Maior cemitério de SP tem fila de velórios de vítimas de covid-19
Resumo da notícia
- Maior cemitério da cidade monta tendas para velórios de covid-19 a céu aberto, mas medida não dá conta da demanda
- Filas revoltam familiares que aguardam nos carros para realizar cerimônia de dez minutos de duração
- Parente de vítima chama espera de "drive thru de velório"
- Mas a partir deste sábado esta realidade muda. A prefeitura passa a proibir velórios e São Paulo terá enterros expressos
O estacionamento do Cemitério Vila Formosa 2, em São Paulo, perdeu duas vagas para uma tenda verde que faz sombra sobre dois cavaletes. Eles amparam os caixões de mortes confirmadas e suspeitas da covid-19 em velórios feitos a céu aberto. Afastados das demais cerimônias, familiares expressam as dores da morte em forma de negação ["não é verdade"], revolta ["isso é injusto"] e resignação ["Deus sabe o que faz"].
A morte é recente e o verbo, sempre no presente.
Esta era a situação de quinta-feira à tarde no Vila Formosa 2. Mesmo com outra tenda ao lado do prédio da capela permitindo velar dois corpos simultaneamente, uma família aguardava nos seus carros sua vez.
Um homem que usava a camisa do Corinthians para celebrar uma vida de parceria nas arquibancadas estava irritado. Ele não quis dizer o nome, mas não escondia que se sentia desrespeitado. "Agora tem drive thru de velório", repetia.
O adeus pode reunir no máximo dez pessoas, e a duração é bastante curta. Ainda assim, há filas em determinados horários. Os motoristas de funerárias sabem dessa realidade e chamam o Vila Formosa de cemitério da covid. A quantidade de tendas dobrou para quatro ontem, quando os velórios se deram no Cemitério Vila Formosa 1.
O cemitério é o maior do Brasil, com extensas ruas internas unindo vários setores. Isto permite separar os velórios de vítimas de covid-19 e manter a segurança. Mas nem o aumento da capacidade de velórios deu conta da demanda na sexta-feira.
Eram 10h e o professor Leandro Mello, 37, junto da família, pegava fila para se despedir do avô Antônio Mello, 88. Ele foi internado no sábado e ontem seus pulmões sucumbiram ao coronavírus.
Ter que esperar não incomodou Leandro. Ele estava mais impressionado com o que viu no caminho até a tenda. Para chegar ao local é preciso passar por parte das 13 mil covas que a prefeitura está abrindo no sistema funerário de São Paulo.
"Você vê máquinas trabalhando, filas de covas e um monte de flores frescas. Tem ocorrido muitos enterros".
Ele se referia às três escavadeiras que abrem sepulturas criando montes de terra fofa. Os holofotes que estão armazenados para permitir enterros na madrugada sugerem uma situação que faz Leandro lamentar pela dor que outros poderão passar.
Anderson Sampaio Falcão estava triste por outro motivo. Velava uma parente enrolada num saco. Marta Regina Marinho, 58, morreu na madrugada e o hospital só esperou ele reconhecer o corpo dela para fechar o caixão. Não houve oportunidade de vestir, dar banho ou colocar um crucifixo junto a Marta.
O velório não pode passar de dez minutos e teve chamada de vídeo porque familiares idosos não podem comparecer. Choravam igual pela tela do celular.
São Paulo não terá mais velórios
O perigo de contaminação no cemitério é uma possibilidade. Os funcionários do sistema funerário têm medo e muito trabalho a fazer. Os motoristas não transportam mais de cinco mortos em dias comuns, mas agora se acostumaram a fazer oito viagens. O alarme gerado pela morte faz famílias tomarem decisões erradas e na quinta um caixão era menor que o corpo.
Os parentes estavam angustiados porque o cemitério fecha às 18h e já estava ficando escuro. Os coveiros tranquilizaram todos avisando que ficariam o tempo necessário, nem que a cerimônia ocorresse à luz de lanternas e celulares.
Há tempos de solidariedade e tempos de pulso firme no Vila Formosa. Um funcionário explica que, quando muitos caixões chegam ao mesmo tempo, alguns corpos seguem direto para sepultura, o que revolta familiares. Mas o trabalhador justifica que são poucas tendas e 25 sepultamentos diários para mais de um vírus perigoso.
O coronavírus, que provoca filas e enterros expressos no Cemitério Vila Formosa, levou a prefeitura a comprar oito câmaras frias para armazenar corpos e abrir 13 mil covas. A doença também causa dor e choro. Pessoas desesperadas que se abraçam de máscaras vivendo o luto indesejado.
Mas a rotina dos cemitérios vai mudar. A prefeitura criou um plano de contingência e ergueu duas tendas que, juntas, têm as dimensões do galpão de empresa grande. O local será chamado de centro de logística, um eufemismo para armazenar corpos em câmaras frigoríficas antes despachar para enterro sem velório. Os funcionários do Cemitério Vila Formosa não sabem como será a partir de hoje, quando o plano começa a ser colocado em prática.
Março terminou com velórios com caixão lacrado sendo o normal. Abril termina com uma atualização: o novo normal é enterros sem velórios. Como visitas às UTIs são proibidas em tempos de coronavírus, o momento da internação pode ser a última vez que se vê um familiar.
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