Em rota de colisão

Articulador do PSL na Câmara, Alexandre Frota se diz decepcionado com Bolsonaro como presidente

Bernardo Barbosa Do UOL, em São Paulo Denis Armelini/UOL

O deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP) ainda mantém em seu escritório paulista uma foto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que ocupa uma parede, mas não esconde sua decepção com o governante que ajudou a eleger e, segundo ele, já não trata com "carinho" os aliados mais antigos.

Em entrevista ao UOL gravada na sexta (7), o deputado federal pelo PSL paulista afirmou que gosta "demais do Jair Bolsonaro" --a quem ainda chama pelo primeiro nome--, mas tem tido "muitas divergências" com o presidente.

Um dos principais articuladores do PSL na Câmara, Frota reclamou do que vê como falta de prestígio do partido junto ao presidente, como a dificuldade de conseguir levar demandas ao Planalto enquanto nomes de outras legendas ocupam cargos-chaves.

O deputado também não tem economizado nas críticas públicas ao governo e a colegas de partido, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Eduardo assumiu o comando do PSL paulista na segunda (10), e Frota promete judicializar a questão.

"Eu estou em rota de colisão pelo que eu acho certo", diz.

"Gosto muito de Bolsonaro, mas tenho me decepcionado"

Michel Jesus/ Câmara dos Deputados

Governo difícil de defender

Um dia antes da entrevista ao UOL, Frota subiu ao púlpito do plenário da Câmara para dizer que estava difícil defender o governo Bolsonaro.

Todos os dias tem sido muito difícil defender o governo Bolsonaro aqui. Muitas vezes, parece que o Poder Executivo não tem agenda própria, que está ouvindo demais um senhor chamado Olavo de Carvalho, um sujeito ralé, charlatão, que não é astrólogo nem professor. Parece-me às vezes que ele interfere e faz um governo paralelo. Eu votei no Bolsonaro, eu não votei no Olavo de Carvalho. Mas ninguém sobe aqui para falar isso. Então subo eu.

Para o deputado, o governo precisa "ter mais carinho com aqueles que lutam" por suas agendas.

"Na prática, seria atender os deputados, uma demanda, uma reunião. Muitas vezes eu já intercedi por colegas que querem falar ou com o presidente, ou com o chefe da Casa Civil, ou com algum ministro, e fica difícil. Não tem agenda, não tem hora, não tem tempo", afirma.

Segundo Frota, "o PSL, com toda a certeza, foi o partido menos prestigiado pelo governo Bolsonaro desde a transição". Ele conta que deputados do partido reclamam de não serem convidados para eventos do governo federal em seus estados, enquanto parlamentares de outras legendas são.

"Parece hoje que o partido do Bolsonaro é o DEM"

Denis Armelini/UOL

Reconhecimento aos "soldados"

Vice-líder do PSL na Câmara, Frota também coloca a dificuldade em formar uma ampla base governista na conta da falta de atenção com os próprios aliados.

"Quando vocês da imprensa falam 'o governo Bolsonaro não tem base'... Não tem base. E não tem porque não se construiu essa base. A gente muitas vezes é o partido do presidente quando interessa a eles. 'Olha aí, Frota, orienta assim, o governo tá pedindo.' Mas, quando vem um deputado para me falar: 'Fiquei três horas na porta do Bolsonaro e não fui recebido', o que eu vou falar para esse parlamentar?"

Frota também questiona o que considera uma falta de reconhecimento de Bolsonaro, depois de assumir a Presidência, a quem o ajudou a chegar lá. O deputado não nega que surfou na "onda Bolsonaro", mas afirma que o presidente incorporou um pensamento da "turma do Olavo de Carvalho" de que os deputados do PSL devem seus mandatos a Bolsonaro e devem se conformar com isso.

"Quando o Bolsonaro era a comédia, o desacreditado, o machista, quem estava lá embaixo brigando por ele éramos nós. Nós também ajudamos a eleger Jair Bolsonaro", diz. "A gente brigou muito, saiu na porrada. E até hoje eu estou lá defendendo ele, ainda que eu tenha divergências com ele."

O reconhecimento deveria se estender, para Frota, aos soldados "feridos" de Bolsonaro. Entre eles, o ex-senador Magno Malta e o ex-ministro Gustavo Bebianno, braço direito de Bolsonaro na campanha eleitoral e depois demitido por suspeita de envolvimento no escândalo dos "laranjas" do PSL.

"Bolsonaro várias vezes falou para mim, falou para vários outros: soldado meu que é ferido na guerra não fica para trás. Todos ficaram", diz. "Não me interessa aqui o que o Bebianno fez, mas Bolsonaro tem que ter o reconhecimento pelo que o Bebianno fez."

Perguntado sobre qual seria a solução para as dificuldades na relação entre Bolsonaro e o próprio partido, Frota diz que isso cabe ao presidente.

"Quando o Olavo de Carvalho chama de pilantra, chama de merda, como ele chamou o Santos Cruz, eu subo lá e defendo o Santos Cruz. Mas quem tinha que pegar o celular e ligar pro Olavo de Carvalho, dar um esporro e fazer o Olavo de Carvalho calar a boca dele, é o Bolsonaro."

"Quero ficar no PSL, mas não sou otário"

Zanone Fraissat/Folhapress

Curto-circuito no PSL

As brigas dentro do PSL, frequentemente noticiadas desde o começo do mandato de Bolsonaro, têm a ver com a dificuldade na relação da bancada com o governo, diz Frota. Mas o deputado também aponta outras razões para o clima de "racha" interno.

"Tem a ver com o fato de serem muitos deputados jovens e muitos deputados de primeiro mandato, como eu. Tem muitos ali com personalidade bem forte, como eu, como Joice [Hasselmann], como o delegado Valdir, o Carlos Jordy. São pessoas de opinião muito forte, e você acaba, às vezes, entrando em curto-circuito, dando choque."

Frota reconhece que, "muitas vezes, está cada um por si" no PSL, mas diz também que o partido está melhorando sua organização na Câmara. "A gente está engatinhando ali dentro. A esquerda, você tem que lembrar que o mais bobo ali tem quatro mandatos."

O deputado também tem as suas brigas dentro do partido. Ele quer que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, deixe o comando do diretório paulista do partido, cargo que assumiu na segunda.

Segundo o estatuto do partido, o filiado que faltar sem justificativa a cinco reuniões sucessivas da Executiva Estadual perde suas funções no órgão -- o que é o caso de Eduardo, afirma Frota.

Frota diz também que os deputados federais foram "preteridos" da gestão de Eduardo e que seu objetivo é "compor" --ou seja, formar uma direção com indicados pelos diversos grupos do partido.

"Eu não estou disputando controle, nem nada. Muito pelo contrário. Falei para o Eduardo: se ele fosse o presidente e deixasse o [deputado federal] Júnior Bozzella de vice-presidente, eu seria o primeiro a ir bater palma para ele no dia da posse", afirma. "Acho que era tudo o que não precisava nesse momento, entende? Não sou eu que sou o intransigente da parada."

Frota não foi à posse de Eduardo, em São Paulo. Dias antes, ele pediu à Executiva Nacional do PSL que o filho de Bolsonaro seja afastado do cargo.

Na cerimônia, o filho do presidente afirmou que "não será um ditador". "Estamos em um momento de união, para fazer um partido de direita, conservador e liberal de verdade na economia. (...) Vamos dar um cara a esse partido, muito mais Bolsonaro, muito mais de direita, muito mais conservador", disse Eduardo.

Denis Armelini/UOL

"Tem gente vendendo diretório"

Ao falar sobre o comando do partido em São Paulo, Frota disse que seu questionamento não tem relação com o domínio sobre diretórios municipais rumo à eleição do ano que vem. O deputado aproveitou o assunto para fazer uma denúncia.

"Eu não quero diretório, eu não preciso de diretório. E tem muita gente já vendendo diretório, o cara recebe o diretório e ainda recebe mais um dinheiro para não sair com candidato do PSL em determinada cidade", diz. "Eu não vou te falar quem, nem vou te falar a cidade."

Procurado pelo UOL na segunda (10), o presidente do PSL, deputado federal Luciano Bivar, disse desconhecer tal situação.

"É inadmissível e inaceitável constituir diretório em troca de apoio ou vantagem. Qualquer afirmativa nesse sentido é equívoco de interpretação", afirmou Bivar.

Frota, por sua vez, também se viu obrigado nos últimos dias a responder acusações de irregularidades. No sábado (8), o jornal Folha de S.Paulo noticiou que um ex-motorista do deputado, Marcelo Ricardo Silva, afirmou ter sido usado como "laranja" do parlamentar e que recebia pagamentos de terceiros sob sua orientação. Silva também disse que trabalhou na campanha eleitoral do parlamentar e que foi pago por empresários amigos de Frota, recursos que não foram declarados à Justiça Eleitoral.

Em nota, Frota diz que Silva "deu início a práticas de ameaças e extorsão" há quatro meses, depois que exonerou o motorista "em razão de insubordinação e condutas inadequadas". O deputado registrou boletins de ocorrência na Polícia Civil em São Paulo e na Polícia Legislativa.

"Toda a relação com o mesmo anteriormente a 2019 foi privada, do que as opções empresariais foram lícitas. Da pretensa relação em campanha: não houve, pois nunca atendeu a campanha eleitoral. De outro modo, a sua relação era trabalhista, como motorista, com registro em carteira, para atendimento doméstico, de Alexandre e de sua família", diz. "Em suma, nenhuma relação ilegal foi estabelecida com o mesmo."

Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

"Queimando a cara" pela Previdência

Toda a turbulência entre Frota, Bolsonaro e outros membros do PSL acontece no momento que o deputado começa a despontar como um dos principais articuladores do partido na Câmara.

Frota mantém contato com o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desde o começo da legislatura. Ele ajudou a costurar o apoio do PSL à reeleição de Maia para o cargo.

No mesmo discurso em que desabafou sobre a dificuldade de defender o governo na Câmara, cobrou dos colegas a necessidade de "encontrar o equilíbrio dentro desta Casa, porque, do jeito que está, não pode continuar". E, sem abrir mão de se intitular "anti-PT", tem buscado dialogar também com parlamentares da oposição --citou Érika Kokay e Henrique Fontana, do PT; e Marcelo Freixo, do PSOL.

"Os caras não são meus inimigos, são meus adversários", diz. "A Câmara dos Deputados tem que acelerar, votar as agendas de interesse do povo brasileiro. Para isso, a gente precisa abrir um diálogo."

Uma das principais bandeiras de Frota no momento é a reforma da Previdência proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, outro interlocutor que passou a ser frequente. O deputado coordena a Comissão Especial da Previdência e se mostrou pragmático sobre a possibilidade da mudança de alguns pontos da proposta para sua aprovação, como a aposentadoria de professores e o BPC (Benefício de Prestação Continuada).

"O [secretário especial da Previdência] Rogério Marinho quer manter a reforma na integralidade. Eu conversei com o Paulo Guedes, eu falei: Paulo, se existir no caminho a possibilidade de enxugar de alguma forma, eu prefiro que seja a gente a enxugar do que deixar esse caminho aberto para outro partido."

Frota cobrou que os governadores coloquem suas digitais na reforma, e defendam publicamente a inclusão de estados e municípios. "Quem está queimando a cara ali somos nós, tem coisas que são impopulares."

Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Um dia após o outro

A trajetória política do hoje vice-líder do partido do presidente na Câmara começou nos protestos de 2013. "Eu senti a necessidade de ser mais uma voz entre tantos brasileiros que queriam, de alguma forma, mudar os rumos do país."

Frota diz que, inicialmente, foi alvo de "um certo preconceito" dos movimentos de direita, cujos líderes não o deixavam subir nos trios elétricos nas manifestações da avenida Paulista. Depois, ele conseguiu o dele. Seus vídeos na internet chegavam a milhões de visualizações.

"Entre 2014 e 2015, foram nove partidos que me convidaram para ser deputado federal", conta. "Coloquei isso como meta: vou me tornar deputado federal e vou trabalhar para isso. E foi assim que a gente fez."

Frota recebeu 155 mil votos no ano passado. No PSL paulista, ficou atrás apenas de Eduardo Bolsonaro e Joice Hasselmann.

O Alexandre Frota político, diz ele, é "muito mais racional do que emocional" em comparação ao Frota que era ator e celebridade. Manhãs dedicadas a estudar projetos de lei com técnicos do PSL e do governo, por exemplo, fazem parte da rotina. A relação com o público também mudou.

"Hoje, as pessoas falam melhor comigo e incentivam mais o meu trabalho do que na época da televisão. Eu me sinto realmente trabalhando de alguma forma para melhorar o andamento dessa engrenagem que é a nossa política."

Mesmo assim, o deputado não dá certeza se a política é algo que veio para ficar na sua vida.

"Eu não sei o dia de amanhã, cara. Eu estou com 55 anos de idade. Depois que você faz 50 anos, você tem mais passado que futuro. Então, eu vivo dia após dia", diz. "Depois de tudo o que eu passei na minha vida, de tudo o que eu ainda vou passar na minha vida, eu tenho que ter equilíbrio e tranquilidade para pensar nas coisas."

"Minha passagem na Câmara não vai ser em branco"

Topo