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Se aquecimento global fosse só mais calor, número de Aedes aegypti cairia

Garota anda de bicicleta em rua alagada do Parque São Bento, Rio de Janeiro - Leo Correa/AP
Garota anda de bicicleta em rua alagada do Parque São Bento, Rio de Janeiro Imagem: Leo Correa/AP

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

18/02/2016 06h00

Até 2100, a temperatura da terra deve aumentar entre 2°C e 4°C e modificar bastante o planeta como o conhecemos. Isso vai piorar a proliferação do vírus da zika? Não é bem assim. Pesquisadores dizem que apenas o aumento da temperatura é prejudicial ao Aedes aegypti, que em altas temperaturas vive por menos tempo e bota menos ovos. 

Um estudo feito no ano passado no Laboratório de Dengue e Malária, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), mostrou que sob altas temperaturas (acima de 30°C) o tempo de vida das fêmeas do Aedes aegypti, responsável pela transmissão de vírus, tende a diminuir: ela vive cerca de 40 dias em vez dos normais 60 dias e botaria menos ovos, mas suga mais sangue.

O experimento foi feito em quatro salas do laboratório, que simulavam a temperatura, a quantidade de CO² e a umidade do ar de acordo com as projeções de mudanças climáticas feitas pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). Nesse cenário, o aumento de temperatura ajudaria no combate ao Aedes e no controle das doenças transmitidas pelo mosquito (dengue, chikungunya, zika e febre amarela). 

Mas nem tudo são flores. As mudanças climáticas têm intensificado as secas, assim como o calor e as chuvas em algumas áreas do globo, contribuindo para tornar esses locais perfeitos para o desenvolvimento de mosquitos, que gostam de umidade. 

Cidades “inchadas” são lares perfeitos para o Aedes

Mais chuvas sobre localidades que não possuem boa infraestrutura urbana criam “lares” perfeitos para o mosquito. “A industrialização não só aumentou as emissões de gases do efeito estufa para atmosfera, mas deslocou as populações do campo para as periferias das cidades, que incharam. Essas populações passaram a viver sob condições sanitárias precárias”, explica o pesquisador titular do Laboratório de Dengue e Malária, do Inpa, Wanderli Pedro Tadei.

Nesses locais, os criadouros estão tanto na casa das pessoas como na rua, no lixo acumulado, nas fossas inadequadas e em terrenos baldios.

“A falta de saneamento, de fornecimento de água e estoque inadequado dela são os principais elementos para a formação de criadouros”, afirma Marcelo Firpo, coordenador de Saúde e Ambiente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). Para ele, responsabilizar as famílias pela falta de controle do vetor é inadequado. “O objetivo não é acabar com o mosquito, porque ele sempre existiu na natureza, mas acabar com criadouros e com o atual nível de infestação.”

Todos esses fatores aliados ao fato de que os brasileiros circularam muito dentro do próprio território no ano passado foram responsáveis pelo surto de zika vivido especialmente no Nordeste. “O Brasil bateu recordes de turismo interno. Por causa da cotação do dólar, muita gente deixou de viajar para fora do país para viajar por dentro, para lugares onde zika estava circulando.”, acredita Christovam Barcellos, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz.

Esse El Niño

A umidade que favorece a proliferação do Aedes aegypti piora ainda mais com a ocorrência de fenômenos como o El Niño, mais forte do que nunca justamente por causa do aquecimento global. O El Niño sempre existiu. Ele nada mais é do que a compensação do aquecimento da água dos oceanos.

“Ela não aquece de maneira uniforme e cria bolsões de calor. As correntes marítimas compensam esse calor desigual e tendem a deslocá-lo do oceano Índico para o Pacífico. Quanto mais quente, mais intenso é esse fenômeno”, explica Barcellos.

Onde o verão é quente e úmido, fica ainda mais quente e úmido. E basta apenas uma semana para que aquele recipiente que ficou ao relento, durante aquela tempestade atípica, vire um lar perfeito para “bebês” Aedes se desenvolverem.