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Governo federal repassa toda cloroquina disponível enquanto estoca testes

Gasto com remédio sem eficiência comprovada e do qual o presidente é entusiasta supera R$ 1,7 milhão - Mateus Bonomi/Estadão
Gasto com remédio sem eficiência comprovada e do qual o presidente é entusiasta supera R$ 1,7 milhão Imagem: Mateus Bonomi/Estadão

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

27/11/2020 09h02

Enquanto estoca testes para detecção de covid-19, o Ministério da Saúde distribuiu toda a cloroquina disponível aos estados e prefeituras. Apesar disso, o medicamento, usado para tratamento de malária, não tem comprovação científica de eficácia no combate ao coronavírus.

Este ano, a pasta adquiriu e distribuiu todos os 5,8 milhões de comprimidos de cloroquina obtidos. O Ministério justificou que isso foi feito por causa dos pedidos feitos por prefeituras e governos estaduais.

"O Ministério da Saúde adquire apenas a cloroquina e não possui estoque, uma vez que o medicamento foi distribuído de acordo com pedidos e planejamento prévio dos estados", informou ao UOL na noite desta quinta-feira (26).

Em julho, o estoque era de 4 milhões de comprimidos.

A justificativa foi a mesma para o encalhe de testes. Conforme o jornal O Estado de S. Paulo revelou no domingo, 6,8 milhões de exames do tipo RT-PCR estão num armazém do governo em Guarulhos (SP). Os produtos vencem em dezembro e janeiro. O Ministério afirmou que os testes não foram enviados porque não houve pedidos de prefeituras e estados.

A cloroquina do governo foi produzida por laboratórios da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) —- 3 milhões de comprimidos —- e do Exército, que tem o incentivo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), entusiasta do remédio sem eficácia comprovada.

Apenas nas Forças Armadas, os gastos foram de R$ 1,5 milhão até o mês de junho. O gasto na Fiocruz foi de R$ 207 mil, segundo o Ministério da Saúde.

A pasta destacou o montante produzido pela fundação "foi inicialmente programado" para o combate à malária, mas agora é usado "também" para a covid-19. Um levantamento mostra que, apenas entre março e julho, a maior parte foi usada para coronavírus. Foram 5 milhões para covid e 1,3 milhão para malária, de acordo com o jornal Folha de S.Paulo.

Além da cloroquina, o governo federal recebeu 3 milhões de comprimidos da hidroxicloroquina. Ela é utilizada para tratamento doenças como artite reumatóide, lúpus e dermatomiosite. Os remédios foram doados pelo governo dos EUA e pelo laboratório Novartis-Sandoz.

Estados e Exército acumulam 680 mil comprimidos

O UOL consultou as Secretarias de Saúde de 15 estados, onde vive mais de 80% da população. Neles, os estoques de cloroquina destinada ao combate da covid-19 somam 280 mil comprimidos.

O Exército possui outros 400 mil no estoque. No total, são 680 unidades do produto reservados, pelo menos. Nos estados consultados e nas Forças Armadas, a parcela de medicamentos que vence mais rapidamente tem validade até março de 2021.

Três estados devolveram cloroquina por falta de uso ou de eficácia. Um quarto já antevê a mesma situação.

São Paulo, Maranhão e Pernambuco já devolveram ou tentam mandar de volta 814 mil comprimidos. No Rio de Janeiro, a Secretaria de Saúde informou que já antevê uma devolução, "pois alguns municípios do estado sinalizaram que desejam devolver parte do medicamento que foi distribuído, por falta de uso".