'Ela tirou eleição da gente': como a relação de Zambelli e Bolsonaro ruiu
Giovanna Arruda
Colaboração para o UOL*
25/03/2025 11h29
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) culpou a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) pela derrota nas eleições presidenciais de 2022. A relação dos dois, que um dia havia sido de proximidade e apoio político, sofreu uma reviravolta nos últimos anos, especialmente após o último pleito presidencial.
Da amizade ao rompimento
Carla Zambelli era uma das maiores entusiastas do governo Bolsonaro. Uma das principais defensoras do presidente, ela se destacou pela postura fervorosa tanto nas redes sociais quanto no Congresso. Carla, que se autodenomina "conservadora" em seu perfil no Instagram, teve papel relevante em pautas como, por exemplo, a flexibilização do porte de armas e as discussões antiaborto, além de defender os valores da "família tradicional".
A relação com os colegas de partido, no entanto, passou a colecionar atritos. Criticada pelo núcleo militar do governo, Carla acabou perdendo o posto de vice-líder na Câmara, destituída por Bolsonaro, que na ocasião optou por se aproximar de deputados do centrão.
Na campanha para as eleições presidenciais de 2022, Carla Zambelli apoiou Bolsonaro abertamente. A deputada participou de lives com o então candidato à reeleição e compareceu a motociatas organizadas pela equipe do PL. Em contrapartida, Bolsonaro chegou a cogitar apoiar Carla para o Senado, por São Paulo. No entanto, Bolsonaro acabou declarando apoio ao astronauta Marcos Pontes, eleito para o cargo.
Mesmo sem o apadrinhamento de Bolsonaro, Carla seguiu defendendo-o. Após a derrota de 2022, a deputada chegou a abordar o ex-comandante da Aeronáutica Carlos Batista Júnior e o general Paulo Sérgio de Oliveira, então Ministro da Defesa, solicitando que "não deixassem Bolsonaro na mão". Por meio de sua defesa, Carla declarou à época que "não se recordava do fato" descrito por Batista Júnior em depoimento à Polícia Federal.
Em 2023, com a relação já abalada, a deputada criticou a postura de Bolsonaro após a derrota para Lula. "Discordo da maneira que ele levou aquele tempo todo [para se manifestas após as eleições] e o silêncio que teve", disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
Carla fez, ainda, um aceno político ao STF e ao ministro Alexandre de Moraes, alvo constante de críticas por parte dos bolsonaristas. "Agora não é hora de bater no STF, não é hora de fazer manifestação", declarou. Já à emissora CNN, Carla revelou que não defendia mais o impeachment de Moraes.
Bolsonaro revelou que as falas de Carla haviam sido uma traição contra ele. Estas conversas foram com aliados próximos.
Em 2023, ele declarou: "Não falo e não atendo mais ligações". Segundo Bolsonaro, eles deixaram de se falar ainda em 2022.
Carla também mantinha uma relação próxima com a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. No final de 2020, Michelle compareceu ao casamento de Carla, que aconteceu em um templo maçônico; o então presidente não foi à cerimônia. Em suas redes sociais, Carla Zambelli segue elogiando Michelle.
Nesta semana, a deputada parabenizou Michelle pelo aniversário, chamando-a de "forte", "corajosa" e "querida".
O que aconteceu
Bolsonaro atribuiu a Carla os resultados negativos para o PL em 2022. "Ela tirou o mandato da gente", declarou em participação no podcast Inteligência Ltda. À época, o ex-presidente foi derrotado nas urnas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Para Bolsonaro, o episódio em que Carla sacou uma arma e perseguiu um apoiador de Lula teve um papel fundamental na eleição. Às vésperas do segundo turno, Carla foi filmada atravessando a rua com uma pistola em punho perseguindo o jornalista Luan Araújo. Para fugir, o homem entrou em um restaurante. A deputada também entrou no estabelecimento e, ainda empunhando a arma, mandou Araújo deitar no chão.
O episódio teve repercussão negativa para Bolsonaro. O ex-presidente perdeu para Lula por uma diferença de pouco mais de 2 milhões de votos e, na avaliação de aliados à época, o caso custou apoios que poderiam ter mudado o resultado das urnas. Desde então, Carla tem sido isolada dentro do próprio partido.
Aquela imagem, da forma com que foi usada, a Carla Zambelli perseguindo o cara. Aquilo teve gente falando: 'olha, o Bolsonaro defende o armamento'. Mesmo quem não votou no Lula, anulou o voto. A gente perdeu. São Paulo estava bem, né? Jair Bolsonaro
Carla Zambelli está sendo julgada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo episódio. A parlamentar é ré por porte ilegal de arma e constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo. Os ministros formaram maioria para condená-la a 5 anos e 3 meses de prisão por conta da perseguição, em julgamento que deve ser retomado após a análise da denúncia contra Bolsonaro por parte do STF.
Além da pena de prisão, relator do caso Gilmar Mendes votou pela perda do mandato da deputada. No entanto, caso seja condenada, Carla só será destituída do cargo quando seus recursos se esgotarem. No final de janeiro, ela teve o mandato cassado pelo TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) por divulgar vídeos questionando o resultado das eleições de 2022, mas o caso ainda precisa ser julgado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
STF começa julgamento de denúncia contra Bolsonaro
A Primeira Turma do STF analisa hoje e amanhã denúncia apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República). Oito pessoas são acusadas de envolvimento em uma suposta tentativa de golpe de Estado. A decisão ficará a cargo dos cinco ministros que compõem a Primeira Turma: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux. Caso a denúncia seja aceita, será aberto um processo penal, em que testemunhas e defesas terão direito a se manifestar Você pode acompanhar a cobertura ao vivo do UOL.
A apreciação dos ministros diz respeito apenas ao chamado 'núcleo 1' da denúncia. Além de Jair Bolsonaro, fazem parte do grupo; Alexandre Ramagem, deputado federal (PL-RJ) e ex-presidente da Abin; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro do GSI; Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e general da reserva; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; e Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército.
O grupo é acusado de cinco crimes. São eles: organização criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Se condenados, a pena máxima somada pode chegar a 46 anos de prisão.
*Com informações do Estadão Conteúdo