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"Falsos meios de prevenção são pior tipo de fake news sobre covid-19"

Órgãos de saúde, via de regra, ensinam boas práticas, como lavar as mãos, usar álcool, como se proteger ao tossir - Amanda Perobelli/Reuters
Órgãos de saúde, via de regra, ensinam boas práticas, como lavar as mãos, usar álcool, como se proteger ao tossir Imagem: Amanda Perobelli/Reuters

Hyury Potter

28/02/2020 17h29

Brasileira que coordena equipe internacional de checagem de notícias falsas sobre o novo vírus pede cautela com o que é compartilhado e recomenda não ficar apenas dentro da própria bolha nas redes sociais.

Menos de 24 horas após a confirmação do primeiro caso de infecção pelo covid-19 no Brasil, o número de ocorrências de pessoas suspeitas de terem contraído o vírus no país saltou de 20 para 132, segundo informações divulgadas pelo Ministério da Saúde ontem. À medida que aumentam as suspeitas, cresce também o volume de informações circulando sobre o vírus, muitas delas falsas.

A jornalista brasileira Cristina Tardáguila, diretora adjunta da International Fact-Checking Network (Rede Internacional de Checagem de Notícias, IFCN), integrada ao Instituto Poynter, na cidade de St. Petersburg, na Flórida, coordena desde 24 de janeiro o projeto Coronavirus Collaboration, formado por uma equipe de 90 jornalistas que checam notícias falsas sobre o covid-19 em 39 países.

"É preciso muita atenção da população e dos jornalistas para casos de falsos positivos, o que acredito que deve aumentar a partir de agora. São pessoas anunciando na internet que há uma suspeita de casos na sua cidade ou que um grupo que voltou de viagem ao exterior pode estar com coronavírus", afirma em entrevista à DW Brasil.

A equipe internacional coordena pela jornalista brasileira já checou mais de 570 notícias falsas desde janeiro. Além de fake news sobre casos de pessoas infectadas, Tardáguila cita falsas curas e falsos meios de prevenção propagados mundo afora, além de postagens enganosas relacionadas à religião, por exemplo.

"Todas as informações devem ser levadas a sério, mas sem pânico", recomenda. "O cidadão deve ler muito, não apenas dentro da sua bolha de redes sociais", diz a jornalista, que fundou a agência Lupa de checagem de fatos em 2015.

O novo coronavírus já causou mais de 82 mil infecções e mais de 2,8 mil mortes no mundo, a grande maioria na China. O Brasil já descartou 59 casos suspeitos de coronavírus. O único caso confirmado até o momento é de um homem de 61 anos, morador de São Paulo e que tinha viajado à Itália, país que já registra mais de 400 pessoas infectadas e 12 mortes pelo novo coronavírus.

DW Brasil: Quais os tipos de notícias falsas mais frequentes sobre o coronavírus que vocês já identificaram no projeto Coronavirus Collaboration?

Cristina Tardáguila: Já passamos por algumas fases de notícias falsas sobre o coronavírus desde 24 de janeiro, quando começou o nosso trabalho no Coronavirus Collaboration. Logo no começo, teve uma onda sobre a origem, o que teria causado o coronavírus. Aí tivemos histórias sobre morcegos, em alguns países a culpa foi para bananas e até alguma doença biológica da China. Ainda nessa época tivemos algumas teorias da conspiração, de que Bill Gates seria o culpado ou que os Estados Unidos queriam acabar com a China. Depois vieram vídeos e fotos fora de contexto. Imagens de pessoas caindo no chão no metrô e no shopping. Em todos os casos eram pessoas asiáticas. Vídeos editados e fora de contexto para provar que o coronavírus era algo que matava em poucos minutos.

Na fase seguinte, percebemos uma tendências por notícias relacionadas a falsas curas e falsos meios de prevenção. Se você tem os sintomas de coronavírus, não deve tomar água sanitária como informaram vídeos espalhados nos EUA. Outras curas que encontramos nas redes foram sopa de alho pura, diversos tipos de chás e vitamina C com ômega e zinco. Nada disso tem qualquer tipo de comprovação científica. Para mim é o pior tipo de mentira sobre essa epidemia, porque são mensagens que afetam quem está infectado, que acaba não procurando os meios corretos de tratamento, e quem não está doente, pois não está se prevenindo de maneira correta.

Nos últimos dias estamos vendo muitas postagens relacionadas a raça e religião, como de que muçulmanos não pegam coronavírus e que é melhor você se converter ou que negros têm sangue mais resistente ao vírus. São coisas absurdas.

E qual a maior preocupação no Brasil a partir de agora, com um caso já confirmado?

Percebi pelos veículos de checagem do Brasil que fazem parte do IFCN [Agência Lupa, Aos Fatos e Estadão Verifica] que houve uma preocupação com sarampo porque aumentou o número de casos, e isso também provocou uma onda de notícias falsas. Mas acredito que a partir de agora as atenções serão voltadas para o coronavírus. É preciso muita atenção da população e dos jornalistas para casos de falsos positivos, o que acredito que deve aumentar a partir de agora. São pessoas anunciando na internet que há uma suspeita de casos na sua cidade ou que um grupo que voltou de viagem ao exterior pode estar com coronavírus. Hoje mesmo eu recebi uma notícia de que na Tijuca, no Rio de Janeiro, haveria um caso suspeito.

Quais as consequências imediatas dessas mensagens?

Os checadores de países asiáticos que participam do nosso projeto encontraram muitos casos de falsos positivos. O que ocorreu nesses países foi um pânico imediato. Shoppings e metrôs foram esvaziados. Imagina se hoje alguém manda uma mensagem e diz que uma criança da creche do seu filho está com coronavírus? A sua primeira reação seria correr para tirar ele de lá. Gera um medo natural. É muito fácil criar esse tipo de pânico, então todos precisam ter muita cautela com o que compartilham nas redes.

Como minimizar esse tipo de efeito que uma notícia falsa pode provocar?

Todas as informações devem ser levadas a sério, mas sem pânico. Se você recebeu alguma notícia sobre a sua cidade, não compartilhe imediatamente, é preciso ficar calmo e procurar outras fontes. Há algum jornal dizendo isso? Algum órgão público de saúde está dando alerta sobre essa informação?

Vocês já encontraram algum exemplo de governos estrangeiros que tomaram medidas contra notícias falsas sobre coronavírus?

O Irã está prendendo quem produz fake news, mas isso é perigoso, porque também pode chegar à censura. É preciso combater desinformação, mas da maneira correta. Não há um grande caso de país tendo sucesso contra notícias falsas. O que autoridades locais de saúde de governos de países democráticos estão fazendo é se associar à Organização Mundial de Saúde (OMS) e ao CDC [Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA] para replicar mensagens corretas sobre o coronavírus. Acredito que seria interessante que autoridades prestassem mais atenção ao conteúdo publicado por checadores e conseguissem ajudar a amplificar esse trabalho.

No Brasil, familiares de pessoas que ficaram sob quarentena em Goiás após retornarem da China relataram ataques xenofóbicos nas redes sociais. Vocês constataram algum tipo de notícia falsa que gerou algum tipo de agressão nesse sentido?

Houve casos de pessoas asiáticas sendo expulsas de lojas em alguns países. Checadores de Taiwan encontraram um estudo falso que dizia que asiáticos do leste seriam mais propícios a pegar coronavírus do que os do oeste.

Após mais de um mês lidando com diversos tipos de notícias falsas de dezenas de países, quais sugestões você daria para os brasileiros lidarem com a chegada do novo coronavírus?

O cidadão deve ler muito, não apenas dentro da sua bolha de redes sociais. Deve se permitir ter uma dúvida sobre todo tipo de informação, independente da fonte. Às vezes acreditamos mais rápido em algo porque chegou por alguém próximo, como a mãe, namorada ou irmão. Casos de falsos positivos têm que gerar ainda mais cuidado, porque é bem possível que o Brasil tenha vários alarmes falsos a partir de agora.

As autoridades precisam amplificar o trabalho dos checadores. Órgãos de saúde, via de regra, ensinam boas práticas, como lavar as mãos, usar álcool, como se proteger ao tossir. As plataformas de checagem sanam dúvidas do cotidiano. O Coronavirus Collaboration já publicou mais de 570 checagens desde 24 de janeiro. E a preparação da estrutura governamental deve ir além da área de saúde. Pastas como educação devem estar preparadas também, pois professores de escolas devem saber lidar caso haja algum caso dentro da instituição.

E a mídia precisa ter cuidado em relação a como vai tratar falsos positivos e também deve se preparar sobre o tema. Por exemplo, como é um hospital que trata esse tipo de vírus? Como serão tratados os corpos de possíveis vítimas fatais? Serão cremados? Esperamos que coisas assim não ocorram, mas temos que estar um passo à frente e cobrar as autoridades que também estejam.