Em Santos, hospitais já trocam insumos entre si para driblar colapso
A escassez de insumos e equipamentos para o atendimento a pacientes com covid-19 já começa a preocupar diretores e equipes técnicas dos hospitais de Santos, no litoral de São Paulo. Para evitar o colapso do sistema na maior cidade da região — que recebe muitos pacientes de outros municípios —, a solução tem sido recorrer a trocas e empréstimos de remédios e aparelhos entre as unidades.
A quantidade de intubações tem sido maior do que a capacidade das equipes. Com trabalhadores da linha de frente exaustos e equipes desfalcadas por conta dos altos índices de contágio, muitos pacientes graves estão sendo obrigados a aguardar, às vezes, por horas pelo processo de intubação.
Ao UOL, uma enfermeira que trabalha na linha de frente de um conhecido hospital da cidade e que pediu para não ter a identidade divulgada, relatou um caso ocorrido na semana passada. Uma senhora de 67 anos apresentou dificuldade para respirar por conta da covid-19. Após dois dias na enfermaria, precisou ser transferida para uma UTI (Unidade de Tratamento Intensivo).
Não havia na farmácia, porém, o rocurônio (brometo de rocurônio). Pior: o medicamento que encontraram, uma ampola de atracúrio (besilato de atracúrio), não era suficiente para estabilizá-la por muito tempo. Foi quando que tiveram de ligar para outro hospital para pedir a dose necessária emprestada.
Esses medicamentos são bloqueadores neuromusculares, que interrompem ou simulam a transmissão dos impulsos nervosos na junção neuromuscular esquelética, causando paralisia dos músculos. É essencial para o processo de intubação e também para o de pronação (quando o paciente é colocado de bruços e submetido à ventilação mecânica). Os bloqueadores neuromusculares são alguns dos insumos que estão desaparecendo dos estoques.
Enquanto esperávamos [pelo medicamento], ela apresentou dispneia grave (falta de ar) e começou a querer gritar, fazendo sons com a garganta. Só quem já viu e ouviu sabe o desespero que é ver a pessoa sem ar e não poder fazer muito para ajudar."
Mesmo sob efeito de um hipnótico, a paciente se mostrava inquieta. Duas horas depois, um hospital retornou que iriam ceder algumas caixas de atracúrio. Alguns dias após ser intubada, a paciente morreu,
É horrível de ouvir. Eu fiquei uns dias ouvindo aqueles sons na minha cabeça, não é fácil, não. Mas a gente tem que continuar."
Empréstimo de medicamentos e equipamentos
Diretor técnico do Hospital Beneficência Portuguesa de Santos, o médico Mario da Costa Cardoso Filho lembrou que os hospitais do município, reunidos em 18 de março de 2021, na sede da Secretaria de Saúde, deixaram evidentes o risco de colapso na saúde. Entre outros fatores, a falta de medicamentos.
Temos estoque que nos permite, com segurança, manter com qualidade os doentes que temos internados. Mas não podemos mais assumir riscos aceitando mais doentes.
Mario da Costa Cardoso Filho, diretor técnico da Beneficência Portuguesa de Santos
Um dos maiores complexos hospitalares da região, a Santa Casa de Santos possui estoque de insumos para 45 dias. Ao final do ano passado, o hospital utilizou seu superávit para comprar insumos. Com um sistema de estocagem próprio, o hospital estipulou que nunca deixaria um insumo chegar a 25% do estoque. E o controle de uso é rigoroso. Com os estoques em alta, o hospital tem conseguido ajudar outros, menores.
Tem hospitais que não estão conseguindo comprar medicamentos de uso em UTI. Não só os sedativos, mas também os respiradores, bombas de infusão (equipamentos que ministram remédios automaticamente) estão sendo repassados com ágio."
Alex Maced, diretor técnico da Santa Casa de Santos
Rede pública sob controle. Por enquanto
Por meio de nota, a prefeitura informou que as unidades hospitalares de responsabilidade do município de Santos ainda possuem insumos e "kit intubação". Ao mesmo tempo, admite que já há, em âmbito nacional, dificuldade para a aquisição desses medicamentos.
A escassez no mercado é um fato relatado por fornecedores. Há possibilidade de ocorrer falta, uma vez que as empresas não estão produzindo em quantidade suficiente em escala mundial. Nos leitos municipais de Santos, no entanto, nenhum paciente está deixando de ser assistido por falta de medicação adequada."
Trecho de nota da prefeitura de Santos
Referência no tratamento de doenças infectocontagiosas, o Hospital Guilherme Álvaro, sob responsabilidade do Governo do Estado, informou que está abastecido com insumos e medicamentos para intubação. A utilização varia conforme perfil do paciente e indicação médica.
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde do Estado informou que o governo federal liberou, desde a última semana de março, 215.313 ampolas de neurobloqueadores e anestésicos, o que corresponde a apenas 6% do que é preciso para atender a demanda mensal da rede pública de saúde do Estado, de 3,5 milhões de ampolas.
"O Ministério havia sinalizado que entregaria 258.874 ampolas, quantidade que representa somente 7% da demanda mensal do SUS de SP", diz a nota.
"É fundamental que os gestores das redes pública e privada de saúde mantenham o monitoramento da sua demanda, utilizem racionalmente estes produtos e otimizem medidas para garantir assistência a quem precisa", conclui a Secretaria, na nota.
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