Só covid já interna quase a mesma quantidade de outros vírus respiratórios
Em março deste ano, o número de internações por Sars-Cov-2, o novo coronavírus que provoca a covid-19, foi quase o mesmo que o total de internações por todas as síndromes respiratórias registradas no mesmo mês de 2019. Além disso, as internações por síndromes respiratórias como um todo tiveram um salto de mais de seis vezes, em um mesmo período de tempo.
Segundo dados do Ministério da Saúde, entre as semanas epidemiológicas 10 e 13, que correspondem aos dias de 1º a 29 de março de 2020, houve 3.849 internações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) com resultado positivo para o novo coronavírus.
No mesmo período de 2019, ocorreram 3.991 internações para SRAG como um todo — incluindo, portanto, diversos outros vírus. A maioria desses casos foi de Influenza A, causada pelo vírus H1N1, segundo informações do site Infogripe da Fiocruz.
O número total de internações por SRAG em março deste ano foi de 24.044, um salto de mais de 6 vezes em relação ao ano passado. O Sars-Cov-2 foi o principal responsável por essas internações (3.849 casos, como informado anteriormente), seguido das Influenzas A e B, com 519 internações. Outros tipos de vírus correspondem a 644 hospitalizações.
Contudo, ainda há um número muito alto de internações em investigação — 20.473 de mais das mais de 24 mil estavam em análise, segundo balanço do dia 13 de março do Ministério da Saúde.
A chegada do coronavírus explica o aumento significativo dessas hospitalizações, como já informou o governo federal, porém, especialistas alertam que também houve neste ano um surto adiantado de Influenza. Já em fevereiro, a procura pelo serviço de saúde, devido a gripes por H1N1, estava crescendo.
"Com certeza tem uma parcela disso que pode ser da covid, mas temos que lembrar que, neste ano, o [vírus] Influenza chegou mais cedo nos outros países e provavelmente está chegando aqui também. Há ainda outras doenças respiratórias que estão se manifestando", explica ao UOL Natanael Adiwardana, infectologista especializado pelo hospital Emílio Ribas,.
Segundo o infectologista, é comum que o número de hospitalizações por problemas respiratórios aumentem com a chegada do outono, devido ao clima mais seco, porém o novo coronavírus tem puxado o pico mais para o alto e mais cedo.
"Na época do outono, há muito mais poeira e restos de pó no ar, então os sintomáticos respiratórios, ou seja, as pessoas que têm asma, bronquite e rinite, geralmente ficam com a doença um pouco mais exacerbada mesmo. Isso já aumenta o atendimento por causas respiratórias. Mas, realmente, estamos percebendo que está acima do padrão esperado", pontua.
Vírus sem diagnóstico
Há uma grande quantidade de internações por SRAG que não possuem diagnóstico, já que nem todos os vírus são testados. Segundo dados do Infogripe, em 2019, mais de 300 hospitalizações de março não tiveram as investigações concluídas e em mais de 700 não houve testes laboratoriais.
De acordo com o epidemiologista da USP (Universidade de São Paulo) Eliseu Waldman, muitos vírus respiratórios não são testados, pois não costumam apresentar quadros mais graves e o tratamento é mais simples.
"A quantidade de vírus respiratórios que podem determinar esse tipo de internação é muito grande", afirma Waldman. "Com os vírus que costumam resultar em quadros mais graves, como as Influenzas, é possível ter quadros diagnosticados. Os outros vírus têm condições [de diagnosticar], mas a maioria dos laboratórios não o faz e, para o tratamento clínico, a informação sobre eles não é tão importante, não muda o tratamento."
Ou seja, entre as mais de 20 mil internações que ainda estão em investigação, há chances de mais pessoas terem o coronavírus detectado por exame, assim como muitas podem continuar sem diagnóstico.
"Às vezes a gente vê pessoas tendo a síndrome gripal, ou seja, teve dor no corpo, teve febre, o pulmão ficou superinflamado, mas se submeteu ao teste para covid e [o resultado] deu negativo por duas vezes. Então, provavelmente pode ter sido outro vírus, só que como a gente não tem o exame não pode falar qual", diz Adiwardana.
De acordo com o infectologista, o sistema público de saúde não tem o exame chamado de painel viral, que detecta outros vírus como rinovírus e metapneumovirus, então muitas síndromes respiratórias não recebem diagnóstico.
Pico mais cedo
Além de estar em um número seis vezes maior em relação a 2019, essas internações fizeram com que o pico chegasse mais cedo neste ano.
Nos anos anteriores, o pico de hospitalização por SRAG aconteceu perto da 20ª semana epidemiológica, entre o fim de maio e começo de junho. Agora, ocorreu nas 12ª e 13ª semanas, que tiveram, juntas, 19.106 hospitalizações.
Segundo Waldman, nada impede que o Brasil tenha um segundo pico quando se aproximar da 20ª semana epidemiológica, pois os demais vírus respiratórios continuam circulando, assim como o novo coronavírus.
"Corre o risco de ter dois picos. Pelo acirramento dos casos de coronavírus, provavelmente vamos ter um [primeiro] pico agora entre o começo de maio e o fim de abril, e ter o outro pico associado aos outros vírus respiratórios que tem sazonalidade entre o fim do outono e começo do inverno."
Para Adiwardana, é justamente pelo risco de aumentar as internações pelos outros vírus respiratórios que é necessário achatar a curva de contaminação do coronavírus. Caso contrário, o sistema de saúde não irá suportar a demanda.
"Essa foi a grande preocupação do ministério para ter antecipado a vacinação da Influenza", explica. "Porque, diante de todos aqueles estudos matemáticos que preveem uma vigência maior sob a demanda que a gente já tem regularmente no sistema saúde, você começa a ter um pico de outras doenças que não deveria ter. Isso vai se somando e sobrecarrega ainda mais o sistema".
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