PF vê 'papel central' de deputado em esquema de emendas e compra de votos
Do UOL, em Brasília
29/12/2024 05h30Atualizada em 29/12/2024 10h25
Investigação da Polícia Federal aponta que o deputado federal Júnior Mano (PSB-CE) teve "papel central" num esquema de manipulação de eleições municipais em 51 cidades no Ceará por meio de compra de votos além de participação em desvios de recursos oriundos de emendas parlamentares, mostram documentos obtidos pelo UOL. Ele nega as acusações.
O que aconteceu
Amigo de Júnior Mano é apontado como líder de organização criminosa. A PF conclui a investigação de um inquérito em relação às operações "Mercato Clausu" e "Vis Occulta" no dia 18 de dezembro. Inicialmente, a corporação apontou que um amigo do parlamentar —o prefeito eleito de Choró (CE), a 180 km de Fortaleza, Carlos Aberto Queiroz Pereira (PSB), o Bebeto do Choró ou Bebeto Queiroz— seria o líder uma organização criminosa de compra de votos e lavagem de dinheiro a partir de contratos de prefeituras do estado com empresas de fachada.
Bebeto do Choró é foragido da Justiça. Ele foi preso em uma operação do Ministério Público do Ceará em novembro, foi solto dez dias depois, teve nova ordem de prisão decretada em dezembro e, agora, é considerado foragido. Ele foi diplomado por meio de uma procuração nas mãos de seu filho. Sua posse como prefeito de Choró está marcada para o dia 1º de janeiro. Caso não compareça, o vice exercerá o cargo temporariamente, mas a chapa é alvo de pedido de cassação.
Segundo a PF, a investigação mostrou que Júnior Mano também participou do esquema de Bebeto. "A autoridade policial apresentou relatório indicando também a participação do deputado federal Junior Mano (...), o qual exercia papel central na manipulação dos pleitos eleitorais, tanto por meio da compra de votos, quanto pelo direcionamento de recursos públicos desviados de empresas controladas pelo grupo criminoso", escreveu Flávio Vinícius Bastos, juiz da 3ª Zona Eleitoral de Fortaleza.
Parte dos recursos seria desviada de emendas, aponta a PF. "Ademais, apontou indícios de que o deputado estaria diretamente envolvido no desvio de recursos oriundos de emendas parlamentares, utilizados para alimentar o esquema e consolidar sua base de apoio político", continuou o juiz em decisão de 19 de dezembro.
O deputado nega irregularidades. Júnior Mano disse à reportagem que "é vítima do uso indevido de seu nome e confia plenamente nos poderes constituídos para o reconhecimento de sua total inocência" (leia mais abaixo).
Emendas de Júnior Mano não precisam apresentar plano prévio. Levantamento do UOL mostra que quase a metade (45%) das emendas individuais do deputado, entre 2021 e 2024, foi na modalidade de transferências especiais, chamada de "emenda Pix", quando não há necessidade de apresentação de um plano de trabalho prévio. Foram R$ 47 milhões dessa maneira, num total de R$ 104 milhões em emendas, de acordo com o Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento (Siop).
Emendas viraram disputa entre STF e Congresso. As emendas parlamentares e operações anticorrupção da PF estão no foco da disputa entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso pela falta de transparência e rastreabilidade das verbas, muitas vezes ocultando seus "padrinhos".
Caso de Júnior Mano subiu para o STF. Como parlamentares têm foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal, o magistrado do caso disse que ele não poderia julgar o processo e remeteu toda a investigação para Brasília. No STF, o inquérito e um recurso de Bebeto foram distribuídos ao gabinete do ministro Gilmar Mendes. Na segunda-feira (23), ele ordenou que a Procuradoria-Geral da República se manifestasse no caso. A papelada do inquérito foi enviada na sexta-feira (27).
Prefeita diz que deputado atuava em lavagem
Prefeita diz que Júnior Mano lavava dinheiro das emendas parlamentares. Em 26 de setembro, a prefeita de Canindé (CE), cidade a 110 km de Fortaleza, Maria do Rosário Ximenes (Republicanos), prestou depoimento no Ministério Público Eleitoral. Ela afirmou que Bebeto teria mais de R$ 58 milhões para "gastar nas eleições" da região. Ela disse que parte da origem desse dinheiro era das emendas, que eram lavadas por Bebeto em troca de uma porcentagem. Os dois atuavam conjuntamente com essa lavagem de dinheiro em 51 municípios da região, segundo o Ministério Público Eleitoral. O depoimento faz parte da investigação da PF e de outros processos abertos pela promotoria.
Bebeto e o deputado Júnior Mano chamam um ao outro de "amigo" e "irmão". Em 19 de novembro, dias antes de ter sua prisão decretada na operação "Ad Manus", o prefeito eleito Bebeto esteve em Brasília, quando se encontrou com autoridades, como o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), e o deputado. Com o parlamentar, Bebeto recebeu uma série de elogios de Júnior Mano, como é possível ver no registro feito em rede sociais abaixo:
Bebeto do Choró continua foragido. A advogada dele, Luanna de Freitas, disse ao UOL que entrou com habeas corpus no STF para que o prefeito eleito tome posse em 1º de janeiro. Ela não comentou o conteúdo das suspeitas apontadas pela polícia.