Aos oito anos, Ághata Vitória Félix foi atingida por um tiro de fuzil pelas costas, quando voltava para casa com a mãe, no Complexo do Alemão, no sábado passado (21). A versão oficial da Polícia Militar diz que havia um tiroteio entre os agentes e bandidos, enquanto a família é taxativa: havia somente policiais no local e foram, no máximo, dois disparos feitos.
A partir daí, o que se seguiu nas redes sociais e até nas ruas foi um amplo debate sobre a política de segurança do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e a ação de suas polícias. Com o maior índice de "mortes decorrentes de intervenção policial" desde 1998, já foram 1.249 pessoas assassinadas por agentes de segurança do Estado, uma média de cinco mortes a cada dia. Ághata e as outras quatro crianças mortas em 2019 deveriam, de acordo com suas famílias, integrar essa estatística: a PM é apontada como autora em todos os casos.
O excludente de ilicitude, que estava na iminência de ser votado em Brasília com o projeto de lei anticrime de Sérgio Moro, também entrou no debate. Rodrigo Maia (DEM) e o próprio ministro da Justiça trocaram farpas nas redes sociais: enquanto um defendia o debate sobre as brechas que a aprovação poderia abrir, outro afirmava que casos como o de Ághata nada tinham a ver com o que ele propunha.
À morte de Ághata, seguiu-se uma nota do governo do Rio de Janeiro: "O governo do estado lamenta profundamente a morte da menina Agatha, assim como a de todas as vítimas inocentes, durante ações policiais. A Polícia Militar do Rio de Janeiro abriu um procedimento para apurar a ação dos policiais no Complexo do Alemão. Na noite de sexta, criminosos realizaram ataques simultâneos em diversas localidades do Complexo do Alemão. Policiais da UPP Fazendinha revidaram à agressão e, após confronto, foram informados por moradores que a menina tinha sido atingida e levada para o Hospital Getúlio Vargas".
O avô de Ághata, Aílton Félix, já havia antecipado a resposta ao governo no dia seguinte à morte:
Vai chegar amanhã e dizer que morreu uma criança no confronto. Que confronto? Confronto com quem? Porque não tinha ninguém, não tinha ninguém. Ele atirou por atirar na Kombi. Atirou na Kombi e matou minha neta. Isso é confronto? A minha neta estava armada por acaso para poder levar um tiro?"
A família não aceitou ajuda do governo para as despesas do enterro da menina.
Em entrevista ao programa Encontro com Fátima Bernardes, o pai de Ághata, Adegilson Félix, implorou:
Governador, mude essa sua política de atirar"
Adegilson teme que mortes como a de sua família ainda poderiam acontecer muitas vezes.