Autismo: Juíza bloqueia R$ 100 mil de plano de saúde para terapia de menino
Decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou o arresto de R$ 100 mil das contas bancárias da operadora de plano de saúde Amil para cumprimento de liminar que obrigava a empresa a custear o tratamento para um paciente com espectro autista.
A luta na Justiça da família de Enzo —que teve início em 2020 quando a criança tinha 4 anos— foi motivada pela recusa da empresa em oferecer ao menino Terapia de Análise do Comportamento Aplicada, a chamada ABA. O custo mensal do tratamento pode superar R$ 30 mil.
O pedido —amparado por laudos médicos— foi rejeitado pela empresa sob a justificativa de o tratamento não constar na lista da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
A família recorreu à Justiça, que determinou que o plano de saúde custeasse o valor mensal do tratamento. No entanto, segundo a família, a Amil ignorou a ordem judicial por meses e não apresentou nos autos do processo profissionais certificados para tratamento da terapia ABA.
Com o agravamento do estado de saúde da criança, a juíza Flavia Gonçalves Moraes Alves, da 14ª Vara Cível do Rio, determinou em fevereiro a retirada de R$ 100 mil das contas bancárias da operadora de plano de saúde para o pagamento do tratamento em clínicas habilitadas e certificadas.
A terapia teve início em fevereiro em uma clínica da capital fluminense que, segundo a família, recebeu os valores no mês passado.
A Amil recorre do valor de multas aplicadas em razão do não cumprimento da primeira decisão, que prevê o custeio mensal do tratamento. Já a família aguarda o julgamento de ação por danos morais sofridos pela criança, que podem chegar a R$ 40 mil.
O advogado Júlio César Ferreira diz que, apesar de intimada nove vezes para cumprir a ordem judicial, a Amil alegou que os profissionais de sua rede, por possuírem graduação em ensino superior, estavam legitimados para oferecer o tratamento.
O defensor pondera contudo que, além de serem graduados, os profissionais precisam ser especializados para aplicação da terapia. "Foi justamente por essa falta de certificações que a Justiça acatou o meu pedido de arresto [espécie de penhora] para custeio do tratamento do menor em clínica especializada."
Procurada, a Amil disse, por meio de nota, que "oferece cobertura para tratamentos relacionados ao transtorno do espectro autista, como sessões de terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia e método ABA quando solicitado e justificado no relatório médico e de acordo com as normas estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)".
Espera dolorosa e preconceito, relata mãe
O advogado destaca que, da primeira decisão à determinação de cumprimento por meio do arresto, a criança padeceu por mais de um ano sem o tratamento, tendo desenvolvido comportamento auto lesivo.
A mãe de Enzo, a assistente social Silvia da Silva, relatou sofrimento em ver o agravamento do estado de saúde da criança. A família precisou fazer adaptações quando, em razão de desordens sensoriais, ele passou a se auto lesionar. "Precisamos remover uma janela de blindex para que ele pudesse correr sem risco."
Ela também pontuou a falta de rede de apoio em um período de pandemia do novo coronavírus. Sem orientação para ajudar o filho em uma crise sensorial, Silvia se matriculou em uma especialização.
"É comum o irmão de 12 anos receber convites para festas que não se estendem ao Enzo, e esse desprezo social é triste e desanimador", afirmou.
ABA, terapia eficiente e cara
A ABA é uma terapia de reabilitação multidisciplinar comprovada cientificamente, cujo objetivo é integrar a criança à família, escola e atividades de lazer.
Com apoio de fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia, a terapia é aplicada por um especialista em análise de comportamento.
A terapia conta com um psicomotricista, que faz a interface da evolução do paciente entre os profissionais da equipe, garantindo o melhor desenvolvimento possível.
No caso de Enzo, o tratamento foi recomendado pois ele não respondia a nenhuma outra terapia às quais fora submetido.
Além do custo elevado, a família esbarrou em outra dificuldade: a falta de profissionais especializados na terapia ABA para ministrar o tratamento. A certificação mais conhecida é a BCBA (Board Certified Behavior Analyst). Menos de 15 profissionais no país possuem a certificação, já que não é obrigatória.
Direito ao tratamento
O sistema único de saúde atende pacientes com TEA (Transtorno do Espectro Autista) através de CAPSIs (Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil) e da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial). Apesar do alcance do SUS, o tratamento pode não chegar a todos os pacientes.
No Rio, a espera por uma vaga em um centro de tratamento pode levar meses. A situação se repete em outros estados, já que esses centros também tratam crianças com outros transtornos mentais.
No Senado, o projeto de lei complementar PLS 169/2018 que altera a Lei nº 12.764, de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista aguarda votação.
Se aprovada, a lei poderá obrigar o SUS a oferecer centros de assistência integral exclusivo a pessoas com transtorno do espectro autista.
Apesar do sistema público de saúde não oferecer o tratamento ABA em sua rede, a Justiça tem dado decisões favoráveis para custeio de tratamento. Solicitações podem ser feitas por meio de Defensoria Pública, núcleos de práticas jurídicas e universidades públicas e privadas.
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