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Hospitais testam internação de pacientes em suas próprias casas

Daniela J. Lamas, M.D

04/05/2015 19h34

Quando Martin Fernandez chegou à emergência do Hospital Mount Sinai recentemente, com febre alta e uma terrível dor abdominal, fizeram a ele e a sua família uma pergunta inesperada.

Fernandez, de 82 anos, teria que ser admitido oficialmente no hospital para receber antibióticos por via intravenosa para sua infecção do trato urinário, mas poderia ficar no Mount Sinai ou receber cuidados em casa.

Se escolhesse ser internado em casa, os médicos e enfermeiras iriam visitá-lo todos os dias. Ele receberia medicações intravenosas e faria exames de laboratório, raios-X e mesmo ultrassonografia em casa, se fosse preciso. Os custos não seriam maiores do que se estivesse no hospital. Em três ou quatro dias, receberia alta – e não teria que ir a lugar nenhum.

Para Fernandez, um pintor de paredes aposentado da Venezuela que vive com sua mulher no Upper West Side de Manhattan, a escolha foi fácil. Ele se internou no apartamento de sua filha, a apenas alguns quarteirões de distância, poucas horas depois.

Fernandez colocou um cateter urinário, mas pode continuar usando as próprias roupas durante o dia e pijamas de noite. Sua mulher e sua filha cozinharam refeições com arepas, vegetais e feijões pretos, e ele comeu na cama.

“Os hospitais ajudam a gente, mas é tanto barulho que não dá para dormir e a pessoa fica muito sozinha. Aqui não tem horário de visita e nem hora de sair. A gente fica em casa, mas com o hospital junto”, explica a filha, Ana Vanessa Fernandez.

Sob pressão para reduzir os custos e aumentar a qualidade ao mesmo tempo, alguns sistemas hospitalares estão testando uma experiência incomum: levar o atendimento em domicílio ao extremo, oferecendo tratamentos com o mesmo nível dos hospitalares em casa para pacientes como Fernandez que, no passado, precisariam ser internados. E enquanto aumenta a conscientização sobre os perigos das hospitalizações, principalmente para idosos, os pacientes começam a aproveitar a oportunidade com entusiasmo.

“Eu sempre dou risada quando as pessoas dizem: ‘Você acha mesmo que é tão boa quanto um hospital?’ Você já foi a um hospital? Para muitos desses pacientes, é um pouco assustador”, conta a doutora Melanie Van Amsterdam, médica principal do programa de Cuidados de Saúde em Casa do Hospital Presbiteriano de Albuquerque, no Novo México.

O doutor Bruce Leff percebeu isso no final dos anos 80, quando fazia atendimento domiciliar para pacientes que não podiam sair de casa como parte de seu treinamento na Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins. Quando alguns de seus pacientes pioravam, simplesmente recusavam-se a ir para um hospital.

Leff compreendeu o por quê: ele havia visto em primeira mão o delírio, as infecções e a decadência física que frequentemente faziam com que os pacientes acabassem em uma casa de saúde depois da hospitalização. “Ficar no hospital pode ser tóxico”, afirma Leff, geriatra que hoje é professor de medicina na Johns Hopkins.

Então, Leff e seus colegas tiveram uma ideia. E se os pacientes pudessem ser hospitalizados em suas próprias casas?

Algumas pessoas precisam do monitoramento contínuo que só acontece no hospital. Assim, a primeira tarefa era determinar quem necessitava de tratamento hospitalar, mas que pudesse ser cuidado com tecnologia instalada em sua casa. Eram pacientes que precisavam claramente de internação, mas não de uma unidade de terapia intensiva. Medicação intravenosa e raio-X podem ser facilmente adaptados para qualquer quarto, ventiladores pulmonares não.

Leff e seus colegas fecharam quatro diagnósticos que poderiam ser tratados sem que o paciente estivesse fisicamente no hospital: insuficiência cardíaca, crises de enfisema, certos tipos de pneumonia e uma infecção bacteriana da pele chamada celulite.

“Sou médico. Posso falar com um paciente, examiná-lo, trazer oxigênio doméstico, medicamentos intravenosos e soro, posso fazer um exame de raio-X em casa. Dá para tratar de muita coisa. Sentimos que poderia ser feito, e a hipótese era de que ao levar isso em frente, poderíamos diminuir os danos”, afirma Leff.

Com uma bolsa da Fundação John A. Hartford, Leff e sua equipe ofereceram cuidados com nível de hospital para 150 pacientes internados em casa com esses quatro diagnósticos, que, pelo método tradicional, teriam sido tratados em um hospital, e compararam a um grupo similar, que foi internado da maneira usual. Eles chamaram seu programa de “Hospital em Casa”.

As conclusões, publicadas no The Annals of Internal Medicine, foram promissoras. Dada a oportunidade, a maioria dos pacientes concordou em ser tratada em casa. Eles ficaram hospitalizados por períodos mais curtos e seus tratamentos custaram menos. Além disso, tiveram menor tendência a sofrer delírios ou receber medicamentos sedativos e não voltaram à emergência nem foram readmitidos com a mesma frequência que os outros.

Os resultados atraíram o interesse de sistemas hospitalares de todo o país. No entanto, os responsáveis por pagar as contas não compartilharam esse entusiasmo. No programa público tarifado Medicare não existem sistemas de pagamento hoje para reembolsar serviços hospitalares oferecidos em casa.

Mas sistemas como o Assuntos de Veteranos e o Serviço de Saúde Presbiteriano, em Albuquerque, não têm tantas restrições. O Presbiteriano possui seu próprio plano de saúde e por isso, como não está limitado pela falta de reembolso da tarifa pelo serviço, começou a oferecer a opção de internação em casa em 2008.

A doutora Melanie começou trabalhando como a única médica em tempo integral do programa. Ela passava horas vasculhando as fichas dos pacientes atrás dos que podiam se beneficiar do programa: os que estavam doentes o suficiente para precisar de uma internação, mas não o bastante para ir para uma unidade de terapia intensiva.

Alguns dos pacientes se negaram. Um homem não queria visitas em casa porque tinha cães grandes, lembra ela. Outro explicou que se sentisse falta de ar de noite preferia estar no hospital. Mas mais de 90 por cento concordaram.

Hoje, enquanto dirige pelo Novo México, Melanie se vê fazendo um tipo de tratamento diferente do que oferecia anos atrás como médica em um hospital.

“No sistema hospitalar, você obtém mais informações do computador do que de suas orelhas, olhos e nariz. Hoje eu me apoio muito mais em minha habilidade de fazer exames físicos para cuidar desses pacientes. Acho que você também fica mais confortável com as incertezas.”

Mesmo com critérios de admissão muito cuidadosos, o inesperado acontece. Melanie e sua equipe tiveram que levar doentes ao hospital quando suas condições médicas pioraram e algumas vezes precisaram chamar a emergência. Ainda assim, isso acontece com pouca frequência: somente 2,5 por cento dos pacientes precisam voltar ao hospital tradicional.

O desafio de saber quais pacientes têm indicação de internação em casa incomoda o doutor Bruce Vladeck, consultor de saúde e antigo gerente da Administração Financeira do Sistema de Saúde.

“Acho que para que esse tipo de serviço funcione de uma maneira clínica e ética, você realmente precisa ser muito cuidadoso na hora de avaliar os pacientes quando chegam; e você tem que estar preparado para mudar de ideia”, explica ele, que é membro do comitê consultivo do programa continuado do Mount Sinai.

No Mount Sinai – cujo programa é financiado por cerca de 10 milhões de dólares dos Centros de Serviços Medicare e Medicaid – a hospitalização em casa é chamada de “cuidados agudos móveis”, mas o princípio é o mesmo. Pacientes com um grupo de diagnósticos específicos, maior do que o dos primeiros trabalhos de Leff, são avaliados no setor de emergências depois que o médico decide que precisam de internação.

Aqueles com sinais vitais preocupantes – frequência cardíaca muito alta, pressão sanguínea muito baixa – não podem ir para casa. Também estão fora do programa pacientes sem eletricidade e água encanada em casa ou sem espaço para oxigênio e equipamentos intravenosos, caso sejam necessários – uma questão pertinente para moradores de apartamentos em Manhattan.

Para medir os custos dos pacientes que ficam internados em casa, os doentes serão acompanhados durante um mês depois de admitidos no programa, período no qual poderão receber serviços que vão de consultoria de saúde a visitas médicas domiciliares. A equipe do Mount Sinai vai colaborar com Leff e seus colegas do Johns Hopkins para comparar os resultados com aqueles de grupos parecidos de pacientes que estão hospitalizados e para medir a satisfação dos doentes.

Mesmo para o Mount Sinai, que já tem um programa de atendimento a domicílio há duas décadas, trazer os elementos mais importantes da internação hospitalar para um apartamento em Manhattan não é fácil. Um bem-intencionado membro da família de um dos primeiros pacientes do programa, por exemplo, decidiu deixar os antibióticos intravenosos no congelador, inutilizando-os.

Por isso, antes de estar pronto para admitir seu primeiro paciente em novembro passado, a equipe do Mount Sinai montou um sistema complexo de segurança. Os pacientes têm cobertura de médicos e enfermeiras 24 horas por dia, e um acordo com os provedores de serviços de emergência garante que em vez de transportar todos ao hospital assim que são chamados, eles vão oferecer todo o tratamento possível na residência.

“Estou muito confiante de que mostraremos que os pacientes querem ficar em casa, e que podemos fazer isso com segurança e corte de custos”, afirma a doutora Linda DeCherrie, professora adjunta de Geriatria e Medicina de Tratamentos Paliativos do Mount Sinai e diretora clínica do novo programa.

A tendência de tirar os pacientes dos hospitais “vai continuar a evoluir e a ser testada, mas acho que dará certo”, diz Leff. Nos últimos dois anos, ele recebeu ligações de pelo menos uma centena de administradores de sistemas de saúde ansiosos para aprender mais sobre como internar pacientes em suas próprias casas.

“Minha impressão é que, com o tempo, os hospitais se tornarão lugares onde a pessoa só vai para conseguir um cuidado muito especializado, com alta tecnologia”, acredita ele.

Em uma noite recente, Mary Hull sentou-se em sua sala em Albuquerque esperando pela consulta com seu médico. Mary, de 43 anos, foi internada, em casa, alguns dias antes para ser tratada com um antibiótico intravenoso para uma infecção de pele nas pernas e no abdômen.

Uma máquina de raio-X portátil chegou. Ela estava fazendo exames de laboratório diariamente. Uma enfermeira a visitava três vezes por dia. Mary não precisou nem arrumar alguém para cuidar de seu gato. “Espero receber alta logo, mas não faz muita diferença. Estou em casa”, afirma.