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Tortura ou cura para depressão? O que é e como funciona o eletrochoque

Enfermeiros atendem um paciente que recebe tratamento com eletrodo em hospital psiquiátrico, em imagem sem data - Kurt Hutton/Getty Images
Enfermeiros atendem um paciente que recebe tratamento com eletrodo em hospital psiquiátrico, em imagem sem data Imagem: Kurt Hutton/Getty Images

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

16/02/2019 04h00Atualizada em 13/05/2020 00h16

De um lado, o sonho de sair do quarto, voltar a trabalhar e se relacionar socialmente; do outro, o pavor de ser amarrado a uma cama sujeito a convulsões involuntárias. A polêmica divulgação pelo governo federal de uma "nota técnica" prevendo a compra de máquinas de eletrochoque para o SUS gerou tanta controvérsia que o Ministério da Saúde tirou o documento de sua página na internet.

Associada à tortura dentro e fora dos hospitais psiquiátricos nos anos 1960 no Brasil, quando pacientes precisavam ser amarrados, a técnica mudou ao longo dos anos. "Não é como antigamente, quando uma corrente continua era ligada à tomada", diz Sergio Rigonatti, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

A eletroconvulsoterapia - como o procedimento agora é chamado - promete melhorar o humor de 9 a cada 10 pacientes. Além disso, o procedimento pode significar o fim da angustia para cerca de 10,5 milhões de brasileiros que hoje sofrem de um tipo de depressão tão profunda que os remédios já não surtem efeito.

Para Marisa Helena Alves, do Conselho Federal de Psicologia, porém, o país teria dificuldades para controlar o uso de eletrochoque. "Em dezembro de 2018, fizemos uma inspeção em hospitais psiquiátricos em todo o país. Onde havia eletrochoque, ele era frequentemente usado para tortura e intimidação."

Hoje, o procedimento em clínica exige que o paciente chegue ao hospital em jejum, quando então é levado para uma sala onde recebe anestesia geral e relaxante muscular. Dois eletrodos são colocados nas têmporas para que um estímulo elétrico provoque convulsões registradas apenas no eletroencefalograma.

Aplicada até três vezes por semana, a eletroconvulsoterapia dura pouco mais de um minuto. O paciente terá de esperar cerca de 45 minutos para sair da anestesia, fazer o desjejum e ser liberado.

A possibilidade de uso da técnica pelo SUS mobiliza especialistas tanto contrários ao uso como a favor. O UOL conversou com dois deles.

O que pensam os especialistas?

"Sou a favor"

Sou a favor por que são raros os pacientes não que não melhoram. O sucesso no HC [Hospital das Clínicas de São Paulo] beira os 98%. O humor da pessoa melhora, ela volta ao trabalho e ao convívio social. O tratamento não é para qualquer um, mas apenas para quem os remédios para psicose e depressão não funcionam. Mesmo assim, fazemos uma bateria de exames que podem durar meses: analisamos o uso anterior de medicamentos e até o histórico familiar. Além disso, os aparelhos foram aperfeiçoados. Não é como antigamente, quando uma corrente continua era ligada à tomada. Hoje o aparelho libera impulsos na quantidade exata para o paciente. O que existe é um estigma grande em razão de torturas praticadas no passado. Quando você dá um choque no coração para reanimar alguém, ninguém acha ruim. Mas no cérebro... As pessoas consideram muito nobres as funções cerebrais porque é onde estaria a consciência do 'eu'."

Sergio Rigonatti, coordenador do Serviço de Eletroconvulsoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo

"Sou contra"

Sou contra por que a nota técnica do governo não menciona a necessidade de um centro cirúrgico, a presença de um anestesista e nem de um clínico geral. Mesmo que essa humanização estivesse na nota, há muita gente que burla as leis no Brasil. Em dezembro de 2018, fizemos uma inspeção em hospitais psiquiátricos em todo o país. Onde havia eletrochoque, ele era frequentemente usado para tortura e intimidação. Os cuidadores ameaçam os pacientes dizendo que podem fazer uso do aparelho se eles não colaborarem, não ficarem quietos. É um aparato carregado da ideia de exclusão; a de que o paciente deve receber mais castigo do que cuidados. Considerando a história do eletrochoque, nossas inspeções e meus quase 40 anos de profissão, eu sou contrária o uso do aparelho"

Marisa Helena Alves, psicóloga conselheira do Conselho Federal de Psicologia e representante da instituição no Conselho Nacional de Saúde