Lacuna no PNI dificulta definição de critérios para vacinação após idosos
Com várias cidades pelo país concluindo a aplicação de pelo menos uma dose da vacina contra a covid-19 para idosos (pessoas com mais de 60 anos), as autoridades locais começam as definir quem serão os próximos na fila. As lacunas no PNI (Plano Nacional de Imunização), porém, estão fazendo com que os gestores adotem critérios diferentes para definir quem é "prioritário entre os prioritários".
Na terça-feira (20), o governo de São Paulo anunciou que no dia 10 de maio a fila deve começar a andar para os primeiros grupos de pessoas com comorbidades.
Usando critérios de risco de morte por covid-19 e logística, a Secretaria de Saúde paulista definiu que as doenças prévias contempladas nesse primeiro momento serão:
- portadores de síndrome de Down
- pacientes renais em diálise
- transplantados imunossuprimidos
No entanto, o ordenamento adotado por São Paulo difere do vizinho Rio de Janeiro. No mesmo dia em que o governo paulista organizava o final da sua fila, a capital fluminense começou a vacinar grávidas com comorbidades. Na sequência, a prefeitura anunciou que na próxima segunda-feira (26) será a vez de pessoas com doenças crônicas. O critério estipulado: idade. Primeiro, mulheres e homens com 59 anos, e daí por diante.
A disputa por um lugar na traseira da fila tem levado associações e sociedades médicas a buscar destacar a importância das "suas" patologias serem contempladas na frente.
Os trabalhadores também estão se unindo. Profissionais da segurança, educação e transporte foram os mais bem-sucedidos até o momento no convencimento das autoridades de que devem ser os primeiros entre os prioritários.
Policiais começaram a ser vacinados no início de abril em quase todos os Estados e Distrito Federal. Professores em São Paulo, Rio de Janeiro e Espirito Santo estão recebendo as primeiras doses. No dia 11, São Paulo vacina os metroviários e ferroviários, seguidos pelos motoristas e cobradores de ônibus, no dia 18.
Faltam vacinas e orientações
Segundo especialistas, o empurra-empurra na rabeira da fila é consequência da falta de vacinas. Mas contribui ainda o fato de o PNI ser preciso na indicação dos grupos prioritários, mas vago na hierarquização.
Só a lista de comorbidades inclui 21 grupos considerados prioritários, com mais de 50 patologias, condições e síndromes que atingem quase 18 milhões de brasileiros. O PNI enumera ainda 12 classes profissionais entre os serviços essenciais, que inclui até trabalhadores da indústria, que somam mais de 5 milhões de brasileiros.
O mais correto seria que o PNI elencasse uma prioridade dentro dos grupos de comorbidades. A decisão de quem vai ser primeiro deveria vir pronta, e não deixada para o município definir se ele vai vacinar antes quem tem anemia falciforme ou quem tem diabetes ou é obeso."
Rachel Stucchi, infectologista da Unicamp (Universidade de Campinas) e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia)
Na falta desse ranqueamento do PNI, o governo paulista adotou, entre seus critérios de priorização, o risco de morte em consequência da covid-19. "Estamos utilizando aquelas [comorbidades] que tem uma maior taxa de letalidade e maior chance de saturar o sistema de saúde", afirmou o médico José Medina, do Centro de Contingência do Covid-19 do Estado de São Paulo, durante coletiva de imprensa na terça-feira (20).
Segundo Medina, os pacientes renais em diálise e transplantados imunossuprimidos possuem 25% de risco de óbito ao contrair covid-19.
Questionada pelo UOL, a Secretaria de Saúde de São Paulo reafirmou, em nota, o critério escolhido: "O Governo de São Paulo, seguindo a missão de salvar vidas, tem priorizado a imunização justamente dos públicos mais vulneráveis." E argumentou que a vacinação das pessoas com comorbidades definidas "ocorrerá antes de outras categorias de serviços essenciais também já anunciadas".
No dia seguinte ao anúncio do novo calendário de São Paulo, o Ministério da Saúde divulgou uma orientação para imunização de pessoas com doenças prévias. A pasta indica que estados e municípios façam a imunização destes grupos separada por faixas etárias — critério seguido pela Prefeitura do Rio de Janeiro.
Com experiência de oito anos à frente do Plano Nacional de Imunização, a epidemiologista Carla Domingues, acha que a pasta acerta em optar pela praticidade.
[Organizar por faixa estaria] é mais coerente do que definir comorbidades prioritárias, já que a letalidade das doenças pré-existentes pode variar por localidade. Operacionalmente, é mais fácil fazer dessa forma." Carla Domingues, epidemiologista
A infectologista da Unicamp, por sua vez, diz acreditar que o cronograma de imunização devia primar pelo risco de mortalidade, não o de exposição ao vírus. "Esse foi o foco quando começamos o programa de vacinação. O plano era diminuir a mortalidade", afirma Stucchi.
Para ela, depois dos idosos, a fila de imunização deveria andar com os diabéticos, pneumopatas, cardiopatas e obesos à frente. Ela incluiria ainda as gestantes.
O UOL perguntou ao Ministério da Saúde se a priorização de categorias profissionais não poderia ferir o princípio do PNI de prevenção de mortes, mas não obteve resposta.
Para Daniel Soranz, especialista em Saúde Pública e pesquisador da Fiocruz, antes de qualquer outro grupo, estados e municípios têm que focar em finalizar a vacinação dos idosos. "O critério de idade é super importante, pois esta vacina não impede de pegar a doença, mas previne formas graves e óbito em consequência dela."
"Caminhoneiros correm menos risco do que alguém que trabalha num supermercado. Mas nós só estamos discutindo isso porque falta vacina. Se tivéssemos suficiente, depois dos grupos com comorbidades, o mais justo seria voltar para a faixa etária."
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