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Pandemia vai superlotar hospitais do Brasil e governos devem restringir eventos em breve, diz infectologista

Pacientes e funcionários se protegem do coronavírus no HRAN (Hospital Regional da Asa Norte), em Brasília - Kleyton Amorim/UOL
Pacientes e funcionários se protegem do coronavírus no HRAN (Hospital Regional da Asa Norte), em Brasília Imagem: Kleyton Amorim/UOL

Felipe Souza

Da BBC News Brasil, em São Paulo

11/03/2020 19h39

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou nesta quarta-feira (11/03) que há uma pandemia do novo coronavírus em curso em escala mundial. A intenção do órgão é alertar as autoridades mundiais sobre os riscos de contaminação em massa e saturação dos sistemas de saúde.

A reportagem da BBC News Brasil entrevistou o infectologista Marcos Boulos, do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), para entender o que essa declaração representa, quais os riscos para o país e como os Estados devem se preparar.

Boulos afirma que a principal mudança imediata será o fim da burocracia na entrada de remédios hoje parados na alfândega. Segundo o médico, a declaração de pandemia significa que, agora, todos os países estão em situação semelhante e que não deve haver mais preocupações extremas com a importação do vírus, já que ele está presente de maneira significativa no mundo.

"Hoje, a vigilância serve para todas as pessoas e deixamos de fazer buscas individualizadas. Tratamos todas as pessoas como possíveis contaminados", afirmou o infectologista.

Desde 31 de dezembro, quando a China informou a OMS que um vírus até então desconhecido estava se espalhando pelo país, ele já chegou a 114 países. Segundo o último boletim da organização, foram registrados mais de 118 mil casos e 4.291 mortes. No Brasil, já são 52 casos confirmados.

Marcos Boulos disse ainda que o sistema de saúde de nenhum país está preparado para uma pandemia. Como forma de prevenção, ele disse que em breve governadores e prefeitos de todo o país devem impedir eventos com grandes aglomerações de pessoas, como shows e jogos de futebol.

BBC News Brasil - Quais são os impactos diretos do anúncio da OMS?

Marcos Boulos - A partir de agora, teremos mais facilidade nas importações e no comércio, pois as barreiras são rompidas. É retirado aquele critério de fazer inspeções em todos os produtos e embarcações. Isso agiliza a entrada de medicamentos e máscaras, por exemplo.

Além disso, a vigilância médica deixa de focar apenas em relação aos países considerados com grande risco de transmissão e passa a ser de todos. Qualquer pessoa que chega do exterior é vista como um possível paciente.

Hoje, a vigilância passa a servir para todas as pessoas e deixamos de fazer buscas individualizadas. Tratamos a partir de agora toda a população como possíveis contaminados.

Esse anúncio de pandemia significa que estamos ou vamos ter um quadro epidêmico em todo o mundo. É uma autorização para os Estados implantarem ações emergenciais de controle para todas as pessoas, sem precisar individualizar cuidados.

BBC News Brasil - Com essa medida, prefeitos, governadores e até o presidente podem vetar eventos com aglomerações de pessoas, como casas noturnas, shows e jogos de futebol?

Boulos - Poderia fazer isso mesmo antes do anúncio, como já foi feito na Itália e na França, onde jogos do campeonato francês não terão torcida. Times como o Paris Saint-Germain, de Neymar, vão jogar com portões fechados.

Aqui no Brasil, vamos ter o Lollapalooza (de 5 a 7 de abril) e o governo pode evitar, caso queira. Caso faça isso, ele pode ser acionado na Justiça pela empresa responsável, que pode argumentar que todos os ingressos já foram vendidos. O governo também pode apenas fazer recomendações para o público evitar qualquer reunião que tenha mais de 50 pessoas.

Os Estados Unidos vetaram, depois de 69 anos consecutivos, um congresso de cardiologia neste ano por conta do coronavírus. Assim que o número de casos aumentar, medidas como essa devem acontecer em breve no Brasil também. O governo estuda, inclusive, antecipar as férias escolares de dezembro para evitar aglomerações nas escolas.

Além disso, qualquer governante pode fazer um extrato de emergência para usar verba de determinada pasta de maneira distinta. Por exemplo, pode usar o dinheiro da economia para a saúde para construir mais leitos etc. Se um município decreta estado de emergência, isso facilita que ele solicite verbas extras para governantes para que possa atender às necessidades de emergência

BBC News Brasil - Essa pandemia deve ser maior que as últimas?

Boulos - Ela não vai causar uma altíssima taxa de mortalidade. Provavelmente vai ser mais uma gripe forte. O que não sabemos é como vai funcionar no futuro, como ela vai reagir. Se ele (vírus) não vai embora. Precisa ver se ele vai continuar fazendo parte do nosso arsenal de doenças, mesmo com menor gravidade, como ainda acontece com o H3N2, responsável por uma pandemia em 1968 e o H1N1, em 2009.

BBC News Brasil - Estamos mais preparados hoje em relação às últimas pandemias?

Boulos - Nunca ninguém está preparado. Você prepara o sistema de saúde para demandas rotineiras, não para emergências. Prepara as instituições de saúde para casos de hipertensão, acidentes e situações rotineiras. Quando vem uma epidemia, você vai trabalhar para minimizar os problemas que vão surgir.

BBC News Brasil - Quais medidas devem ser tomadas em breve para evitar mortes e superlotação dos hospitais?

Boulos - Em breve, os hospitais privados começarão a registrar filas de 4 a 6 horas.

Estamos preocupados com os idosos, que evoluem rapidamente para quadros mais graves. Por isso, vamos ter que criar uma estrutura de saúde um pouco mais ágil, aumentar os leitos de UTI de modo geral e centralizar o encaminhamento.

No Estado, serão criados centenas de leitos de UTI. Toda a rede privada será acionada e vamos suspender as cirurgias programadas.

Vai chegar um momento em que não vamos fazer mais exames. Se você sabe que o vírus está circulando, isso passa a ser desnecessário. O exame não ajuda em nada porque não há uma medida especial a ser tomada. O que vai ser avaliado é apenas o grau de risco e de comprometimento do paciente.

BBC News Brasil - Futuramente, é possível que as autoridades recomendem que apenas idosos com suspeita de coronavírus busquem as unidades de saúde?

Boulos - Sim. Vamos colocar critérios para que apenas os casos mais graves procurem um hospital. Estabelecer isso é importante para que a pessoa não sobrecarregue ainda mais o sistema de saúde.

A prioridade imediata é melhorar nossas unidades hospitalares e criar UTIs, além de capacitar os profissionais para esse tipo de situação. Também estudamos criar uma porta única de entrada de pacientes. Um hospital que será a referência dos casos e que distribuirá os pacientes pela rede.

A previsão é que o auge da contaminação dure de três a quatro meses, conforme identificamos na China — que hoje está com muito menos casos. Lá estão diminuindo os casos e aparentemente acabando. A China conteve por medidas drásticas, da mesma maneira que a Itália está tentando fazer.