Butantan elabora plano jurídico para ampliar uso de plasma contra covid
A equipe jurídica do Instituto Butantan, laboratório ligado ao governo de São Paulo, constrói junto à diretoria um "arcabouço jurídico" que evite processos contra municípios paulistas que utilizam ou querem utilizar o tratamento experimental com plasma sanguíneo convalescente contra a covid-19.
Hoje, o soro é usado em Santos, no litoral, e em Araraquara, no interior, cidades que já registraram explosão de casos da doença causada pelo novo coronavírus. O plasma, diz o instituto, já foi aplicado em mais de 400 pessoas. Segundo o Butantan, há outras prefeituras interessadas, mas com medo das retaliações jurídicas.
O receio se dá por dois motivos principais:
- Ainda não há uma comprovação científica robusta de que o uso de plasma contra infecções do novo coronavírus é eficaz. O tema é pesquisado em diversos países e tem resultados animadores em pacientes idosos, se aplicado no início dos sintomas.
- Diferente de outros laboratórios e universidades públicas brasileiras, o Butantan não realiza um estudo clínico para aplicar o tratamento.
Em Santos e em Araraquara, o plasma é receitado para idosos com comorbidades e pessoas imunossuprimidas, desde o mês passado. Para fazer o tratamento, além de se encaixar no grupo pré-definido, são necessárias indicação médica e assinatura do termo de consentimento. Em hospitais particulares de São Paulo, como Albert Einsten e Sìrio Libanês, o processo é semelhante.
Ao UOL, a diretora do Núcleo de Inovação Tecnológica do Butantan, Cintia Retz-Lucci, afirmou que a aplicação do soro segue todas as orientações das notas técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). No entanto, os pareceres, segundo Retz, deixam algumas brechas.
No aspecto legal, estamos com uma equipe jurídica junto ao governo para resolver essa questão. É seguro e tem possibilidade de ajudar em momento pandêmico. Há mais cidades interessadas no interior de São Paulo, mas nenhuma quer ser processada. Um ensaio clínico só é feito para ser usado para registrar um novo produto. Mas o plasma não é um novo produto, é um tratamento.
Cintia Retz-Lucci, diretora do Núcleo de Inovação Tecnológica do Butantan
A Anvisa confirmou ao UOL que as notas técnicas emitidas permitem que o Butantan aplique o plasma sem ensaio clínico.
Monitoramento de pacientes
O secretário de Planejamento e Inovação de Santos, Fábio Ferraz, diz que há um monitoramento dos pacientes que usam o tratamento e que, para ter noção da eficácia do método, é preciso expandi-lo.
"Temos uma dicotomia: precisamos ter uma validação total e plena do ponto de vista científico, porém, tem de ter algum nível de rodagem do procedimento. Estamos no início do processo, não estamos sacramentando como uma cura absolutamente sustentável", afirma. "Estamos muito animados, mas é claro que não se tem uma validação definitiva."
Os defensores do tratamento ressaltam que o uso e a receita do plasma não se comparam com a adoção de medicamentos como os do "kit covid", cujas pesquisas científicas já cravaram que são ineficazes contra o vírus e têm graves efeitos colaterais.
A aplicação do plasma, em que se injeta anticorpos de outras pessoas recuperadas da doença em pacientes contaminados, é usada há mais de um século. Um de seus primeiros registros foi em 1918, durante a gripe espanhola. Os efeitos colaterais não são comuns, e se manifestam, segundo pesquisadores, como sintomas de uma alergia convencional.
Nesta semana, a Anvisa aprovou o uso emergencial de medicamento com anticorpos monoclonais no tratamento da covid-19. "O principio terapêutico é o mesmo: anticorpos contra o coronavírus, tanto o plasma convalescente como também o soro", explicou ao UOL o presidente do instituto, Dimas Covas. "A função e a indicação [do soro e do plasma] são muito parecidas: casos iniciais leves e moderados com chance de progredir para doença grave, principalmente em pacientes com comorbidades e idosos."
Resultado do plasma em casos graves frustrou cientistas
Na pandemia de covid-19, o plasma foi primeiro aplicado em pacientes graves, como uma esperança para a recuperação. Mas estudos recentes que apontaram a ineficácia nestes casos desanimaram cientistas.
Por isso, a grande maioria das análises, agora, estão voltadas para saber se o plasma funciona se aplicado até 72 horas depois do primeiro sintoma, ainda na fase inicial. Por enquanto, as pesquisas estão voltadas apenas para idosos com comorbidades ou imunossuprimidos.
Um dos principais estudos produzidos até o momento, que justifica a boa expectativa do uso de plasma, foi publicado em novembro de 2020 no jornal científico inglês New England Journal Of Medicine, conduzido pelo Hospital Italiano de Buenos Aires, na Argentina. A conclusão foi que, se aplicado no início dos sintomas em pacientes idosos, o plasma ajuda a reduzir a mortalidade por covid-19.
Por outro lado, nos Estados Unidos, após um investimento milionário em plasma sanguíneo encabeçado pelo ex-presidente Donald Trump, os cientistas começaram a desembarcar paulatinamente da defesa do método, conforme mostrou reportagem do jornal The New York Times.
O infectologista da Universidade de São Paulo Esper Kallás, que conduz estudos de plasma no país, disse que a frustração faz parte da pesquisa científica.
O plasma foi usado com a covid-19 assim como foi usado em outras doenças, como ebola. Fizemos a tentativa de tratamento em pacientes graves porque, naquela época, vimos que o vírus ainda estava presente no teste PCR do paciente mesmo na fase mais tarde da doença. Mas o tempo mostrou que o PCR dá postivo, mas o vírus não está mais lá. Pode chamar de frustração, mas é porque entendemos e ainda estamos entendendo as características da doença.
Esper Kallás, infectologista
Já o parceiro de estudos de plasma de Esper Kallás, o infectologista Silvano Wendel Neto, do Hospital Sírio-Libanês, nega frustração. "Quem faz pesquisa séria não precisa ficar frustrado. Não sabíamos o que fazer naquele momento, foi altamente compensador ver que pacientes, não muitos, se beneficiaram."
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