Topo

Sobrinho relata falta de kit intubação para tia com covid no RN: "Pesadelo"

A servidora pública Maria Cícera, que contraiu covid e teve problemas na internação - Arquivo pessoal
A servidora pública Maria Cícera, que contraiu covid e teve problemas na internação Imagem: Arquivo pessoal

Mariana Ceci

Colaboração para o UOL, em Natal

31/03/2021 04h00

O motorista Renee Cláudio Dantas, 43, contou ter se desesperado "cedo, ainda no começo da noite". "Foi quando nos avisaram de que havia risco de faltar oxigênio. Conseguiram dois cilindros para repor. Não foi suficiente: de madrugada, já tinha acabado", diz.

Sua preocupação era com a tia Maria Cícera, 59, internada no Hospital Municipal Dr. Percílio Alves, em Ceará-Mirim, na região metropolitana de Natal, que precisava ser intubada.

"Começamos a ver famílias desesperadas e gente sufocando. Minha tia precisava ser intubada, mas não tinha material. Foi um pesadelo."

Sob o risco de faltar oxigênio, Maria Cícera e outros seis pacientes graves com covid-19 precisaram ser transferidos às pressas na madrugada do dia 20. Ela foi encaminhada para o Hospital Alfredo Mesquita, em Macaíba, outro município da região metropolitana.

Após três dias intubada no hospital estadual, Maria Cícera começou a apresentar melhoras e no sábado (27), uma semana depois da transferência, foi extubada.

Quem nunca entrou em um hospital assim, onde não tem nada, não entende muito bem como é, mas não é silencioso como a gente normalmente imagina um hospital. Tem muita gente gritando, com medo de morrer.
Renee Cláudio Dantas, sobrinho de paciente com covid

De acordo com o Ministério da Saúde, o Rio Grande do Norte é um dos estados que apresentam dificuldade para manter o fluxo de fornecimento de oxigênio. Em situação semelhante estão Acre, Amapá, Ceará, Mato Grosso, Paraná e Rondônia.

De janeiro até agora, a média diária de solicitações por leitos foi de 50 para 125, alta de 150%.

De acordo com dados da plataforma Regula RN, que reúne dados da Central de Regulação de Leitos do Estado, 92,2% dos 372 leitos críticos para covid-19 estavam ocupados até a terça-feira (30).

Maria Cicera e os filhos Cecília Lima e Randerson Lima - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Maria Cicera e os filhos Cecília Lima e Randerson Lima
Imagem: Arquivo pessoal
Diante da superlotação, unidades de saúde e hospitais municipais menores passaram a ter que ampliar o tempo de permanência dos pacientes, transformar seu perfil de atendimento e aumentar o consumo de insumos.

No dia 19, o Conselho dos Secretários Municipais de Saúde do RN (Cosems-RN) divulgou pesquisa feita com 117 municípios (70% do total), na qual 70 relataram já ter recebido sinais de alerta de fornecedores sobre a possível dificuldade de abastecimento de oxigênio. Outras 13 cidades sinalizaram que o estoque de oxigênio já é insuficiente.

"E não é só o oxigênio: os medicamentos para sedação, que são enviados pelo Ministério da Saúde, também estão chegando a conta-gotas", diz Maria Eliza Garcia Soares, presidente do Cosems-RN.

Na sexta-feira (26), o Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia de Covid-19 (Giac), do Ministério Público Federal, enviou quatro ofícios ao Ministério da Saúde comunicando a situação de desabastecimento de oxigênio medicinal e kit de intubação nos estados de Rio Grande do Norte, Pará e Piauí e no município de Montes Claros (MG).

O documento afirma que, no dia 23 de março, o Município de Natal encontrava-se com 89 pacientes intubados com covid-19, "passando uma situação desesperadora", pois a rede pública de saúde pública estava com os estoques zerados de "todos os itens de sedação e intubação".

De acordo com o despacho assinado pelo procurador Victor Mariz, "uma tragédia maior somente não ocorreu porque a secretaria estadual de saúde tem dado suporte com os itens do kit Intubação a cada 24 horas". Segundo o procurador da República, não é possível antever até quando a rede estadual conseguirá apoiar o município, que concentra 39,5% das mortes no estado.

A família Dantas conta ter vivido essa dificuldade na pele. "As pessoas ficavam entrando e saindo a noite toda, levando as coisas para os pacientes. Minha tia só conseguiu ser intubada quando o Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] chegou para transferi-la, com equipamentos e medicamentos próprios", diz Renee Cláudio.

O prefeito Júlio Cesar Câmara (PSD), de Ceará-Mirim, conta que o Hospital Dr. Percílio Alves não é um centro de referência para a covid-19 e que o município precisou improvisar 30 leitos no local para atender a demanda.

"Precisamos atender todos os partos que acontecem na região, que engloba 250 mil pessoas. Esse hospital nem sequer era para estar recebendo casos de covid, mas não tem espaço para as pessoas nos hospitais de referência, e não podemos deixá-las sem atendimento", disse ao UOL.

De acordo com o prefeito, o município vive o "efeito dominó" provocado pelo colapso do sistema de saúde. O consumo médio no Hospital Dr. Percílio Alves até o mês de fevereiro era de cinco cilindros de oxigênio por dia. Entre os dias 19 e 20, o consumo foi de 36 cilindros.

Para dar suporte aos estados e municípios no abastecimento de oxigênio medicinal, o Ministério da Saúde lançou o Plano Oxigênio Brasil. Até a data, 120 concentradores e 160 cilindros haviam sido enviados ao Rio Grande do Norte.

O Plano deverá enviar socorro também à Rondônia, Acre, Ceará, Paraná e Santa Catarina. Novos concentradores adquiridos na China e nos Estados Unidos estão previstos para chegar ao país na primeira semana de abril e devem ser distribuídos para os estados que se encontram com maior dificuldade de abastecimento.