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Covid-19: isolar apenas grupo de risco afetaria ao menos 1 em 4 adultos

24.mar.2020 - Governo de São Paulo decreta fechamento total de serviços não essenciais - Reinaldo Canato / UOL
24.mar.2020 - Governo de São Paulo decreta fechamento total de serviços não essenciais Imagem: Reinaldo Canato / UOL

Gabriela Sá Pessoa

Do UOL, em São Paulo

21/04/2020 04h00

Adotar uma política de distanciamento social que isolasse, além de idosos, pessoas com alguma comorbidade que as colocassem entre a população mais vulnerável para contágio por covid-19 significaria manter ao menos um quarto da população adulta brasileira em casa. Esse é o tamanho da prevalência apenas da hipertensão, um dos chamados fatores de risco, entre os maiores de 18 anos no país: 24,7%.

Se considerados outros fatores, como a diabetes, o número de pessoas seria de 7,7% da população adulta. Já a obesidade afeta 19,8% dos brasileiros e brasileiras. Os dados são da última pesquisa Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), publicada pelo Ministério da Saúde em julho de 2019 com base em dados de 2018.

A possibilidade de redução do isolamento social para apenas pessoas mais vulneráveis à contaminação pelo novo coronavírus tem sido sugerida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) há semanas, e pode ganhar forças com a posse do novo ministro, o oncologista Nelson Teich. O distanciamento social foi um dos pontos nevrálgicos da desavenças do presidente com o antigo titular da pasta, Luiz Henrique Mandetta, demitido na quinta (16).

"Essa briga de começar a abrir para o comércio é um risco que eu corro, porque, se agravar, vem para o meu colo", disse o presidente, que continuamente ataca governadores e prefeitos que adotaram políticas de restrição da circulação. Bolsonaro já defendeu publicamente o isolamento vertical, que manteria em casa apenas idosos e portadores de doenças crônicas.

A Vigitel é realizada anualmente pelo Ministério da Saúde e é a fonte de dados com abrangência nacional mais atualizada sobre doenças crônicas. O estudo, porém, tem limitações: as 33,3 mil entrevistas são realizadas por telefone apenas nas 27 capitais, o que exclui moradores de outras cidades e os que não possuem linhas telefônicas.

Pessoas do chamado grupo de risco têm mais chances de desenvolver complicações caso sejam contaminados pelo novo coronavírus porque têm menor capacidade imunológica de impedir que a infecção avance para uma uma síndrome respiratória aguda grave.

No Brasil, a prevalência de doenças crônicas é maior quanto maior a idade e menor a escolaridade. Os que têm até oito anos de escolaridade são maioria entre hipertensos (42,5%), diabéticos (15,2%) e obesos (24,5%).

Dados de letalidade do coronavírus divulgados diariamente pelo Ministério da Saúde apontam que, na média, 72% das pessoas que morreram apresentavam ao menos um fator de risco. Entre os fatores de comorbidade, a cardiopatia é a mais frequente — foi identificada em 760 óbitos até quinta (16). Na sequência, a lista apresenta 584 vítimas com diabetes.

As estimativas, no entanto, não são uma sentença de morte. Em São Paulo, um técnico de enfermagem de 42 anos, diabético e hipertenso, sobreviveu à covid-19 após ter passado alguns dias hospitalizado em UTI. Os números, ainda assim, indicam um fator a mais de atenção para um grupo que deve ser especialmente mais rigoroso com as regras de distanciamento social.

"Todas as condições [de comorbidade] colocadas, isoladamente, devem ser consideradas. Um jovem diabético, um jovem hipertenso, um jovem no curso de um tratamento imunossupressor. Essas condições, independentemente da idade, caracterizam situações de risco", afirma o médico sanitarista Antonio José Leal Costa, diretor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

"Por serem condições crônicas, o que a gente percebe no desenvolvimento dessas é um processo inflamatório que permanece ativo no organismo", diz.

Mesmo considerando apenas as vítimas com doenças crônicas, a idade continua sendo o principal agravante em casos fatais já registrados no país.

"O risco de um idoso com mais de 80 anos, diabético e hipertenso, não seria equivalente à soma de riscos individuais. Tem um sinergismo: essas condições, presentes, tornam o risco de um desfecho grave maior ainda, porque esses riscos interagem", afirma Costa.

Falta de estudos

Marcelo Mori, coordenador da força-tarefa da Unicamp contra covid-19 e especialista em biologia molecular e metabolismo, avalia que a relação direta de covid-19 com comorbidades ainda não está clara nos artigos científicos.

"Não há um estudo muito claro dizendo o seguinte: as comorbidades, por si só, como hipertensão, definem o risco de covid-19. Pode ser que o que define o risco é o envelhecimento, e as comorbidades aparecem com mais frequência nos indivíduos com quadro grave porque boa parte deles são idosos. E porque as próprias doenças cardiovasculares e metabólicas já são uma manifestação de envelhecimento precoce", diz Mori.

O que é consenso entre os especialistas ouvidos pela reportagem é que afrouxar as regras de distanciamento social ou adotar o isolamento vertical, mantendo em casa apenas quem está no grupo de risco, é inadequado neste momento da epidemia.

Em primeiro lugar, faltam testagens em massa para identificar o real tamanho da contaminação. Depois, o contingente de adultos que está no grupo de risco — idosos e portadores de doenças crônicas — representa, por si só, uma parcela significativa da população.

"Neste momento, o isolamento deve ser geral. Tem essa polêmica, e aí começam os termos 'isolamento vertical', 'horizontal'. Estamos passando pela transição da fase inicial e intermediária para a ascensão da incidência de casos. A gente não quer exatamente interromper a epidemia, mas achatar a curva", afirma Costa.

"No isolamento vertical, só os grupos de risco estarão isolados, o restante não. Mas o restante, inevitavelmente, vai ter contato com esses grupos [com comorbidades]", diz o pesquisador da UFRJ.

Novo ministro propôs "isolamento inteligente"

Escolhido por Bolsonaro para substituir Mandetta, o oncologista Nelson Teich seguiu o mesmo argumento em um artigo sobre coronavírus que publicou no dia 3 de abril em uma rede social. Escreveu que o isolamento vertical tem fragilidades e não é uma solução para a pandemia.

"Sendo real a informação que a maioria das transmissões acontecem a partir de pessoas sem sintomas, se deixarmos as pessoas com maior risco de morte pela covid-19 em casa e liberarmos aqueles com menor risco para o trabalho, com o passar do tempo teríamos pessoas assintomáticas transmitindo a doença para as famílias, para as pessoas de alto risco que foram isoladas e ficaram em casa. O ideal seria um isolamento estratégico ou inteligente", defendeu Teich.

A solução "inteligente", afirmou, envolve testes em massa para covid-19 e de estratégias de rastreamento de dados de telefones celulares.

Na cerimônia de posse, na sexta-feira (17), Teich saiu pela tangente ao falar do fim do distanciamento social. Disse que, independentemente de quem apoia ou critica isolamento vertical ou horizontal, a prioridade é o lado humano. "Não importa se é saúde ou economia, não importa o que você fala, o final é sempre gente", declarou.