Topo

Adesão a planos de saúde sem controle de preço da ANS cresce 63% em 6 anos

Estudo aponta que valor de planos chamados de "falsos coletivos" teve aumento de 12,94%, em média, entre 2019 e 2020 - Pablo Jacob
Estudo aponta que valor de planos chamados de "falsos coletivos" teve aumento de 12,94%, em média, entre 2019 e 2020 Imagem: Pablo Jacob

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

27/01/2021 04h00

Em 2015, Renato Assad, que hoje tem 62 anos, foi convencido por um corretor a contratar um plano de saúde para ele, esposa e filha, em vez de optar por convênios individuais ou familiares, então "indisponíveis". Um dos argumentos era o preço. Ele contratou o plano, mas em quatro anos o valor do boleto era tão alto que ele teve que recorrer à Justiça.

Assad e a família haviam aderido ao que os escritórios de advocacia e pesquisadores de saúde coletiva chamam de "falsos planos coletivos", ou "pejotinha", uma modalidade que cresceu 63% em seis anos: passou de 3,3 milhões para 5,4 milhões de clientes entre abril de 2014 e abril de 2020. O dado é parte de uma pesquisa produzida pelo Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde da Faculdade de Medicina da USP.

A participação desses planos, que era de 6,65% do total de conveniados em 2014, passou para 11,72% no último ano. No mesmo período, a de planos coletivos com mais de 30 pessoas caiu de 73,41% para 69,14% —os individuais ou familiares mantiveram-se estáveis, oscilando de 19,94% para 19,14%.

Por que esses planos são chamados assim?

Segundo o coordenador do estudo, o professor de medicina da USP Mario Scheffer, esses planos abrangem até 30 pessoas e são criados pelas operadoras para derrubar a adesão aos modelos individuais e familiares, cujo valor da mensalidade é decidido todo ano pela ANS (Agência Nacional de Saúde).

"São oferecidos no lugar planos em que basta o usuário aderir a alguma associação ou apresentar um CNPJ, como o de um MEI (Microempreendedor Individual), para assinar o contrato", afirma.

A vantagem para as operadoras, diz o professor, é que, assim como nos planos coletivos (empresariais), o reajuste do "pejotinha" é decidido diretamente pela operadora de saúde, sem intervenção da agência reguladora. Nos planos coletivos tradicionais, com mais de 30 usuários, o índice é negociado pela operadora com o empregador.

A ANS se defende dizendo que regula os preços. Em nota, disse que "estes planos segue a regra de agrupamento de contratos, o chamado pool de risco, na qual todos os contratos coletivos com menos de 30 vidas de uma mesma operadora devem receber o mesmo percentual de reajuste anual".

O professor da USP, porém, diz que "a ANS regula a forma de reajuste (por agrupamento, pool) mas não regula o preço, o índice do reajuste". "Só diz que deve ser aplicado o mesmo índice para o pool. Tanto que os valores são altos, surpreendentes e aumentam a cada ano acima da inflação e do aumento aplicado aos planos individuais", afirma.

Mensalidade de R$ 7,8 mil

No começo cabe no bolso, mas depois o preço aumenta, e isso desemboca na Justiça."
Mário Scheffer, professor e pesquisador

É o que aconteceu com Assad e a família. No início do contrato, em 2015, o valor da mensalidade para todos os beneficiários era de R$ 2.859,66. Em 2019, chegava a R$ 7.832,94. Quando o aumento passou a superar os 30% ao ano, ele entrou na Justiça, que cancelou os reajustes.

Segundo a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que reúne as 16 maiores operadoras do Brasil, as operadoras "são obrigadas a fornecer à contratante extrato pormenorizado com os itens considerados para o cálculo" do reajuste, "tudo com transparência e rigorosamente de acordo com as exigências da ANS".

Sem a agência reguladora ou um grande negociador do outro lado, as operadoras aplicaram a essa modalidade índices de aumento muito superiores ao que foi autorizado pela ANS aos convênios individuais e familiares. Entre maio de 2019 e maio de 2020, por exemplo, a agência autorizou reajuste de 7,35%, enquanto entre os "falsos coletivos" esse aumento foi de 12,94%, em média.

Planos com menos gente

Embora esses planos possam abranger até 30 pessoas, eles reúnem cada vez menos gente, aponta a pesquisa. A quantidade média de clientes por contrato, que era de 6,2 pessoas em 2014, estava em 4,65 em abril do ano passado —último dado disponibilizado pela ANS por meio da Lei de Acesso à Informação.

Advogado especializado em direito à saúde, Marcos Patullo avalia que "essa modalidade é empresarial apenas no contrato, pois a realidade é que a maioria dos beneficiários desse tipo de plano são pessoas da mesma família". Por isso são chamados de "falsos coletivos", diz o sócio do escritório Vilhena Silva Advogados.

Para a FenaSaúde, os planos com menos de 30 pessoas "não podem ser classificados como 'falso coletivo'" porque "consistem numa forma válida, legal e regulada de acesso de mais pessoas à assistência à saúde".

Em nota, a federação argumentou que os "planos por adesão são uma maneira de expandir a cobertura à assistência de qualidade prestada pelas operadoras de planos e seguros de saúde privados".

Procurada, a ANS afirmou em nota que "a possibilidade de contratar planos com poucas pessoas consiste numa forma legal de acesso ao setor de saúde suplementar" e a Resolução Normativa nº 432/2017 coibe abusos relacionados a esse tipo de contratação, "como a constituição de empresa exclusivamente para este fim".

A agência diz que uma cartilha disponível no portal da ANS reúne informações para esclarecer beneficiários de planos de saúde. "Em relação à pesquisa mencionada, a ANS informa que não teve tempo hábil para fazer o levantamento e, portanto, não é possível a confirmação dos dados."