Idosa morre sem atendimento e Justiça multa filhos por criticarem médico
A Justiça Estadual de Mato Grosso do Sul multou em R$ 10 mil um casal de filhos de uma mulher de 71 anos que morreu em uma unidade de saúde depois de esperar mais de sete horas por uma internação. Inconformados, os filhos expuseram no Facebook o nome e o registro profissional do médico responsável pelo atendimento e o acusaram de assassinato.
"Mataram a minha mãe!", diz uma das postagens, publicada em 11 de junho, dois dias após o falecimento de Maria do Carmo de Sousa Oliveira nas dependências da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Leblon, na capital Campo Grande.
"Ela ficou infartada das 7:30 até as 15:00 agonizando em cima de uma maca, viva e reclamando de fortes dores no tórax, braços, cabeça e estômago, e pouco foi feito para reverter o quadro", escreveu na rede social o filho Evandro Oliveira, 47, que é enfermeiro.
De acordo com o relato, o médico "dificultou a transferência para uma unidade hospitalar onde ela teria ao menos uma chance de sobreviver" e "nem os chinelos dela haviam sido tirados do pé depois de horas deitada na maca (...) sem nenhum apoio para a cabeça".
Segundo o rapaz, ele chegou a conversar com o médico sobre o possível agravamento do quadro em razão da demora no atendimento, mas ele teria dito "em tom de sarcasmo" que "pode agravar e diminuir, sim, mas já fiz tudo o que podia fazer".
A principal acusação dos filhos é que a internação não ocorreu porque o médico "se negou a mandar a imagem do eletrocardiograma solicitada várias vezes pela regulação para que fosse agilizada uma vaga em hospital".
Advogado do médico, David Frizzo afirmou ao UOL que seu cliente "deixa o celular pessoal dentro do carro, justamente para que não digam que ele estava usando o celular enquanto trabalha".
"Ele [o médico] questionou a unidade, pois não tem disponível nenhum meio de transmissão de informações, seja um scanner, seja um celular da unidade", diz o advogado. "O gerente enviou [a imagem] do celular pessoal dele, mas, como constou este fato no prontuário, a família acredita que tenha sido a razão pelo atraso."
Dias depois, houve nova postagem:
Hoje faz 13 dias que a NEGLIGÊNCIA de um médico irresponsável matou minha mãe! A justiça virá, principalmente a de Deus!
Evandro Oliveira, filho de vítima
Depois de diversas publicações, o médico teria ficado "bastante abalado, em especial pelos comentários que sofreu na unidade de saúde" de pacientes e até de colegas de trabalho.
"Não é fácil para sua família ver você sendo acusado de 'matar' a mãe de alguém. Inclusive os colegas de trabalho passam a questionar a situação", afirmou Frizzo, que a pedido do médico processou o casal de irmãos, de quem pede a remoção das publicações e indenização por danos morais.
Em resposta, o juiz Fábio Ferreira de Souza escreveu em decisão de 30 de outubro que, apesar "do direito de todos à livre manifestação do pensamento", o uso "arbitrário do direito de opinião (...) deve ser sancionado".
"A utilização de expressões como 'assassino' e 'doutor da morte' (...) é suficiente para afrontar a honra e integridade moral de quem ocupa um cargo público", afirmou o magistrado, "fato suficiente a embasar a condenação por danos morais" em R$ 10 mil.
Filha: "Foi negligência pura"
Irmã de Oliveira, a professora Edivânia de Sousa Oliveira Pazini, 42, diz que compartilhou algumas publicações do irmão e também está sendo processada. Ela afirmou ao UOL que os dois recorreram da condenação e que processaram o médico por negligência.
Ela conta que uma pessoa "de dentro da UPA avisou que tinha sido negligência". "Então a gente pediu o documento sobre tudo o que ela passou."
A ficha com o atendimento de Maria do Carmo (imagem acima) informa os horários em que a regulação pediu a imagem do eletrocardiograma: 8h22, 9h21 e 13h12. O óbito foi registrado às 14h32.
"E aí a gente teve acesso a isso e meu irmão começou a postar foto do documento e, acidentalmente, apareceu o nome do médico", afirmou. "Ele devia ter um pouco de vergonha na cara, entender nossa situação e não processar a gente."
O advogado do médico diz entender a tristeza dos irmãos, mas afirma que "caberia aos mesmos, ao fazer a divulgação, expor este sentimento com o desejo de uma investigação, ou ainda informar que estariam buscando as vias corretas para apurar um possível culpado".
"Antes de pensarmos na indenização, a ação tem a necessidade de educar a sociedade da finalidade das redes sociais. As pessoas, ao buscarem as redes como forma de expressar um sentimento, acabam ultrapassando os limites de seu direito", afirmou. "A média de indenização gira em torno de R$ 5 mil. Ao fixar em R$ 10 mil, o juiz buscou impor uma condenação mais firme."
"O direito de ação é constitucionalmente garantido a todos, e desta forma aos familiares tem as opções do CRM [Conselho Regional de Medicina], Ouvidoria do SUS, delegacia de polícia e ainda o próprio Judiciário", diz Frizzo. "Hoje ser médico não está fácil, pois a população em vez de reivindicar melhores estruturas hospitalares, preferem atacar os médicos."
Para Edivânia, "foi negligência pura".
Espero que Deus abençoe esse médico e ele nunca passe pelo o que a gente passou: ver um médico sentado numa cadeira sem fazer nada enquanto você vê sua mãe morrer mesmo com todas as chances de se manter viva.
Edivânia de Sousa Oliveira Pazini, filha da paciente
Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde informou por meio de nota que "as unidades de urgência e emergência dispunham de um aparelho celular exclusivo de uso dos servidores para contato com a Coordenadoria de Urgência e a Central de Regulação, sendo possível a utilização do mesmo para ligação ou envio de mensagens de texto e imagens".
"Todas as circunstâncias do atendimento estão sendo tratadas dentro do processo de sindicância aberto pela Secretaria Municipal de Saúde (...) que tem buscado investir na estruturação das unidades de saúde para suprir uma eventual necessidade de equipamentos que, em sua maioria, encontravam-se obsoletos", afirma.
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