Cientistas fazem cabras transgênicas contra diarreia infantil
A relação de sobrevivência entre seres humanos e caprinos no semiárido nordestino está a caminho de se tornar ainda mais íntima, do ponto de vista genético. Pesquisadores brasileiros no Ceará, em parceria com cientistas da Universidade da Califórnia em Davis, nos Estados Unidos, estão desenvolvendo cabras geneticamente modificadas com genes humanos, capazes de produzir um leite mais rico em proteínas que combatem a diarreia infantil - um grave problema de saúde pública na região.
Os dois primeiros animais transgênicos - um macho e uma fêmea - nasceram em julho do ano passado, modificados com o gene da lisozima, uma proteína com propriedades antibióticas que é abundante no leite humano, porém escassa no leite caprino. A fêmea, chamada Lisa, começou a produzir leite há cerca de dois meses, com uma concentração de 300 microgramas de lisozima por mililitro: mais da metade da concentração média do leite humano e cerca de 1 mil vezes maior do que a do caprino.
“Estamos iniciando os testes farmacológicos, para determinar a eficiência do leite em quadros de diarreia em ratos”, diz a bióloga molecular Luciana Bertolini, da Universidade de Fortaleza (Unifor), que toca o projeto no Brasil em parceria com o marido, Marcelo, que é veterinário. O objetivo é saber se o leite enriquecido com lisozima é capaz de aliviar os sintomas da diarreia em crianças, ou até impedir o desenvolvimento da doença. A proteína funciona como um antibiótico natural no intestino, combatendo infecções bacterianas que causam a diarreia. Se a estratégia funcionar em ratos, o plano é testar o leite em porcos - que têm um sistema digestivo mais parecido com o do homem - para, depois, iniciar testes clínicos com seres humanos.
Testes realizados com porcos na Califórnia já demonstraram um efeito terapêutico do leite. Animais doentes que foram alimentados com o leite de cabras transgênicas recuperaram-se da diarreia mais rápido do que os alimentados com leite convencional. Os resultados foram publicados em março na revista científica PLoS One. “Todas as nossas previsões têm se confirmado nos modelos animais”, diz o pesquisador James Murray, da UC Davis, que desenvolveu a tecnologia e coordena as pesquisas nos EUA.
“Sabemos o que estamos fazendo; é uma tecnologia muito bem controlada”, assegura Luciana, que fez doutorado com o marido no laboratório de Murray. “Não estamos introduzindo nada de ‘novo’ no leite; é uma proteína que já faz parte do leite e que consumimos regularmente”, diz o pesquisador Luiz Antonio Barreto de Castro, criador da Rede de Biotecnologia do Nordeste (Renorbio), que financia o projeto com R$ 6,5 milhões.
As duas primeiras cabras transgênicas foram produzidas pela técnica de microinjeção, em que cópias do gene são injetadas em embriões in vitro, que depois são transferidos para cabras reprodutoras selecionadas. Nesse caso, não há garantia de que os filhotes nascerão transgênicos, pois o transgene nem sempre se incorpora ao genoma do animal. De mais de 30 cabras nascidas de embriões microinjetados na Unifor, por exemplo, só essas duas são transgênicas.
O desafio agora é produzir novas cabras transgênicas pela técnica de clonagem; e não apenas com o gene da lisozima, mas também o da lactoferrina, outra proteína com propriedades antibióticas do leite humano. É uma técnica mais complexa, porém mais precisa. “O animal que nascer você sabe que é transgênico”, explica Luciana. Várias tentativas de clonagem foram feitas nos últimos dois anos, mas sem sucesso. Uma nova leva de embriões clonados foram transferidos para cabras receptoras no início deste mês.
Uma vez que os pesquisadores tenham animais com cada proteína, o plano é cruzar as linhagens para gerar um animal que produza lisozima e lactoferrina no leite simultaneamente. Segundo Luciana, vários laboratórios no mundo estão tentando desenvolver essa tecnologia, em caprinos e bovinos, com diferentes proteínas, mas nenhum até agora obteve quantidades significativas de produção no leite.
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