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Mesmo sem médicos, bairro mais pobre de SP está fora de programa federal

Camila Neuman

Do UOL, em São Paulo

09/09/2013 06h00

Os moradores de Marsilac, distrito localizado no extremo sul da cidade de São Paulo, sabem que não podem ficar doentes depois das 9h, nem aos fins de semana, nem quando o médico tira férias.

  • Arte UOL

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A falta de profissionais de saúde para suprir a demanda da pobre região, cuja renda dos moradores é a mais baixa da cidade (R$ 772,15), segundo o IBGE, não foi suficiente para incluí-la no programa Mais Médicos, do governo federal.

A reportagem do UOL visitou as UBS (Unidades Básicas de Saúde) Marsilac e Dom Bergamini na última quarta-feira (4), ambas em Marsilac, e constatou que, na primeira, apenas três pessoas passaram por atendimento de emergência naquele dia, entre as 7h e as 9h, sendo recomendado pela própria administração do posto chegar antes das 6h30 para "tentar garantir a vaga". Os demais atendimentos são agendados. Na segunda unidade, há pelo menos um mês o único médico disponível está de férias e não houve substituição.

Atendimento limitado

Na UBS Marsilac, as consultas são feitas das 9h às 15h, mas geralmente levam dois meses para serem agendadas. Às quartas-feiras, depois das 10h, o médico Francisco Filhou José vai às casas dos moradores para fazer visitas de rotina. Até ele retornar, o posto fica sem médico, somente com uma enfermeira e uma auxiliar de enfermagem à disposição. Nos feriados, o posto não abre.

“A gente tem surto de conjuntivite aqui, de virose, então [o posto] precisa atender mais de três pessoas por dia. Precisamos de um atendimento diferenciado, de um pronto-socorro, mas dizem que é área de preservação ambiental e, por isso, não se pode construir. Não precisamos de um PS grande, mas de um médico que permaneça 24 horas”, disse Maria Lúcia Cirillo, 57, líder comunitária de Marsilac.

Marsilac de fato está inserida em uma macrozona de proteção ambiental, com remanescentes de mata atlântica, segundo o Censo 2001. O território abriga a Área de Proteção Ambiental Capivari-Mono e Bororé-Colônia.

Com paisagens que lembram cidadezinhas do interior rural, com muita vegetação ao redor, Marsilac abrange ainda nascentes de água que deram origem a vários pesqueiros e que alimentam as represas Billings e Guarapiranga.

O clima bucólico, no entanto, dá lugar ao desalento quando há necessidade por serviços de saúde na região. Junta-se a isso a falta de saneamento básico, que faz com que moradores usem água de poço e a falta de linhas de ônibus que transitem pelas áreas mais afastadas.

'Não estava no horário de atender'

Maria Lucineia de Morais, 42, dona de um bar na vizinhança da UBS Marsilac, conta que o marido teve o atendimento negado na unidade quando apresentou uma súbita paralisia facial na hora do almoço. “Disseram que não era atendimento para ser feito no posto e que não estava no horário de atender”, conta.

Moradora do bairro há 14 anos, seu marido foi socorrido pela Polícia Militar, que o levou para a unidade de saúde em Parelheiros e depois para o hospital geral do Grajaú, também na zona sul, já que a UBS não conta com ambulância.

Segundo os moradores, não há ambulâncias disponíveis nas unidades visitadas e, em caso de emergência, o veículo tem de vir de Parelheiros, o que pode demorar mais de uma hora.

A falta de ambulância fez o funcionário público Bruno Santos de Souza, 23, morador de Marsilac, percorrer mais de uma hora de carro com a mulher grávida doente. Ele a levou ao hospital do Grajaú, o mais próximo de Marsilac. Eliane Inácio da Silva, 23, sentia forte dores nas costas e só foi atendida oito horas depois.

“É um absurdo para quem mora mais longe não ter um posto mais equipado. Aqui não tem raio-X nem eletrocardiograma. Se eu fosse de ônibus, só chegaria três horas depois ao hospital”, disse.

Souza esperava a mulher sair de uma consulta pré-natal na UBS Marsilac quando conversou com a reportagem do UOL. Ele conta que precisou chegar antes das 7h para garantir que ela fosse atendida às 8h30.

“[A UBS] funciona, o médico é muito atencioso, mas o horário poderia ser estendido, porque senão tem de ir para outra unidade”, disse.

Mas, para a vizinhança da UBS Marsilac, a “gota d'água” foi quando a própria enfermeira da unidade deixou de ser atendida após um mal-estar na segunda-feira (2).

“Ela tem pressão alta e diabetes. Passou mal lá pelas 14h15. Mas não quiserem atendê-la porque tinha passado do horário de atendimento. Às 15h30, eles costumam ir embora. Todo mundo ficou revoltado”, disse Morais.

Para Morais, seria necessário “pelo menos mais um médico para atender as pessoas quando o médico titular estiver ocupado em consulta”.

Outro lado

A Secretaria Municipal de Saúde informou por e-mail, que as Unidades Básicas de Saúde Marsilac e Dom Luciano trabalham sob a lógica da Estratégia Saúde da Família, composta por médicos generalistas, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes comunitário de saúde, equipe de saúde bucal e núcleo de apoio à saúde da família.  Em ambas as UBSs atuam uma equipe Saúde da Família.

Ainda segundo a secretaria, o horário de funcionamento das unidades é das 7h às 16h, onde são realizados atendimentos agendados, coleta de exames, prescrição de medicamentos, eletrocardiograma, inalação, vacinas, curativos, entre outros procedimentos, e o acolhimento das queixas dos usuários do SUS que adentram a UBS.

Em julho, na UBS Marsilac, foram realizadas 141 consultas médicas e 581 visitas domiciliares, enquanto na UBS Dom Bergamini foram feitas 322 visitas domiciliares, 94 consultas médicas e 70 odontológicas, conforme os dados da secretaria.

Marsilac conta ainda com outras duas UBS: Jardim Embura, que realizou 540 atendimentos médicos, 221 odontológicos e 1.259 visitas domiciliares; e a UBS Jardim das Fontes, que teve 712 atendimentos médicos, 36 odontológicos e 1.570 visitas domiciliares. 

A reportagem do UOL questionou a Secretaria Municipal de Saúde sobre a quantidade de médicos nas unidades e por que Marsilac não foi contemplado pelo programa Mais Médicos, mas ainda não obteve retorno. O UOL também questionou se há planos de a prefeitura fazer um hospital na região e de ampliar a linha viária de transporte público no distrito, mas a secretaria não respondeu.

Onde falta médico, faltam dentistas e enfermeiros, mostra pesquisa

A concentração de médicos nos grandes centros acompanha a de outros profissionais de saúde, como dentistas e enfermeiros, e a de unidades de saúde. Onde falta um, faltam os outros.

É o que o mostra um recorte da pesquisa Demografia Médica no Brasil, que se baseou em dados da AMS (Assistência Médico-Sanitária) do IBGE, que conta os postos de trabalho ocupados por profissionais de saúde