Covid longa: 'Sinto vergonha por não conseguir trabalhar há 18 meses devido à confusão mental'
A galesa Sian Griffiths está desesperada para voltar a trabalhar, mas se sente "envergonhada" por ainda estar sofrendo de covid longa, 18 meses depois que "a névoa" da doença a afastou de suas atividades.
"Não consigo dirigir até muito longe, me esqueço de fechar as portas, queimo a comida, e quando estou lendo meu cérebro transforma algumas palavras em outras", diz ela.
Sian faz parte de um total de 1,3 milhão de pessoas que sofrem de covid longa no Reino Unido — um número recorde e que representa mais de 2% da população britânica.
Para ela, a única coisa que afasta a nebulosidade da covid longa é nadar num ambiente natural.
"Parece que a névoa desaparece, consigo pensar de forma mais clara", afirma Sian.
"Isso dura por cerca de uma hora e meia depois que saio (da água), e a esperança é que quanto mais faça isso, o efeito dure um pouco mais."
A covid longa não é completamente compreendida, e não existe uma definição acordada internacionalmente. Então, medidas sobre sua frequência e quais sintomas estão envolvidos variam.
Em águas naturais
Sian, de 43 anos, pegou covid-19 em maio de 2020, enquanto trabalhava como fisioterapeuta no NHS, o sistema de saúde britânico.
Ela diz que foi aconselhada por um especialista de que nadar poderia ajudá-la a se recuperar, mas sentiu que o calor da academia "provavelmente a faria desmaiar".
Ela decidiu então nadar três vezes por semana em águas naturais, em uma localidade próxima à sua casa em Anglesey, na costa do País de Gales.
"Vou com uma roupa de mergulho, porque ela ajuda com a compressão do sangue e a levar oxigênio para o cérebro", diz Sian, depois de dar um mergulho num lago, cercada pela impressionante paisagem de Llyn Padarn, na região montanhosa de Snowdonia, no norte do País de Gales.
"A pressão da água também contribui para levar o sangue e o oxigênio ao cérebro", afirma.
"Sinto vergonha pelo que as pessoas pensam de mim, porque posso entrar na água, mas não posso ir trabalhar — isso não parece correto para mim, embora tenha sido orientada a fazer isso."
Dados oficiais indicam que 1,3 milhão de pessoas tenham atualmente a chamada "covid longa" — sintomas que duram mais de quatro semanas, incluindo cansaço extremo, perda de fôlego, palpitações cardíacas, dores nas juntas, mudanças no paladar e no olfato e dificuldades de memória e concentração, como as de Sian.
No País de Gales, a doença afeta mais de 60 mil pessoas. E Sian é uma das 26 mil na pequena nação que ainda sofrem com os sintomas mais de um ano após terem sido infectadas pelo coronavírus.
"Não consigo levar uma vida normal", afirma ela.
"Estava bem antes, tinha um trabalho de tempo integral e andava de bicicleta nas montanhas, pedalando 40 milhas (64 quilômetros) na estrada."
"Agora, preciso da minha mãe e do meu pai basicamente tentando me lembrar de fazer coisas o tempo todo. É de partir o coração."
Sian diz que sua recuperação avançou depois de pagar por um médico particular em Stoke-on-Trent — a duas horas e meia de carro de sua casa em Llandegfan —, em vez de esperar por 12 meses para ser atendida no NHS galês.
Ela foi diagnosticada com síndrome de taquicardia postural (PoTS), uma condição cardíaca cujos sintomas podem incluir tontura e desmaios. E acredita que o País de Gales, assim como a Inglaterra, também deveriam ter centros de tratamento especializados para covid longa nos hospitais.
Para Sian, uma solução "liderada por especialistas, integrada, sob um mesmo teto" deveria ser considerada no País de Gales, porque "você precisa saber se algo está acontecendo com seus órgãos" antes de começar uma reabilitação.
Programas de reabilitação
O governo galês, no entanto, acredita que oferecer apoio de forma local é melhor, com programas de reabilitação realizados por clínicos gerais, enfermeiros e fisioterapeutas — e defende que seu programa Adferiad ("recuperação", em galês), com 5 milhões de libras (R$ 35 milhões) investidos, está funcionando.
Sian ficou tão frustrada com a situação que entrou em contato com seu político local, que também é o porta-voz do partido Plaid Cymru para a área da saúde no Parlamento galês, conhecido como Senedd.
"Ela teve de viajar longas distâncias, teve de pagar uma quantia significativa e colocou uma pressão enorme sobre sua família para obter um diagnóstico", diz Rhun ap Iorwerth, integrante do Senedd pela área de Ynys Mon.
"É inaceitável que isso aconteça com qualquer um, é pior ainda quando acontece com alguém que trabalha na área da saúde e assistência, que foi contaminada cumprindo seu dever."
Ap Iorwerth afirma que "não é certo" para um funcionário do NHS galês ter que recorrer ao setor privado e pagar por um tratamento "para que possa tentar voltar ao trabalho".
"Deveríamos estar cuidando desses profissionais de saúde que foram infectados", acrescentou.
"Da mesma forma que deveríamos estar cuidando de todos que estão sofrendo as consequências da covid longa, sinto que não estamos levando isso a sério. Há muitas, muitas pessoas em situações parecidas."
Segundo o governo galês, os profissionais de saúde "ainda estão aprendendo" sobre a covid longa, mas acrescenta que quase 90% dos usuários de seu programa de reabilitação o recomendariam para outros que sofrem do mesmo mal, de acordo com uma sondagem realizada com 600 pacientes.
"No País de Gales, estamos comprometidos a garantir que toda pessoa sofrendo de covid longa receba apoio e atendimento personalizado para suas necessidades e seus sintomas específicos, em vez de uma abordagem única para todos, e o mais perto de casa possível", afirmou a ministra da Saúde, Eluned Morgan.
"Sabemos que afeta todo mundo de forma diferente. Nem todos sofrendo de covid longa precisarão ver um médico especialista, e esse modelo impedirá que as pessoas esperem por muito tempo por um tratamento."
"Ainda estamos aprendendo sobre a covid longa, e esse levantamento nos ajudará a melhorar os serviços ainda mais. Continuaremos a monitorar o apoio necessário e nos adaptaremos de acordo, conforme aprendemos mais, para garantir que os serviços estejam disponíveis àqueles que precisem de apoio."
No fim de janeiro, Morgan disse a jornalistas que "não tem intenção de paralisar" o programa Adferiad.
"Seria, acredito, uma negligência nossa tirar esse programa, quando tem sido tão bem-sucedido, quando claramente ainda há muita demanda por ele."
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