Passo os olhos pela bancada do banheiro e vejo tanto produto que não preciso. Aí, vejo o essencial, o indispensável Lysoform. E pensar que até outro dia eu não conhecia Lysoform. Boto os mantras do Dalai Lama e fico limpando meu banheiro, o chuveiro, a maçaneta.
Não estou lendo notícia econômica, nem fico vendo GloboNews e CNN o dia inteiro. Seria como ter boletins de meia em meia hora do manicômio. À noite, assisto bastante. Mas, 21:30, eu apago a TV e o celular para ler o meu livro.
Vou começar a ler o "Decameron", que Boccaccio escreveu no século 14 e que relata o cotidiano de dez pessoas trancadas numa vila italiana contando histórias umas às outras para passar o tempo pois estão fugindo da peste em Florença.
Esta quarentena será o que fizermos dela. Ela será uma para quem fica matando o tempo e outra se você não matar e sim nascer com o tempo.
Dizem que William Shakespeare escreveu "Rei Lear" e "Macbeth" numa quarentena. Isaac Newton fez descobertas incríveis numa quarentena. E eu usei o Google para pegar esses dados e parecer bem culto!
Troco informação com meu grupo de infectados no WhatsApp — outra grande ideia. Não dá para enlouquecer de vez nessa loucura.
Tenho evitado amigos tóxicos também. Gente inteligente e profunda 24 horas na quarentena não dá. Poker, buraco, tranca dá.
Tem uma amiga minha que me ligou para saber meus sintomas porque ela acordou mal, e aí eu descobri que na noite anterior ela não dormiu e encheu a cara...
Hoje é segunda-feira de quarentena. Só que ela é igual ao sábado, ao domingo. Os minutos têm 60 segundos, as horas têm 60 minutos, o dia tem 24 horas.
Tenho dedicado o meu dia a dia para pensar neste mundo parado e de ruas desertas, o que aconteceu, o que nos trouxe até aqui e que lição nós vamos tirar desta maluquice letal.
A reflexão de hoje direto da quarentena é que o que é importante na vida é essencial na vida, ou então, não é importante. Lysoform e produtos desinfetantes são importantes.
Amigo, eu sou o Tom Hanks de "O Náufrago" (veja o filme). Vamos nos afeiçoar por bolas, por caixas, pelo que pode nos ajudar, como no filme.
Abandonar meu hábito de roer a unha é vital. Acreditar em Deus, para mim, é fundamental, porque evita que a gente se ache Deus. E nós, humanos, estamos achando que somos Deus. Só se fala em inteligência artificial, mesmo que ela vá desempregar metade da humanidade. Nossa! Que grande ideia! Ai não vamos poder sair na rua para sempre.
Donata e eu estamos de quarentena. Eu testei positivo. E o exame dela deu negativo. Pela primeira vez na vida deu assim. Tudo nela nessa vida é positivo. Incrível que o mesmo Deus fez a mim e a ela. O fato é que ser mais leve como Donata é essencial nesta quarentena e na vida que teremos depois desta quarentena.
Eu só não saio da maioria dos meus grupos de WhatsApp para não ficar chato. Eles estão na pauta de quem não pegou o vírus. Imagina Tom Hanks náufrago num grupo desses de WhatsApp contando seu relacionamento com a bola e perguntando como se faz fogueira, como chama a atenção de navio ou como abre um coco.
Meu querido Washington Olivetto, o maior publicitário de todos os tempos, conta pra gente como você fazia no sequestro.
Essencial, meu amigo, minha amiga, é o Lysoform, que ganha a vida com o lindo e sublime propósito de matar os germes.
Essencial vai ser buscar o que realmente é essencial.
Essencial é pensar no outro, do que será o coronavírus na favela. Essencial é acabar essa desigualdade social infame. Essencial é saúde, amor, família, amigos.
Essencial é transformar a quarentena em quaresma. Não é coincidência que estejam acontecendo no mesmo período.
Deus está mandando uma mensagem de Páscoa, e a mensagem não é compre um ovo de Páscoa.
*Nizan Guanaes é publicitário e sócio-fundador do Grupo ABC
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