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Mães veem filhos irem do parto à UTI: "Ninguém está preparado para isso"

Juliana Castro fez um documentário para abordar o drama de mães que veem seus bebês irem direto para a UTI - Roniel Felipe/UOL
Juliana Castro fez um documentário para abordar o drama de mães que veem seus bebês irem direto para a UTI Imagem: Roniel Felipe/UOL

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

27/12/2017 04h00Atualizada em 27/12/2017 14h25

O nascimento de um filho é um dos acontecimentos mais importantes na vida de uma pessoa. Mas as coisas nem sempre saem como esperadas e podem se complicar bastante, em vez de ser um momento de plena felicidade.

No mundo, 15 milhões de crianças nascem prematuras todos os anos. No Brasil, são cerca de 340 mil anuais ou uma média de 40 nascimentos prematuros por hora.

Por não ter completado o ciclo mínimo de 37 semanas de gestação, a grande maioria desses bebês é encaminhada logo ao nascer para a UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) Neonatal. Este processo depende do desenvolvimento da criança e pode durar de alguns poucos dias a exaustivos meses.

Muitas mães se sentem desamparadas e reclamam da forma como são tratadas nos hospitais. Três personagens ouvidas pelo UOL relatam descasos e falta de sensibilidade durante um período de sofrimento de acompanhar seus filhos recém-nascidos lutando para sobreviver.

"É uma sensação completa de desamparo, de angústia, você não tem apoio nenhum", afirma Juliana Castro, 33, que dirigiu um documentário chamado "Mães de UTI - O Choro que Ninguém Ouve" para retratar esse problema.

O curta foi lançado em novembro deste ano como peça de seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) em jornalismo.

Ela mesma passou por essa triste experiência em novembro de 2011. Grávida de 31 semanas, teve de fazer um parto de emergência para dar à luz o filho Miguel, em um hospital em Campinas (SP).

A jornalista sofre de trombofilia, condição que causa espessamento do sangue e aumenta o risco de entupimento das veias. Em uma grávida, a redução do fluxo sanguíneo atrapalha a chegada de nutrientes ao feto. "Eu já tinha ficado grávida, mas perdi aos cinco meses porque não havia fluxo", conta Juliana. "Engravidei de novo um ano depois."

Por ter chegado seis semanas antes do esperado, Miguel teve de ser encaminhado imediatamente à UTI Neonatal. "Após o parto, eu recebi a notícia por meio de uma enfermeira, que me disse de forma fria que eu não poderia ficar com o meu filho", conta a jornalista. "Na hora, bate aquela ansiedade de mãe: como você deixa sua cria sob o cuidado dos outros?"

É uma sensação completa de desamparo, de angústia, você não tem apoio nenhum

Juliana Castro, diretora de "Mães da UTI"

Juliana tinha direito a duas visitas por dia à UTI, mas permanecia o dia inteiro no hospital, das 8h às 23h. Ela levava a própria comida e ficava na sala de espera, com uma televisão que mal funcionava.

Depois de pouco mais de 40 dias, notou que os dedos de Miguel estavam roxos na região das unhas. "Avisei à pediatra, mas ela respondeu, grosseira, que quem cuida é o médico", conta.

"No dia seguinte, ela veio me falar que o Miguel seria levado para a ala semi-intensiva, onde eu teria mais contato com ele. Era uma evolução, fiquei muito feliz."

Durou pouco.

Juliana foi para casa para pegar alguns objetos, mas, quando voltou, foi avisada de que o filho estava com uma bactéria e ainda teria de ficar na UTI.

Depois de duas semanas, Miguel teve uma infecção generalizada e morreu.

"Foram 17 dias de sofrimento intenso", lembra Juliana. "Eu queria uma psicóloga. A equipe multidisciplinar do hospital não tinha o menor cuidado. Eu só conseguia pensar como estava vivendo aquilo sem ajuda."

Juliana escolheu o hospital Caism, da Universidade de Campinas (Unicamp), para a gravação do documentário pelo tratamento dado às mães na UTI neonatal. "Há apoio integral às mães, com grupos, acompanhamento psicológico, local de descanso e visita 24 horas", afirma a jornalista. "É uma instituição modelo."

Danielle Mendes, 32, passou por um caso parecido no ano passado, durante o nascimento do filho, Enrico. A paulista tem útero didelfo, uma malformação congênita que resulta na formação de um útero duplo. É considerada uma gravidez de risco.

"Desde o início, eu já sabia que ele poderia nascer prematuro", conta ao UOL.

Danielle Mendes - Roniel Felipe/UOL  - Roniel Felipe/UOL
Danielle ficava das 8h às 21h no hospital para acompanhar o filho, Enrico
Imagem: Roniel Felipe/UOL

A bolsa estourou com 34 semanas. Enrico nasceu com tamanho e peso bons, mas teve de ir para a UTI pela dificuldade de respirar.

"Meu mundo literalmente caiu, eu sendo costurada após a operação e eles avisam que não posso segurar o meu filho", lembra. 

Ao todo, Enrico passou sete dias na UTI Neonatal, dois deles entubado. "Eu ficava das 8h às 21h e as condições eram horríveis", afirma Danielle. "Só tinha um banheiro coletivo para todas as mães, era só uma sala de ordenhar, super-ruim."

Felizmente, depois de uma semana, Enrico pôde ir para casa. Hoje com um ano e sete meses, a mãe conta que ele não sofreu nenhuma sequela do tempo de internação. "É uma criança grande, gordinha, graças a Deus."

Lucimara - Luis Carlos Moreira/UOL - Luis Carlos Moreira/UOL
A mãe Lucimara Paula Moraes, com a pequena Clara
Imagem: Luis Carlos Moreira/UOL
Lucimara Moraes, 33, conta que levará lembranças "desagradáveis" para o resto da vida após o parto da filha. "Você não imagina o que é ver seu filho em uma caixa transparente rodeada de equipamentos", afirma a paulista, que atualmente mora em Fortaleza.

Clara, hoje com 1 ano e três meses, nasceu com 40 cm após 35 semanas de gestação. Lucimara teve de fazer uma cesariana às pressas em setembro de 2016.

"Ela nasceu superbem, mas eu tive uma reação alérgica e dormi por cinco horas. Quando acordei, meu marido falou que ela tinha ido para a UTI por crescimento reduzido", lembra Lucimara.

Você não imagina o que é ver seu filho em uma caixa transparente rodeada de equipamentos

Lucimara Moraes, mãe de Clara

A criança não conseguia se alimentar pelo peito nem por mamadeira. "Foram os 17 dias mais difíceis da minha vida", afirma a jovem.

Ela tinha três horários de visita e o plano de saúde pagava por uma refeição. Como todas as mães, ela passava o dia no hospital.

"Meu marido voltou a trabalhar e eu ficava lá. Foi muito difícil porque ele era meu único apoio de verdade", afirma Lucimara.

Depois de 17 dias de amamentação por sonda, Clara foi liberada para ir para casa. "O maior alívio da minha vida. Até hoje é uma luta porque ela é preguiçosa para comer, continua pequena. Mas está muito bem de saúde."

"Não me ofereciam nem uma cadeira"

A maior reclamação entre as mulheres que passam por esta experiência é a falta de apoio por parte dos hospitais. "Eles oferecem todo o apoio para o bebê, mas para a mãe, nada", afirma Danielle.

"Havia poucas horas que eu tinha sido operada e eu tinha de ficar lá em pé esperando, não me ofereciam nem uma cadeira."

Danielle conta que chegou a brigar com uma assistente social. "Ela me tirou do meu quarto porque haviam outras mães com bebês", revela. "Ela me disse que não poderia ficar lá porque eu estava sem a criança, mas eu ia ficar aonde?"

Lucimara e Clara - Luis Carlos Moreira/UOL - Luis Carlos Moreira/UOL
Depois de 17 dias de amamentação por sonda, Clara foi liberada para ir para casa
Imagem: Luis Carlos Moreira/UOL

As três tiveram seus partos em Campinas, mas não no mesmo hospital. "Geralmente, não há lugar para descanso, você fica na sala de espera ou em pé mesmo. Eu descansava na capela do hospital, era muito difícil", lembra Lucimara. "Todas as mães passam por isso. No final, uma apoia a outra."

"É muito difícil que ofereçam apoio psicológico", afirma Juliana. "A gente precisa falar sobre isso, por isso fiz o documentário. É o momento mais importante da sua vida e você está lá, largada."

Elas também relatam a angústia por não poderem ajudar seus filhos em um momento tão crítico. Enquanto Miguel estava internado, Juliana conta que só comia arroz e feijão. "Não comia nada que desse prazer, eu me negava a sentir prazer enquanto meu filho estava ali."

"Todo o processo faz a mãe se sentir muito incapaz, mesmo a gente não tendo culpa", afirma ela. Em 2012, após a morte do filho, passou por uma crise de depressão. "Engordei muito, não queria falar no assunto, só ficava em casa. Só saí dessa graças ao apoio da minha mãe, que voltou a morar comigo."

"Eu tinha muito medo que ele não sobrevivesse, não conseguia pensar em outra coisa, fazer mais nada", afirma Danielle. "Será que vai ficar sequela? Será que ele vai atingir o peso? Tudo me causava pânico."

"A gente aprende a conferir monitor, a saber qual é o fio azul, qual é o amarelo antes de aprender a amamentar, a trocar fralda. É muito duro", afirma Lucimara. "Ela me olhava com aqueles olhinhos... Simplesmente não conseguia fazer mais nada e ninguém te dá colo."

"Todo mundo liga a UTI ao fim da vida, mas nesse caso é o contrário, é começar a vida de uma maneira diferente", afirma Juliana. "Ninguém está preparado para isso. Mas deviam nos ajudar, deviam oferecer apoio para nos preparar."