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Cidade de SP está à beira do colapso nas UTIs mesmo antes do pico da covid

Profissional de saúde com roupa de proteção trabalha em hospital Imagem: RICARDO MORAES

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

30/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • O governador João Doria disse que São Paulo está entrando na fase mais dura e preocupante da pandemia
  • Trabalhadores da linha de frente, especialistas e os números dão razão à declaração
  • Ontem, 85% dos leitos de UTI da rede pública estadual destinados ao tratamento da covid-19 estavam ocupados
  • Especialistas dizem que o governo de São Paulo deveria ter aberto mais leitos de terapia intensiva
  • O Sindicato dos Médicos de São Paulo criticou duramente Bolsonaro por não trabalhar pelo isolamento social

A luz do giroflex da ambulância parada em frente à emergência cria riscos vermelhos na parede do Hospital Municipal de Parelheiros. No interior, canos que saem de um aparelho são presos por esparadrapos ao nariz e à boca de um homem amarrado na maca. Os tubos empurram os lábios para dentro da boca e o rosto imita a imagem de quem suga os lábios e crava os dentes neles. Mas a expressão de desconforto causada pelo respirador móvel é irrelevante.

Um pulmão com covid-19 é como um balão muito duro de encher. Precisa de muita vazão e força para o oxigênio entrar, preencher e inflar o espaço. O ventilador móvel faz este papel. Mantém o fio de vida de alguém com os pulmões infestados de coronavírus.

A vaga na UTI do hospital é a esperança de cura nesta disputa entre paciente entubado e doença. Este confronto está cada vez mais frequente nos hospitais da cidade de São Paulo. A região metropolitana tem 85% dos leitos da rede estadual ocupados.

Ao avaliar o estágio da pandemia, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse que está se iniciando "a fase mais dura e mais difícil da infecção e número de mortos". A enfermeira da ambulância que transportou o homem intubado, outros profissionais que trabalham na linha de frente dos hospitais e especialistas concordam com o governador. A rotina das unidades de saúde fala por si.

Os funcionários que transportaram o homem intubado saíram da UPA de Guaianases, zona Leste de São Paulo, rumo ao hospital de Parelheiros, extremo Sul da cidade. Numa metrópole, deslocamentos assim têm a distância de uma viagem. Foram 63 quilômetros.

Ambulância precisou percorrer 63 quilômetros para encontrar leito de UTI em São Paulo Imagem: Felipe Pereira

Sistema congestionado

A necessidade de rodar tanto é consequência da pressão no sistema de saúde. Os médicos da UPA ficam com o paciente de covid-19 intubado por no máximo três dias. Nesse intervalo, requisitam à central reguladora uma vaga de UTI em hospital. Esta central controla os leitos de toda a cidade e a necessidade de mandar um paciente em estado grave para tão longe escancara a lotação.

O diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Gerson Salvador, recebe relatos de médicos de toda a São Paulo e afirmou que a situação é grave. "Estamos na iminência de colapso do sistema de saúde. Pode acontecer dentro dos próximos dias ou das próximas semanas. O cenário pode piorar muito."

Quem está na linha de frente já sente os efeitos. A enfermeira da ambulância responsável pelo transporte do homem intubado monitorou o paciente por uma hora e meia. No destino, ela passou a alternar picos de indignação e resignação. Hora olhava pelo lado ruim, o de não haver nenhuma vaga de UTI no restante da cidade. Depois, agradecia por ainda existir leito em algum lugar.

O hospital de Parelheiros é referência no tratamento de covid-19, o que justifica a procura. O hospital Geral do Grajaú, não. Mesmo assim, recebe cada vez mais pacientes.

Uma enfermeira voltou ontem do afastamento por suspeita de coronavírus e se surpreendeu com a quantidade de pacientes. Duas médicas logo explicaram que um dos dois setores da emergência foi reservado apenas para a doença. Não precisou falar mais nada.

As médicas concordavam com a declaração do governador de que a cidade começa a enfrentar a fase mais dura da pandemia, mas ressaltam que a constatação tem um atraso. A etapa se iniciou no final de semana. No Hospital Geral Vila Penteado uma médica foi categórica e afirmou que Doria está completamente certo.

O secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido, observou mudança no panorama da pandemia na última sexta-feira. Ele disse que houve um agravamento da crise e que o mês de maio será problemático.

"Temos, desde sexta-feira, uma mudança muito acentuada da pandemia na cidade. A escalada vai começar em maio. A gente vinha num crescimento constante, mas era numa velocidade controlada. Agora, tem uma curva muito mais íngreme e numa velocidade muito mais acentuada. Maio vai ser um mês de muita incidência de covid na cidade".

Especialistas dizem que hospitais de campanha não tem vagas de alta complexidade para tratar covid-19 Imagem: Marcello Zambrana/AGIF

Especialistas dizem que pico não chegou

O governador, autoridades de saúde, funcionários de hospitais e os números demonstram que a pressão nos hospitais é grande. Mas não significa que a cidade de São Paulo chegou ao pior da pandemia, declarou o diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo.

"Não estamos no pico. O cenário ainda pode piorar muito e não estamos livres de acontecer o que aconteceu em Nova York e em Manaus", ressaltou Salvador.

A secretaria estadual de Saúde está ciente da pressão nas UTIs e tenta acordos com hospitais privados. Também estuda mandar pacientes para o interior. Haveria possibilidade de encaminhar pessoas para cidades distantes até 400 quilômetros da capital.

Médico infectologista de três hospitais de São Paulo, Natanael Adiwardana considera a medida como de difícil aplicação. Explica que o respirador móvel de uma ambulância não tem capacidade para manter pacientes graves vivos por tanto tempo.

Ele também critica o governo do estado por ter investido em hospitais de campanha com majoritariamente leitos de enfermaria, mas não ter aberto mais leitos de UTI na rede de saúde.

O diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo faz coro. Salvador disse que 5% dos pacientes de covid-19 ficam em estado grave e é necessário respirador.

A situação se torna pior no cenário atual de São Paulo. Até a última quinta-feira, a média era de 812 notificações de covid-19 por dia. Nos três dias seguintes, disparou para 3.355. O presidente do sindicato responsabiliza o presidente.

"A gente tem aumento óbitos e diminuição na adesão ao distanciamento social, a única medida para conter a pandemia. Isso é um completo absurdo, mas, neste caso em particular, eu vou poupar a figura do governo do estado. Esta conta é do presidente da República, Jair Bolsonaro que desdenha da pandemia".

Homem escalado pelo governo de São Paulo, o infectologista David Uip foi conservador e afirmou que não é possível saber se o estado está na fase de pico da pandemia. Mas ele não minimizou a gravidade da situação. Afirmou que ocorre uma elevação de casos e que a interiorização da covid-19 é indiscutível.

A cidade de São Paulo pode ser uma prévia do que o restante do estado está sujeito.

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