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General Heleno começa 2025 pressionado por PF, 8/1 e colega preso

General Augusto Heleno durante CPI do 8 de Janeiro no ano passado Imagem: Ton Molina /Fotoarena/Folhapress

Do UOL, em São Paulo

07/01/2025 05h30

A prisão do general Braga Netto, vice na chapa de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência em 2022, pressiona outro personagem de alta patente militar: o general quatro estrelas Augusto Heleno, ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) durante o governo Bolsonaro. Ele é um dos 27 militares investigados no inquérito sobre o golpe.

O que aconteceu

Indiciamento de alta cúpula militar já havia sido inédito. A prisão de Braga Netto, no dia 14 de dezembro, também foi vista por especialistas como uma sinalização de que outros militares podem ser presos no inquérito da tentativa de golpe. Estudiosos no assunto ouvidos pelo UOL afirmam que "Heleno não deve escapar" de uma punição.

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Aniversário do 8 de Janeiro é outro fator de pressão. Bolsonaristas têm se mantido calados nessa data, enquanto o governo Lula propõe fazer uma homenagem à democracia. Durante a CPI no Congresso, no ano passado, ele também foi um dos indiciados no relatório final aprovado.

Significado de derrota para as Forças Armadas. Uma eventual prisão de Heleno, com uma biografia de excelência no Exército, impactaria muito a caserna. Para Guilherme Lemos de Souza, que estuda a vida de Augusto Heleno na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e é especialista em Exército Brasileiro, seria "mais significativa do que a de Braga Netto politicamente e internamente para as Forças Armadas". "Ele sempre foi considerado uma liderança."

Topo de rankings demonstra prestígio interno de Heleno. O general de 77 anos sempre ocupou o primeiro lugar nas escolas de formação do Exército: na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), na ESAO (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais), onde obteve a patente de capitão, e na Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior), onde obteve a patente de coronel, fazendo dele um tríplice coroado.

É um feito relativamente raro até mesmo entre os mais respeitados militares do Brasil. No governo Bolsonaro, por exemplo, é inquestionável que o mais prestigiado era o general Heleno.
Guilherme Lemos de Souza, pesquisador que estuda a vida de Augusto Heleno na UFSCar

'Herdeiro' de Sylvio Frota. Parte de seu prestígio vem da ligação com o antigo ministro do Exército Sylvio Frota. Heleno foi ajudante de ordens do general, durante o governo de Ernesto Geisel (1974-77), um dos períodos mais sangrentos da ditadura militar. Frota participou ativamente do golpe militar de 1964. Chamado de "linha dura" e "anticomunista", montou um grupo que refutava a abertura democrática do Brasil. Heleno era um dos integrantes.

Generais Augusto Heleno e Braga Netto, indiciados por tentativa de golpe Imagem: Fátima Meira/Enquadrar/Estadão Conteúdo

O envolvimento de Heleno no golpe segundo a PF

'Cabeças' do golpe. Ambos generais de quatro estrelas, cargo hierárquico mais alto do Exército, Heleno e Braga Netto são suspeitos liderarem o grupo golpista. Eles chefiariam o gabinete de crise a ser instalado depois da intervenção militar.

Agenda encontrada na casa do ex-GSI tem estratégias para o golpe. Ela foi apreendida durante Operação Tempus Veritatis, deflagrada pela PF em fevereiro. Entre as anotações de Augusto Heleno, consta um plano de descredibilização das urnas eletrônicas. "É válido continuar a criticar a urna eletrônica", escreveu ele. Segundo a PF, o general era o responsável por um plano de disseminar ataques ao sistema eletrônico de votação.

Espionagem de opositores. Para a PF, esse documento também revelaria o uso da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para a espionagem de petistas. A Abin era subordinada ao GSI, sob seu comando.

Anotações revelam plano para coagir a PF. O esforço seria para não cumprir ordens do Judiciário contra o grupo político de Bolsonaro e apoiadores. A medida previa punir autoridades policiais por crime de abuso de autoridade e até prisão em flagrante. A mesma tática foi usada para intimidar investigadores em inquéritos contra Bolsonaro.

Imagem: Arte/UOL

A AGU (Advogacia-Geral da União) assumiria o papel de dizer se ordens judiciais eram ou não constitucionais. "A organização criminosa estava elaborando estudos para de alguma forma tentar coagir integrantes dos sistemas de persecução penal para que as investigações contra seus integrantes fossem cessadas", aponta relatório da PF.

Parte do núcleo de inteligência paralela. Heleno, o tenente-coronel Mauro Cid e o coronel da reserva Marcelo Câmera seriam membros do núcleo de inteligência paralela que municiou Bolsonaro a tomar decisões para a "consumação do golpe de Estado". Esse grupo teria monitorado o itinerário e deslocamento do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), "com objetivo de capturar e deter nas primeiras horas após a assinatura de decreto de golpe de Estado".

Heleno era uma peça-chave na articulação, já que ele era o GSI, que é esse órgão de inteligência e articulação da Presidência. Por isso as implicações contra ele são tão graves e até mais graves do que as contra Braga Netto.
Mariana Janot, especialista em relações civis-militares e doutora pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas

PF indiciou 27 militares. Segundo o relatório apresentado ao STF (Supremo Tribunal Federal), eles são suspeitos de cometer os crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. Cabe à Procuradoria-Geral da República analisar toda a documentação enviada pela PF e decidir se denuncia ou não os suspeitos.

Heleno não se manifestou desde o indiciamento. Procurada à época, a defesa do general disse que não comentaria os fatos. Em ocasiões anteriores, ele sempre negou a tentativa de golpe ou uso ilegal da Abin.

Defensor de medidas extremas

General defendeu massacre no Araguaia. Em uma fala em março de 2018, em um evento na Escola Superior de Guerra, no Rio, ele relembrou momentos da ditadura militar. "Estamos na beira do abismo, não dá tempo! Quando se instalar isso tudo, estaremos num 'narco país'", afirmou o general. "A Colômbia durou 50 anos de guerra civil, porque não fizeram por lá o que nós fizemos no Araguaia."

Teve morte no Araguaia? Teve! Foi o que livrou o país de levar 50 anos brigando contra organizações terroristas. Essa história um dia vai ser contada. É um dos poucos casos do mundo onde os vencidos contaram a história. Um dia ela vai ser contada pelos vencedores.
General Augusto Heleno, sobre o massacre durante a ditadura

Exército matou 76 pessoas no Araguaia. A perseguição à esquerda armada foi a mais sangrenta durante a ditadura militar, acabando com 76 pessoas mortas na região do rio Araguaia, divisa entre os atuais estados de Maranhão, Pará e Tocantins. Entre os mortos, 59 eram integrantes do PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e 17 eram moradores da região.

Heleno também se posicionou contra demarcação de terras indígenas. À frente do Comando Militar da Amazônia entre setembro de 2007 e abril de 2009, criticou duramente a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol —maior demarcação em área contínua do mundo, que abriga 15 mil indígenas das etnias macuxi, wapichana, ingarikó e taurepang. "Lamentável, para não dizer caótica", disse o general.

6.fev.2004 - Augusto Heleno (ao centro), comandante da Minustah, em Porto Príncipe Imagem: Evan Schneider/Nações Unidas

Fama na intervenção militar no Haiti. Ele foi o primeiro comandante da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti), que matou mais de 2.000 pessoas no país. A princípio, tinha previsão de durar seis meses, desde setembro de 2004, mas levou 13 anos para deixar o Haiti.

"Ele era fonte de grandes jornais do país", diz o especialista Lemos de Souza. O estudioso das Forças Armadas estudou a infância e o início da carreira do general. Entre 2002 e 2004, ele assumiu o Centro de Comunicação do Exército. Segundo ele, esse momento foi uma virada de chave para que Heleno alavancasse a sua presença na mídia e conquistasse poder na política. Ele era quem recepcionava os jornalistas brasileiros e a imprensa no Haiti, além de mandar vídeos para a TV Globo.

Operação liderada por Heleno no Haiti teve mais de 22 mil tiros. Em 2005, durante a operação "Punho de Ferro", Heleno liderou uma luta armada que durou sete horas. As tropas efetuaram mais de 22 mil disparos em Cité Soleil, um bairro pobre da capital do país caribenho. "Foi uma situação de massacre", diz a doutora em relações internacionais Mariana Janot.

Uma marca da carreira dele é essa mistura das posições de prestígio no relacionamento com a elite política e jornalística. Ele é produto de uma cultura que pouco pune os generais do Exército. Basta o cargo para que não se possa puni-los.
Guilherme Lemos de Souza, especialista em Exército Brasileiro

A missão no Haiti foi considerada "modelo" para as demais. "O efeito da missão é importante para compreender o modelo de outras operações, como a intervenção no Rio de Janeiro. Após ser considerada uma operação bem-sucedida por seus pares, o mesmo modelo foi replicado", explica Lemos de Souza. "O general Heleno utilizava esses 'ensinamentos' aprendidos no Haiti contra as facções criminosas." Mesmo atuando indiretamente na intervenção, é considerado um dos "pensadores" desse modelo de pacificação.

Heleno assumiu o comando da Minustah logo no início da operação, quando aconteceram ações muito semelhantes às que ocorrem nas favelas e periferias do Rio de Janeiro e no Brasil. Operações de policiamento robusto que são muito voltadas para um combate ostensivo com um objetivo bem delineado de enfrentamento.
Mariana Janot, especialista em relações civis-militares

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