Carlos Madeiro

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Reportagem

Doença da pobreza, cólera tem 1º caso após 18 anos: 'sabíamos que voltaria'

Depois de 18 anos, o Brasil voltou a registrar um caso de cólera com transmissão local. O paciente, um idoso de 60 anos que mora em Salvador e trabalha em Camaçari (BA), foi a primeira pessoa a contrair a doença no país desde 2005, quando houve um surto em Pernambuco.

O anúncio foi feito na sexta-feira (19) pelo Ministério da Saúde, que informou tratar-se de um "caso isolado", já que não foram identificados outros infectados. O paciente chegou a ser internado, mas recebeu cuidados e está curado.

O caso ligou o alerta das autoridades sanitárias brasileiras, que deram início a uma série de ações e investigação (leia sobre elas abaixo). A volta da doença não surpreende especialistas, já que ela atinge países e regiões pobres do mundo.

Existem estudos a respeito da persistência do vibrião colérico no ambiente. Todos sabiam que isso aconteceria [a doença voltaria a ocorrer no Brasil]. Esse caso só mostra a precariedade das condições sanitárias. Não quer dizer que a doença vai se alastrar, é cedo para dizer isso. Mas as autoridades precisam ficar em alerta.
Vera Magalhães, professora de Doenças Tropicais da UFPE

A cólera é uma infecção intestinal aguda que se espalha através de alimentos e água contaminados com fezes contendo o vibrião colérico. Os casos estão relacionados à falta de água potável e saneamento adequado.

Salvador, ressalte-se, é a capital com piores índices de pobreza, violência e desemprego, segundo o Mapa das Desigualdades divulgado pelo ICS (Instituto Cidades Sustentáveis) há um mês.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), existem surtos ativos da doença em 24 países, a maioria na África. Nas Américas, há surtos declarados apenas no Haiti e na República Dominicana.

Clínica onde pacientes com cólera são tratados no Haiti
Clínica onde pacientes com cólera são tratados no Haiti Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Surto e pânico no final do século

Magalhães pesquisou os surtos de cólera no Brasil durante seu mestrado e doutorado e lembra que, no caso de Pernambuco, no final do século passado, o medo da doença levou autoridades a adotar restrições.

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Na década de 1980, não houve grandes consequências aqui no Brasil em relação à cólera, apesar de ter havido em outros países sul-americanos. Houve pânico na ocasião aqui em Pernambuco, e algumas cidades apresentaram um número maior de casos. Chegaram a interditar as praias, o que foi questionado por nós [especialistas].
Vera Magalhães

Para Magalhães, o caso de Salvador não deve ser visto com alarde, como ocorreu nos anos 1980 e 1990 com surtos no Nordeste.

Um caso de cólera mostra falta de saneamento adequado, mas não quer dizer necessariamente que vai haver um surto. As autoridades sanitárias devem ficar em alerta. Enquanto não houver saneamento básico adequado, vão existir patógenos que causam diarreia por contaminação fecal oral [como o cólera].
Vera Magalhães

No Brasil, o último caso de doença com paciente contaminado no país foi durante o surto em Pernambuco: foram 26 casos confirmados entre 2004 e 2005 no estado.

Depois, houve casos apenas de estrangeiros ou pessoas que viajaram para áreas de surto:

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  • 1 caso de Angola, notificado no Distrito Federal (2006)
  • 1 caso da República Dominicana, em São Paulo (2011)
  • 1 caso de Moçambique, no Rio Grande do Sul (2016)
  • 1 caso da Índia, no Rio Grande do Norte (2018)

Segundo o Ministério da Saúde, 75% das pessoas infectadas não têm sintomas. As que desenvolvem a doença apresentam sintomas leves ou moderados em 80% a 90% dos casos.

Já a forma severa, que ataca de 10% a 20% dos sintomáticos, se não for tratada prontamente, pode levar a graves complicações e até à morte.

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Imagem: Ministério da Saúde

Autoridades em alerta na Bahia

Em nota técnica, o Ministério da Saúde informou que "tem acompanhado a situação e apoiado, conjuntamente com a Secretaria Estadual de Saúde da Bahia, as secretarias municipais de saúde nas ações de investigação e tomada de decisão visando minimizar os possíveis impactos à saúde da população."

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A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia diz que "todas as medidas necessárias para prevenção e controle, como análise da água, foram prontamente implementadas e que a situação está sendo monitorada."

Já a Secretária Municipal da Saúde de Salvador ressalta que tratou-se de "um caso isolado" e, até ontem, não havia identificado outras ocorrências.

O caso, diz, foi notificado em 31 de março. Em seguida, uma investigação epidemiológica foi iniciada com "identificação e monitoramento das pessoas" com quem o paciente teve contato.

A Vigilância em Saúde Ambiental de Salvador coletou amostras de água na casa do paciente e não encontrou alterações do padrão normal.

A SMS segue sendo vigilante sobre a questão na capital baiana e, mais uma vez, ratifica que até o momento não há registro de casos secundários à doença. Também reforça a comunicação de prevenção, uma vez que a enfermidade pode ser evitada com medidas de higiene pessoal adequadas.
Secretaria de Saúde de Salvador

Doença alastrada no mundo

Em 5 de abril, a OMS iniciou uma campanha para distribuir 1,2 milhão de testes de diagnóstico de cólera para 14 países. Segundo o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) da África, o pior surto de cólera em anos se deve à mudança climática, e o clima adverso aumenta o risco de que a doença se alastre rapidamente.

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O caso brasileiro, por coincidência, foi anunciado pelo Ministério da Saúde no mesmo dia em que a OMS aprovou uma vacina simplificada contra cólera, o frente à escassez do produto e ao avanço de casos no mundo.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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