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Bebês da zika cresceram, mas alguns ainda não conseguem ver, andar ou falar

Bebê nascido com microcefalia causado pelo vírus zika em centro de reabilitação em Recife - Adriana Zehbrauskas / The New York Times
Bebê nascido com microcefalia causado pelo vírus zika em centro de reabilitação em Recife Imagem: Adriana Zehbrauskas / The New York Times

Pam Belluck

16/12/2017 04h00

À medida que os primeiros bebês com danos cerebrais causados pela epidemia da zika completam 2 anos, aqueles afetados mais severamente estão ficando cada vez mais para trás em seu desenvolvimento e exigirão cuidados por toda sua vida, segundo um estudo publicado na quinta-feira (14) pelos Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês).

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O estudo, o primeiro a realizar uma avaliação abrangente de alguns dos bebês mais velhos da zika no Brasil, se concentrou em 15 das crianças mais deficientes que nasceram com cabeças anormalmente pequenas, uma condição chamada microcefalia. Com cerca de 22 meses de idade, essas crianças apresentam o desenvolvimento físico e cognitivo de bebês com menos de 6 meses. Eles não conseguem se sentar ou mastigar e virtualmente não falam.

"A criança pode fazer alguns ruídos, mas não apresenta nem mesmo sons consonantes como 'mama, baba, dada."

Foi o que disse Georgina Peacock, autora do estudo e diretora da divisão de desenvolvimento humano e deficiência do Centro Nacional para Defeitos de Nascença e Deficiências de Desenvolvimento dos CDC.

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As crianças mais gravemente afetadas pelo vírus da zika levam uma vida cercada de muitos cuidados
Imagem: Adriana Zehbrauskas/NYT
Não está claro quantos dos quase 3.000 bebês brasileiros da zika nascidos com microcefalia apresentarão resultados tão severos quanto os das crianças no estudo, mas as experiências dos médicos que trabalham no Brasil sugerem que podem chegar a centenas.

"É de partir o coração", disse a diretora dos CDC, Brenda Fitzgerald. "Nossa expectativa é de que essas crianças exigirão uma quantidade enorme de trabalho e uma quantidade enorme de atenção."

O novo estudo, conduzido em conjunto com o Ministério da Saúde do Brasil e outras organizações, avaliou crianças no Estado da Paraíba, no Nordeste, que foi o epicentro da crise da zika. Os pesquisadores estudaram inicialmente 278 bebês nascidos na Paraíba entre outubro de 2015 e o final de janeiro de 2016. Dentre esses, 122 famílias concordaram em participar de avaliações posteriores neste ano. O estudo divulgado na quinta-feira envolve aqueles que foram considerados os mais severos desses casos, disse Peacock.

As crianças foram avaliadas quando tinham entre 19 e 24 meses de idade. Quatro das 19 avaliadas tinham muito poucos sintomas ou problemas de desenvolvimento, e os pesquisadores concluíram que foram "classificadas erroneamente" como bebês da zika, possivelmente devido a erros em exames de laboratório ou medição da cabeça.

Mas 15 crianças, oito meninas e sete meninos, apresentavam uma série de sintomas, sendo que a maioria não melhorou desde que eram bebês. Todas apresentavam habilidades motoras severamente prejudicadas, com todas, exceto uma criança, atendendo os critérios para um diagnóstico de paralisia cerebral. A maioria sofria de convulsões e problemas de sono. Oito foram hospitalizadas a certa altura, a maioria por bronquite ou pneumonia. Nove apresentavam dificuldade para comer ou engolir, algo que pode ser um risco à vida, pois a comida pode ficar presa nos pulmões ou as crianças podem se tornar desnutridas.

A maioria exibia problemas na visão e audição sérios o bastante para impedir sua capacidade de aprender e se desenvolver, disse Peacock. "As crianças não se viram ao som de um chocalho ou não conseguem acompanhar um objeto, algo que uma criança costuma poder fazer aos seis a oito semanas de idade", ela disse. "Nós suspeitamos que isso se deve a terem sofrido um dano muito grande no cérebro, a ponto de a conexão entre um objeto apresentado e sua transmissão à parte posterior do cérebro não estar acontecendo, resultando em uma deficiência cognitiva significativa." 

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Os bebês apresentam problemas na visão e audição sérios o bastante para impedir sua capacidade de aprender e se desenvolver
Imagem: Adriana Zehbrauskas/NYT

Médicos brasileiros não envolvidos no estudo disseram que isso bate com a experiência deles. "Nossos resultados são semelhantes ao desse estudo", disse Camila Ventura, chefe de pesquisa clínica da Fundação Altino Ventura, que fornece fisioterapia, oftalmologia e outros serviços ao seu registro de 285 bebês da zika no Estado de Pernambuco.

Ela e seus colegas estão avaliando seus pacientes em conjunto com os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e com a RTI International, um instituto de pesquisa sem fins lucrativos. Ela disse que um estudo piloto envolvendo 40 crianças apontou que elas não estavam balbuciando ou fazendo sons de linguagem, muitas não conseguem nem mesmo engolir leite comum, algumas necessitam de tubos gástricos e apenas duas das 40 estão andando. "As outras têm dificuldade até mesmo para manter suas cabeças levantadas", ela disse.

Agora, o número de bebês nascidos com complicações da zika tem diminuído à medida que as pessoas na região ganham imunidade, após serem picadas pelos mosquitos infectados durante a crise e à medida que algumas mulheres adotam precauções para impedir a infecção durante a gravidez. Todavia, Ernesto Marques, um especialista em doenças infecciosas da Universidade de Pittsburgh e da Fundação Oswaldo Cruz no Recife, disse que cerca de 3% de 1.000 mulheres grávidas em uma amostra recente estavam infectadas com o vírus da zika.

O problema não desaparecerá. Ainda temos casos."

Na área continental dos Estados Unidos, há registro de nove mortes do feto e 98 nascimentos vivos envolvendo defeitos de nascença associados à zika, disseram os CDC. Nos territórios americanos, foram oito mortes de feto e 142 nascimentos vivos. Os CDC estão acompanhando cerca de 7.000 mulheres grávidas com evidência de infecção pelo vírus da zika nos Estados Unidos e seus territórios. "Com certeza vimos uma diminuição do número de casos, mas não é zero", disse Fitzgerald.

No Brasil, o futuro dos bebês da zika é complicado pela pobreza e falta de recursos. "A maioria desses bebês é de um status socioeconômico baixo e depende dos cuidados fornecidos pelo sistema público de saúde", disse Marques. "É muito difícil cuidar dessas crianças porque precisam de múltiplos tipos de especialistas."

Ele disse que as intervenções mais promissoras incluem terapia para a visão e óculos fornecidos aos bebês pela Fundação Altino Ventura, assim como as injeções de botox que ajudam a relaxar os músculos rígidos. Peacock disse que um ponto positivo é que muitos bebês superaram seu choro intenso e irritabilidade inicial e parecem capazes de se acalmar ou serem acalmados por suas mães.

Mas em alguns dos casos mais severos, tratamentos como fisioterapia ou terapia ocupacional conseguem deixar apenas as crianças mais confortáveis, não melhorar seu desenvolvimento. "Esses são os piores de nossos temores", disse Fitzgerald.

As autoridades dos CDC desejam monitorar os bebês da zika por anos para entender todas as dificuldades e ver se os problemas se desenvolvem em crianças afetas de forma mais leve e "crianças que a esta altura parecem normais", disse Fitzgerald. "Precisamos continuar trabalhando nessa questão e precisamos tentar descobrir o que está acontecendo com esses bebês."