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Brasil registra 1.039 mortes por Covid-19 em 24 h e é o país com mais óbitos pela doença em um dia

Arthur Sandes, Carolina Marins, Gabriela Sá Pessoa e Rodrigo Mattos Do UOL, em São Paulo Reuters

24.512 pessoas já morreram de covid-19 no Brasil

O Brasil atingiu hoje 24.512 mortes pelo novo coronavírus, com 1.039 confirmações de óbitos nas últimas 24 horas. Os dados mais recentes do Ministério da Saúde apontam 391.222 diagnósticos da doença no país — 16.324 infectados foram registrados entre ontem e hoje.

O Brasil superou ontem, pela primeira vez, os Estados Unidos no registro diário de mortes por covid. Hoje, o balanço do CDC aponta 592 óbitos confirmados desde ontem.

Enquanto a taxa americana vai diminuindo, no Brasil ela vem aumentando. O UOL conversou com especialistas e brasileiros que estão nos EUA para entender como a pandemia tem afetado os dois países.

Reuters
Noam Galai/Getty Images

EUA: Explosão de casos

Os EUA registraram seu primeiro caso já em 1º de janeiro, porém, a primeira morte só foi registrada em 3 de março. O país passou semanas sem notificar nenhum novo caso, até que os números explodiram na segunda metade de março, com mais de mil casos sendo registrados a cada dia. O mesmo aconteceu com as mortes. O início tranquilo de casos e mortes é atribuído à subnotificação, já que o país não estava realizando testes e a doença foi ignorada pelo governo durante semanas.

Sandro Pereira/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Brasil: Falta de testes

O Brasil identificou rápido o seu primeiro caso - embora haja suspeitas de que a doença já circulava antes no país - e contabilizou, no início, cada um que testava positivo. No entanto, com a falta de materiais para testes, o país teve que restringir os exames para os casos graves e profissionais de saúde. Há atrasos de até dois meses na notificação das mortes, as curvas estão em fase de aceleração enquanto as americanas começam a entrar agora em processo de desaceleração, com os picos ficando para trás, no começo de maio.

MIGUEL NORONHA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Após 90 dias, Brasil tem aceleração maior que outros países

Após três meses, o Brasil tinha, até ontem, 375 mil casos de infectados, número que só fica atrás dos EUA na mesma fase da pandemia. Desses, 121 mil foram registrados na última semana.

No mesmo estágio, apenas os EUA tinham uma aceleração maior: eram 204 mil novos casos por semana nos primeiros 90 dias. O Reino Unido acumulava 32 mil, a Itália, 18 mil, e a Rússia, 41 mil. Espanha e França estavam na casa dos 13 mil novos casos.

Um estudo da Universidade de Pelotas mostra que, nos dois primeiros meses, os números brasileiros se mantinham abaixo dos europeus. A disparada se deu no último mês.

Nesse momento, os outros países estavam começando a desacelerar enquanto o Brasil continua a acelerar. Esse é o problema maior: não sabemos se já atingiu o auge (a epidemia no Brasil)

Pedro Halal, epidemiologista da Universidade de Pelotas, que lidera pesquisa para quantificar a real disseminação do novo coronavírus no Brasil

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Meu coração fica muito apertado pelo Brasil, estou muito preocupada com a minha família. Esta onda passou pela Europa, bateu muito forte nos EUA, mas aqui é um país de primeiro mundo, tem alguma estrutura. Fico em desespero por minha família e por meus amigos, porque [o Brasil] é um país despreparado, e todos estão em perigo.

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Cibele Abreu , vive nos Estados Unidos desde 1997

Brasileira nos EUA sente covid próxima e família longe

EDMAR BARROS/ESTADÃO CONTEÚDO

Brasil dobra óbitos a cada 6,5 dias

Até ontem o Brasil registrou 6.681 novos óbitos por semana, mais de 900 em média por dia. Em comparação, o Reino Unido tinha 3.500 mortes por semana no mesmo estágio da epidemia, a Espanha, 2.540, e a França 5 mil. De novo, a exceção são os EUA que somavam 11 mil óbitos por semana na mesma época.

Os óbitos dobram no Brasil, em média, a cada 6,5 dias. É o país com a duplicação mais rápida segundo o projeto da Fiocruz Monitora Covid,

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Desigualdade racial exposta na pandemia

ANDREW KELLY/REUTERS

EUA e Brasil têm dimensões continentais e um abismo de desigualdade social que se traduz nas diferenças raciais. A pandemia realça a vulnerabilidade dos mais pobres - as maiores vítimas nos dois países, diferentemente da Itália e de outros países europeus, onde a idade foi o fator preponderante na letalidade. Os distritos mais letais estão em Nova York, o estado mais afetado. Kings (que engloba o Brooklyn), Queens e Bronx, vizinhanças onde vivem mais imigrantes e afro-americanos, são as três com mais óbitos, totalizando 13.437. Manhattan, área mais rica, registrou 2.237 mortes.

Daniel Galber/Uai Foto/Estadão Conteúdo

No Brasil, ao longo dos meses de março e abril, a doença migrou das áreas mais ricas para as periferias, onde se tornou mais letal. A cidade de São Paulo, capital do estado mais afetado do país, soma 6.505 óbitos suspeitos ou confirmados pelo novo coronavírus. Todos os 20 bairros onde mais pessoas morreram por covid-19 na cidade de São Paulo estão nas regiões mais pobres da capital paulista.Há, porém, uma diferença fundamental entre EUA e Brasil. Com o Sistema Único de Saúde, universal e gratuito, à disposição, a população mais pobre aqui está menos vulnerável do que lá.

Os impactos da pandemia são claramente maiores em quem tem menos capacidade de absorver choques econômicos, precisa se locomover mais para trabalhar e não tem a opção de fazer home office. A gente sempre precisa falar que lá não existe saúde pública. Se você está empregado, tem assistência. No geral, os mais vulneráveis estão em situação calamitosa e, se precisar de internação, ou morre ou está endividado para sempre

Guilherme Lichand, economista e professor da Universidade de Zurique que integra grupo de pesquisa sobre a evolução do número de casos de coronavírus

Os EUA são um dos países mais ricos do mundo. Porém, o sistema de saúde não é universal. O acesso à saúde é dificultoso inclusive para a classe média alta -- uma pequena ida ao pronto socorro pode custar milhares de dólares. Apesar de a riqueza ser maior, a desigualdade é ainda maior no sistema de saúde. Por isso, no começo da epidemia, os números de casos deles eram totalmente subnotificados, a pessoa tinha que pagar para ser testada. No Brasil, por mais pobre que você seja, se o seu caso for grave, você consegue ter acesso a uma UTI e vão colher o seu exame

Natanael Adiwardana, infectologista do Hospital Emílio Ribas

O médico das despedidas

O Brasil está perdendo muito tempo na discussão sobre cloroquina. O que deveria ser mais discutido é a prevenção do contágio, o isolamento. As grandes cidades dos EUA têm feito lockdown muito mais rigoroso e com adesão muito maior. Há muito mais testes nos EUA do que no Brasil. Muitos brasileiros nem têm o diagnóstico por falta de testes.

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Fernando Kawai, médico brasileiro que trabalha há 16 anos nos EUA

Brasileiro volta ao país após ter covid

Enquanto eu estava por lá, perdi meu pai e minha mãe. Ficamos só minha irmã e eu. Não voltei ao Brasil pela crise, que pouco me afetaria lá. Voltei porque sofri duas vezes: comigo mesmo com a doença, e pela minha irmã, que daqui do Brasil não podia fazer nada.

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Vinícius Monteiro, voltou ao Brasil, 20 anos depois de mudar-se para os EUA, após ter covid

Presidentes subestimaram pandemia

"No ano passado 37 mil americanos morreram de gripe comum. Nada foi fechado, a vida e a economia seguiram. Pense sobre isso", disse Trump, em 9 de março, quando o país tinha 19 mortes. Mais de um mês depois, falou sobre cloroquina: "Vamos ver o que acontece. Tivemos muitos bons resultados e alguns talvez não tão bons. Eu não sei, eu só li sobre um. Então não sei. Vamos ver". Em 23 de abril, os EUA contavam 40.073 óbitos. No dia seguinte, fez piada sobre tratamentos. "Eu vi que um desinfetante dá um nocaute [no coronavírus] em um minuto. Um minuto! Talvez seja possível, talvez não seja. Eu não sou médico."

"Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria. Ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho?, disse Jair Bolsonaro em 24 de março, quando o Brasil contava 46 mortes. Sobre a politização da cloroquina, afirmou: "Quem é de direita toma cloroquina. Quem é de esquerda toma tubaína", em 19 de maio, quando tínhamos 17.971 óbitos. Sobre a comparação com os EUA, afirmou em 26 de março (77 mortes): "Não vamos chegar a esse ponto [tantos casos quanto nos Estados Unidos], até porque o brasileiro tem que ser estudado. O cara não pega nada. Eu vi um cara ali pulando no esgoto, sai, mergulha e não acontece nada com ele".

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