Cloroquina pode ser placebo, admite Bolsonaro: 'ao menos não matei ninguém'
Após passar meses insistindo na defesa da cloroquina no combate à pandemia de covid-19, apesar de estudos científicos mostrarem que a substância não tem eficácia contra o novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) admitiu ontem, pela primeira vez, que a droga pode ser um "placebo", isto é, um medicamento sem efeito. Ainda assim, o presidente mais uma vez incentivou o seu uso.
Pode ser que lá na frente falem: 'a chance é zero, era um placebo'. Tudo bem, paciência. Me desculpa. Tchau. Pelo menos não matei ninguém.
presidente Jair Bolsonaro, durante live semanal pelas redes sociais
A declaração foi feita em uma transmissão ao vivo feita ontem, ao lado do diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres. O próprio órgão, ao aprovar o uso emergencial de vacinas contra a covid-19, afirmou que não há um tratamento com efeito comprovado contra a doença.
Até agora, os gastos da União com cloroquina, hidroxicloroquina, tamiflu, ivermectina, azitromicina e nitazoxanida somam pelo menos R$ 89.597.985,50, segundo reportagem da BBC News Brasil por meio de fontes públicas. Nenhum desses medicamentos tem efeito comprovado contra a covid-19.
Em 2020, o governo federal adquiriu 5,8 milhões de comprimidos de cloroquina. Uma parte da produção foi conduzida pelo laboratório do Exército, com gasto de R$ 1,5 milhão até o mês de junho. A compra dos insumos pelas Forças Armadas para a produção do medicamento está sob investigação do TCU (Tribunal de Contas da União), que apura por que a aquisição desses produtos ficou 167% acima do preço comum.
Ontem, o Brasil chegou hoje ao 15º dia consecutivo com média de mais de mil mortes por covid-19, segundo o consórcio de imprensa do qual o UOL faz parte. Nos últimos sete dias, a média de vítimas ficou em 1.030. Na quinta-feira, foram computados 1.291 novos óbitos causados pela doença. No total, 228.883 pessoas morreram devido à covid no Brasil desde o início da pandemia.
Presidente cita dados não comprovados
Apesar do recuo, o presidente insistiu na defesa do medicamento, citando dados sem fontes.
"Vi alguns estudos dizendo que tem 70% de eficácia. Então, 140 mil mortes poderiam ter sido salvas", divulgou o presidente, sem especificar quais estudos seriam esses.
Não foi a primeira vez que ele citou dados não comprovados para incentivar o uso de cloroquina. "Vou chutar aqui. Por volta de 30% das mortes poderiam ser evitadas com hidroxicloroquina usando na fase inicial", disse ele no ano passado. Na mesma oportunidade, ainda divulgou uma outra mentira sobre o combate ao coronavírus: "uma maneira de você conseguir vitamina D é pelo sol. E a vitamina D ajuda aí a combater o vírus".
Em outra transmissão ao vivo do ano passado, Bolsonaro já fez brincadeira para incentivar o uso de cloroquina, o que aumentou a politização do assunto. "Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda toma Tubaína".
Em 2021, o Ministério da Saúde chegou a lançar um aplicativo para recomendar tratamentos que incluíam o uso da cloroquina contra a covid-19. O programa foi criticado, por indicar remédios sem efeito comprovado. O governo federal chegou a divulgar o aplicativo nas redes sociais, mas depois retirou o o programa das lojas virtuais e disse que ele só foi ao ar por causa de ações de hackers.
Efeito colateral
Bolsonaro também erra ao insistir que a cloroquina não tem efeitos colaterais. "Se não faz mal, o médico falou que não está previsto esse mal que você tem na bula do remédio, não provoca arritmia, por que não tomar? Eu tomei".
Diarreia, náusea, dor abdominal, falta de apetite, constipação, vômito, tontura, sonolência, vertigem, tremor, febre, coceira, lesões de pele e urticária estão entre os possíveis efeitos colaterais da cloroquina.
A bula recomenda cautela com pacientes com doenças hepáticas ou renais e com problemas cardíacos, gastrointestinais e neurológicos.
Além disso, o medicamento é contraindicado para crianças menores de 6 anos. O aplicativo do Ministério da Saúde, divulgado no Amazonas, não fazia diferenciação de idade e indicavarecomendação de cloroquina até para bebês.
Ivermectina sem efeito comprovado também
O governo federal também já defendeu o uso de ivermectina para combate contra covid-19. Mas ontem a própria fabricante, a norte-americana Merck (representada no Brasil pela MSD), afirmou que não há evidências de que o medicamento traga benefícios ou seja eficaz no tratamento da doença causada pelo coronavírus.
Em um comunicado publicado ontem, a empresa disse que não há base científica que indique efeitos terapêuticos contra a covid-19 nos estudo pré-clínicos já publicados.
Além disso, a farmacêutica afirmou que não foi encontrada evidência significativa de eficácia ou atividade clínica do medicamento em pacientes infectados pelo coronavírus.
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