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Especialistas se preocupam com mau uso da fecundação in vitro

Annegret Raunigk é a mulher mais velha a ter quádruplos - EPA
Annegret Raunigk é a mulher mais velha a ter quádruplos Imagem: EPA

17/06/2015 16h53

O caso de uma alemã de 65 anos, mãe de 13 filhos e que deu à luz quadrigêmeos no final de maio, preocupa os especialistas em fertilidade, que alertam para uma utilização abusiva das técnicas de fecundação in vitro.

Annegret Raunigk deu à luz em Berlim três meninos e uma menina prematuros, que pesaram apenas entre 665 e 960 gramas, depois que a mãe fez uma fecundação in vitro de dois doadores anônimos na Ucrânia.

"O problema principal, independentemente da idade da mãe, é a transferência de múltiplos embriões", avaliou o médico Adam Balen, entrevistado em Lisboa durante a conferência da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE, na sigla em inglês).

"As gravidezes de múltiplos são perigosas para a mãe e ainda mais para os bebês", garantiu o presidente da Sociedade Britânica de Fertilidade, explicando também que com as tecnologias atuais e um embrião de qualidade, uma transferência é suficiente.

Entre os muitos riscos estão partos prematuros, baixo peso ao nascer do bebê ou atrasos cognitivos.

"A sociedade pode contribuir com o nascimento de crianças que não terão tão bom começo como outras?", questiona a médica Françoise Shenfield, da University College de Londres, especialista em reprodução humana e bioética.

Há alguns anos, vários países tentam reduzir o número de gravidezes múltiplas. É o caso de Reino Unido, Estados Unidos ou França, onde a Agência de Biomedicina estabeleceu certas recomendações.

Gravidezes tardias

Após o nascimento dos quadrigêmeos em Berlim, a Sociedade Alemã de Medicina Reprodutiva distanciou-se de um "processo altamente questionável", relançando o debate sobre gravidezes tardias.

Os especialistas muitas vezes falam de um limite de idade para a reprodução assistida, que poderia ser em torno dos 50 anos, perto da média de idade para a menopausa.

De acordo com Balen, esta limitação é necessária do ponto de vista médico, mas a partir de uma perspectiva ética "pode se considerar que uma mulher de 65 anos ainda tem 20 anos pela frente e pode ver seus filhos crescerem até a idade adulta".

"Nós tratamos mulheres mais jovens, que estão em cadeira de rodas, por exemplo, e que teriam dificuldades para cuidar de uma criança, mas contam com grande apoio familiar. Também tratamos mulheres com doenças potencialmente fatais", conta o médico, afirmando que os pedidos são estudados caso a caso.

"Um dos problemas dos países desenvolvidos é que as mulheres atrasam o momento de formar uma família, ficando cada vez mais velhas e menos férteis", analisa o professor, que critica severamente os médicos que abusam desta prática.

'O negócio' da fertilidade

"Algumas clínicas fazem publicidade explicando que as pacientes podem viajar e se beneficiar de tratamentos mais baratos. Mas os resultados acabam sendo desastrosos", como o do mês passado. "Com certeza alguém está lucrando muito com isso", alertou.

Para o especialista, todos os países deveriam financiar tratamentos de fertilidade para evitar que exista este "negócio".

"É o tipo de história escrita pelos grandes titulares dos periódicos e apresentam nossa especialidade para o mundo", lamenta Françoise Shenfield.

Segundo ela, é impossível legislar a reprodução assistida no mundo inteiro. Mas a médica participou da redação de um guia de boas condutas para limitar o número de embriões transferidos.

Shenfield critica também o papel das agências intermediárias entre os doadores e os receptores de ovócitos, "que ganham muito dinheiro dos pacientes com uma porcentagem do preço da clínica".

Como todas as tecnologias, a reprodução assistida "pode ser utilizada de maneiras boas ou ruins". "A quantidade de gravidezes múltiplas começa a cair em todo o mundo, o que significa que há cada vez mais responsabilidade", acrescentou Shenfield.