"Estímulo ao preconceito": como soropositivos reagiram à fala de Bolsonaro

Resumo da notícia
- Para Bolsonaro, pessoas com HIV são uma "despesa para todos no Brasil"
- Soropositivos criticaram o teor da fala do presidente da República
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, nesta semana, que uma pessoa portadora de HIV é "despesa para todos no Brasil". As palavras do presidente geraram críticas de organizações da sociedade civil que lutam contra a estigmatização das pessoas que convivem com HIV.
Essa, porém, não foi a primeira vez que Bolsonaro fez declarações a respeito de portadores de HIV. Em 2010, o então deputado federal caminhava pelo Congresso quando foi interpelado por Monica Iozzi, que trabalhava como repórter do extinto humorístico CQC, da TV Bandeirantes.
"[O poder público] tem que atender realmente a quem, num caso infortúnio, contrai uma doença. Não para esse pessoal que vive tomando pico na veia, ou vive na vida mundana e depois querer [sic] cobrar do poder público um tratamento que é caro nessa área aí [HIV]", disse o agora presidente da República.
"Se não se cuidou....", disse a repórter, logo complementada por Bolsonaro: "Problema dele!".
A Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), do HIV/Aids e Hepatites Virais no Congresso também se manifestou.
"O preconceito, a mentira, o estímulo à ignorância, a segregação e estigmatização por parte do chefe do Poder Executivo não pode ser tolerada, pois ofende a dignidade da pessoa humana, avilta milhares de cidadãos e cidadãs brasileiros e aprofunda, ainda mais, a tragédia do nosso tempo", diz nota divulgada pela Frente.
O UOL conversou com cinco soropositivos para saber como eles receberam a declaração do presidente Jair Bolsonaro:
Jorge Beloqui, 70, professor de matemática na Universidade de São Paulo
As pessoas, quando têm o vírus, muitas vezes não são acolhidas por suas famílias. Caem no estigma de que 'ou é homossexual, ou é puta'. Na medida em que essas pessoas são estigmatizadas, elas não procuram prevenção, não procuram tratamento e assim a epidemia se expande.
Meu conselho ao presidente é que ele faça o contrário. Ele tem de estimular um ambiente de solidariedade com todas as pessoas que precisam de tratamento de saúde, incluindo os portadores de HIV.
Américo Nunes, 58, coordenador do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids)
Existe uma diferença grande entre os poderes estaduais e municipais e o federal em relação às políticas de prevenção ao HIV. Os primeiros têm avançado bastante, tem acompanhado a situação, dialogam com os movimentos e representantes das organizações. Com esse discurso do presidente, as pessoas que têm vontade de fazer um diagnóstico precoce, começar um tratamento, acabam se retraindo.
O presidente esquece que o SUS [Sistema Único de Saúde] preconiza a participação social, e o que nós fazemos é um controle social, e vamos continuar assim. O governo passa, mas os movimentos sociais permanecem.
Jenice Pizão, 60, fundadora do MNCP (Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas)
Não existe só um tipo de pessoa que vive com o HIV, existem homens, mulheres, gays, com muitos parceiros, com um parceiro só. A infecção não é pela quantidade de parceiros, e sim pela vulnerabilidade da pessoa frente ao vírus. Ele [Bolsonaro] faltou nessa aula.
Por causa das falhas de informação nesse sistema de cuidados do ministério da Saúde deveria ter e não tem, a gente só vê aumentar o estigma. Isso vai na contramão da história, se existe preconceito, segregação, é porque as pessoas são mal informadas. E aí nós escutamos o presidente da República falando que se gasta demais com as pessoas que convivem com HIV. Parece que a culpa do déficit do Estado brasileiro está nas costas de quem vive com HIV.
Se você é uma pessoa desavisada, e escuta isso [a frase de Bolsonaro], você vai querer se conscentizar da importância de usar preservativo, ou de fazer uma PreP [Profilaxia Pré-Exposição de risco à infecção pelo HIV]?
Rosildo Inácio da Silva, 45, ativista da RNP+ (Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids)
Eu descobri que sou soropositivo em 2004, e, desde 2012, entrei para a representação aqui no Distrito Federal [Rosildo é representante da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV na região Centro Oeste]. Desde que comecei a atuar na Rede percebi melhor o preconceito, porque a ideia dessa organização é justamente mostrar para as pessoas que elas têm direitos, garantir para elas o acesso aos medicamentos, por exemplo.
Esse tipo de fala como a do presidente também só aumenta as dificuldades que temos aqui no Brasil, a gente está muito temeroso. Primeiro, ele [Bolsonaro] acabou com o Departamento de HIV [em maio do ano passado, o presidente extinguiu o Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), AIDS e Hepatites Virais, e o transferiu para outro mais amplo, denominado Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis], agora isso.
Augusto Menna Barreto, 43, coordenador da área de HIV/Aids da Aliança Nacional LGBTI
A frase vem justamente em um momento onde faltam insumos para prevenção — como camisinhas e gel lubrificantes —, quando o governo federal cancelou um edital para implementar testes, e principalmente, e, o mais grave, quando, em janeiro, faltaram antirretrovirais em pelo menos seis Estados brasileiros do Sul e Sudeste.
A fala do presidente, assim como o desmonte das políticas para HIV/Aids, significa para as pessoas que vivem com HIV/AIDS fator de forte desestabilização; e pode levar a conflitos emocionais que podem levá-la a interromper ou descontinuar o Tarv [terapia antirretroviral]. Para as pessoas que vivem com o HIV, a frase soa como "vocês não merecem viver".
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