SP desacelera, mas não para

25 de março perde público, vendedores se desesperam, mas ainda há movimento: 'aproveitei que não tem aula'

Lucas Borges Teixeira Colaboração para o UOL, em São Paulo Andre Porto/UOL

Termômetro da economia popular na capital paulista, a rua 25 de março perdeu público, mas está longe de estar deserta e de atender os apelos das autoridades sanitárias do Brasil e do mundo, que recomendam diminuir os contatos sociais para desacelerar os contágios por coronavírus.

Entre vendedores que temem não poder pagar as contas tanto (ou mais) do que temem a covid-19 e clientes que viram no cancelamento de aulas ou do trabalho uma janela para ir às compras, o vaivém no maior centro de compras do país mostra que, por razões econômicas ou desinformação, o brasileiro ainda não se recolheu.

A visita ocorreu nesta terça (17), segundo dia útil desde a publicação de decreto que pede fim das aglomerações no estado de SP, e data que entrará para a história pela primeira morte oficialmente relacionada à pandemia na cidade e no país.

Andre Porto/UOL
Andre Porto/UOL

"Folga"

Apesar das recomendações de recolhimento, os compradores que foram às ruas, em número menor do que o habitual, deram suas justificativas: não temer o contágio, aproveitar o menor número de gente nas ruas ou se valer do tempo livre.

"Falaram que a gente não devia estar aqui, a gente sabe, mas fim de semana é sempre um horror. Vamos ficar rapidinho", disse Karla Ramos, que aproveitou o tempo liberado pelo cancelamento das aulas na faculdade para fazerem compras.

Já o autônomo Sergio Índigo disse ver muito "histeria" na preocupação com o vírus, que já matou mais de 5.000 pessoas no mundo.

Aos 51 anos, ele se diz saudável e que "não pode parar a vida".

"Tem gente morrendo? Tem. Mas é só fazer a sua parte. Tem que lavar as mãos, não cumprimentar todo mundo, abraçar. Isso tudo eu faço, mas também não posso ficar trancado em casa, tenho que fazer minhas coisas, comprar minhas ferramentas de trabalho", afirmou.

A diarista Angela Haroldo diz se preocupar com o vírus, mas afirma que aproveitou a janela na semana para comprar roupas e pratos.

"A gente se preocupa com a doença, mas eu estava aqui perto e é mais barato", afirmou.

Por que o Brasil precisa parar

  • Sem restringir contatos, casos dobrarão a cada 3 dias, diz governo

    Leia mais
  • É hora de ficar em casa para se proteger

    Leia mais
  • Pacientes sem sintomas contaminaram 2/3 dos infectados

    Leia mais
  • Isolamento é indicado com ou sem sintoma

    Leia mais
Andre Porto/UOL Andre Porto/UOL
Andre Porto/UOL

Menos cheio

Apesar de os clientes não terem desaparecido, os vendedores da região afirmam que o movimento caiu "drasticamente".

Ambulantes e lojistas também afirmam que quem se arrisca vai com destino específico, sem "zanzar".

"Faço de 300 a 500 vendas por dia. Já estamos no meio da tarde e não foram nem 100", diz Tatiana Vasconcelos, dona de uma loja de artigos religiosos na esquina da 25 de Março com a Ladeira Porto Geral.

"Já mudei até o horário de funcionamento, mas não sei como vamos fazer para nos sustentar", conta Vasconcelos.

A queixa une lojistas e ambulantes que anunciam seus produtos pela rua. Ao olhar ao redor, era possível ver que havia mais vendedores do que clientes entre as barracas.

"Hoje ainda não vendi nada, não levei um cliente para a loja. Nunca vi assim. As pessoas estão com medo até de conversar", contou um vendedor que se identificou como River.

"Num fim de semana normal, a gente consegue atrair para a loja, em três [funcionários], mais de 70 clientes por dia. Neste, não chegou nem em 40 nos 2 dias", diz vendedor Amado Júnior.

Andre Porto/UOL

Medo de perder o emprego

Marcela Almeida trabalha em um stand de roupas em uma das galerias na rua. De máscara, ela diz que preferia não ter que trabalhar, mas teme perder o emprego.

"A gente precisa do salário, da comissão. Quer dizer, comissão nem tá tendo, né? Porque não está vendendo, mas tem o ganho mensal. Não é muito, mas ajuda. Já teve gente aí que tá com emprego ameaçado se o movimento continuar assim", afirmou.

O gerente de uma das redes de lojas na 25, que pediu para não se identificar, disse que prevê ter que dispensar parte dos funcionários.

"Ninguém gosta disso. Todo mundo é pai de família. Mas se não está vendendo, não está entrando dinheiro. O meu emprego está ameaçado, o de todo mundo. Eu só quero que essa crise passe logo, se não, não tem jeito, tem que dispensar", afirmou.

Andre Porto/UOL

Máscara, item obrigatório

Entre o medo e o desdém da doença, a máscara se firmou como elemento inevitável na paisagem da 25.

"O movimento está ruim desde o carnaval. Nesses dias, ontem, hoje, piorou. Mas mesmo assim a gente precisa de proteção", declarou Cintia Rodrigues, que gritava para atrair clientes usando máscara cirúrgica.

A preocupação com o vírus também atrapalhou as vendas dos ambulantes de bebidas: Marcena Santana diz vender cada vez menos águas e refrigerantes.

As pessoas têm medo de estar contaminado', contou à reportagem.

Entre uma demonstração de cortar legumes e outra, o ambulante José Jorge dava uma espirrada no álcool em gel que guardava na bolsa.

"Todo mundo tem que se proteger, né? O que eu não posso é parar de trabalhar. As contas continuam a vencer, tendo vírus ou não. É cruel", afirmou.

'Só vende álcool em gel'

Andre Porto/UOL

"Para se proteger da pandemia, álcool em gel e máscara você encontra aqui no salão", anunciava um vendedor pelo microfone de uma das lojas. Como em mercados e farmácias, se há algum produto que não parou de ser vendido são estes dois.

"É só o que vende, até lojista de outros lugares vêm aqui comprar. Até por que, quem vai sair para comprar panela se está com medo de ficar doente?", comentou o vendedor Carlos Alberto.

Andre Porto/UOL
Topo