa muito cedo."
Grupos extremistas são inofensivos à primeira vista
A especialista explica que o incentivo da extrema direita a ataques como o que aconteceu na praça dos Três Poderes começa em ambiente virtual. "Mas não se dá apenas pela internet. Agora temos eventos, mobilizações de massa, como manifestações. É mais complexo", diz.
Crianças de 10 anos já estão nessas comunidades de ódio. Em camadas iniciais de recrutamento, essas pessoas não sabem que parte do grupo exerce ataques motivados por ódio a determinados grupos sociais. Há uma espécie de contentamento em ver ataques violentos contra esses grupos. São grupos misóginos, que pregam o ódio às mulheres, compartilham imagens de crimes, inclusive de morte de mulheres. Outro tipo de grupo que é muito comum é os de supremacistas brancos.
Isabela Kalil, pesquisadora do Observatório da Extrema Direita
Recrutamentos para novos ataques já estão acontecendo
De acordo com a pesquisadora, esses grupos aprimoraram a maneira de recrutar homens, principalmente. Kalil nota que estratégias foram calculadas para que eles ressignifiquem as próprias existências a partir da noção de pertencimento aos grupos extremistas.
A pessoa entra em contato com um determinado grupo, onde é exposta a conteúdos também extremistas. À medida que essas pessoas participam de grupos cada vez mais restritos, um integrante que não era violento, tinha uma vida pacata, de repente se envolve em atos tão extremos. No caso das crianças, esse recrutamento pode ser feito por vídeos de heróis, pela cultura pop, entretenimento, música e até mesmo por grupos que debatem videogames. Ninguém diz 'vai lá e solta uma bomba', mas fiz 'assista esse vídeo', 'participe de tal canal'. Esse recrutamento é passivo.
Isabela diz que, então, essa pessoa se tornará membro daquela comunidade, buscando mais conteúdos sobre aquilo. "Passa a ter sendo de pertencimento com aquele grupo, e vincular o seu propósito de vida com esse perntecimento", explica. "No caso de anteontem [das bombas na praça dos Três Poderes], me chamou bastante atenção que ele estava com uma vestimenta. Ele se produziu para ser visto e fotografado. Essas pessoas se vestem para prestar contas para a sua comunidade. Ele está ali para dizer 'eu fiz'."
'Não existe lobo solitário'
Isabela acredita que, mesmo essas pessoas façam ataques isolados, elas fazem parte da mesma comunidade de ódio, ou da mesma comunidade extremista. "A ideia de lobo solitário, de alguém que não participa de uma comunidade ou agenda específica e acaba tomando uma atitude totalmente individual, foi usada para explicar determinados atentados e dizer serem casos isolados", diz. Mas, segundo ela, há um padrão.
Existe repetição, como nas escolas, que o mês de abril é geralmente escolhido e é um período crítico, porque é quando acontece o aniversário de Hitler. Alguns atos parecem inofensivos, mas foram preparatórios para o 8/1. Depois o próprio oito de janeiro e agora essas explosões, que são como uma performance do 8/1. As motociatas são alguns desses atos preparatórios onde circulam mensagens disruptivas, falas como a do Bolsonaro dizendo que não aceitaria decisões judiciais ou não usaria máscara - não são falas normais. Ele está ali comunicando que não respeita decisões judiciais, sendo chefe de estado.
Extremistas não estão preocupados com punições
Os extremistas não acreditam no Estado. Assim, por romperem também com a Justiça, quando decidem por atos violentos como as explosões na praça dos Três Poderes, não estão preocupados com punições — o que é mais um desafio para o governo.
As pessoas são punidas pelo que elas fazem, mas muitos desses atos violentos resultam na morte dessas pessoas. Elas não estão mais preocupadas se vão para a prisão ou algo do tipo. A camada que precisa ser debatida é a prevenção. A gente só consegue prevenir se a pessoa ainda estiver sendo recrutada. A partir daí fica muito complicado.
Isabela afirma que, dentro desses recrutamentos, é mais comum a presença de homens. Eles geralmente estão em muitos grupos diferentes. Misóginos, de golpe de estado, comunidades que se mantêm presentes em diferentes plataformas. Por exemplo: uma comunidade contra o STF é algo comum e bem amplo. "No caso brasileiro, a extrema direita tem repulsa com a constituição de 88. A extrema direita adota como alvo a constituição de 88 e, inclusive, as instituições", afirma.
Governo precisa estar preparado para novos ataques
Questionada sobre a probabilidade de novos ataques ao Estado brasileiro, Kalil diz que "infelizmente, tende a ser uma preocupação": "Se houver uma resposta de prevenção, os ataques tendem a diminuir. Precisamos investir em inteligência e prevenção, para que esses ataques estejam sob controle."
Teremos novos ataques à praça dos Três poderes? Depende da resposta que vamos dar a esses ataques. O atentado de anteontem tem duas consequências: o efeito de repetição, de outras pessoas quererem fazer coisas parecidas, e o de contágio. Se alguém achava que o oito de janeiro era uma coisa isolada, foi um equívoco. O risco está aumentando.