Primavera feminista leva brasileiras às ruas por aborto legal
Furiosas, as brasileiras tomaram as ruas do país para protestar contra um projeto de lei que obriga as mulheres estupradas a provar terem sido vítimas de violência sexual para poder abortar legalmente.
O projeto de lei 5069/2013, do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), obrigaria as mulheres a se submeterem a exames médicos após serem estupradas, o que não é necessário hoje. O texto foi aprovado em outubro pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Também torna crime ajudar ou induzir uma mulher a abortar e limita a definição de violência sexual apenas às práticas que resultem em danos físicos e psicológicos comprovados.
Aos gritos de "Fora Cunha!", milhares de mulheres foram às ruas de Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília nos últimos dias para se manifestar contra o projeto e para que Cunha - investigado por corrupção no caso da Petrobras - renuncie à presidência da Câmara.
"Criminoso é Cunha! Aborto legal já!", pedem as manifestantes.
No país, o aborto não é punido em três casos - gravidez de feto com anencefalia, risco de morte para a mulher e gravidez decorrente de estupro. Neste último caso, é garantido por lei desde a década de 1940. Em qualquer outra circunstância, interromper a gravidez no Brasil é crime, passível de penas severas.
Primavera feministaCom a filha no colo, a artista plástica Marcela Arruda, 32 anos, estava no ato do Rio de Janeiro desta quinta-feira acompanhada da mãe e da tia. "Parece que estamos em 1940, não em 2015. Conseguimos muito, e não é agora que vamos desistir, aceitar caladas. Vão ouvir nosso grito".
O projeto de lei deve ir a plenário ainda este ano e depois, caso a votação seja favorável, passará pelo Senado. Um processo que terá muitas etapas, mas que serviu de gatilho para que vários movimentos de mulheres se levantassem contra o projeto.
"Essas manifestações, que vêm sendo chamadas nas redes sociais de 'primavera feminista' são de enorme importância, sobretudo neste momento", considerou, em entrevista à AFP, a cientista política Flávia Biroli, da Universidade de Brasília (UnB).
"O PL 5069/2013 é parte de uma investida contra direitos em que lideranças evangélicas e católicas têm tido um papel central, e as mulheres, mais uma vez, são colocadas como massa-de-manobra ou como criminosas", criticou.
Relator do PL 5069/2013, o deputado federal Evandro Gussi (PV-SP) argumenta que o objetivo da nova redação é garantir a seriedade da apuração do crime de estupro.
"Queremos que o exame de corpo de delito seja obrigatório para ajudar na punição do estuprador, pois quanto mais nós realizarmos estes exames, maiores as chances de punirmos o estuprador, de colocá-lo na cadeia", afirmou à AFP.
"Para que não haja dúvidas sobre o estupro cometido" também foi outra razão apontada pelo relator. Mas muitas mulheres não concordam.
Clima de medo
"O que este projeto de lei prevê é que o acesso ao aborto legal, que já é difícil, fique ainda mais restrito, impõe ainda mais barreiras para as mulheres vítimas de violência sexual", avaliou Sinara Gumieri, advogada e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
Mesmo nos casos legais, interromper a gravidez significa uma batalha para as mulheres. De acordo com um levantamento nacional realizado pela Anis entre julho de 2013 a março de 2015, ao qual a AFP teve acesso, dos 68 centros de referência para a realização do aborto legal, apenas 37 realizavam, de fato, o procedimento.
Ainda assim, segundo o estudo sobre os serviços de aborto legal no Brasil, 14% desses afirmaram solicitar boletim de ocorrência; 8% requeriam laudo do IML e 8% pediam alvará judicial.
"Mas o cenário da criminalização, que amedronta os profissionais de saúde, faz com que as mulheres sejam submetidas a essa dúvida. Elas são vítimas, mas chegam lá e são tratadas como suspeitas, como um inquérito policial, de qual foi a conduta, como foi a violência", apontou Gumieri, que chamou a atenção para o perfil das mulheres que fazem aborto legal no Brasil.
Segundo o levantamento da Anis, 38% delas são meninas ou adolescentes que sofreram violência sexual, a maioria dentro de casa.
O fornecimento da profilaxia da gravidez, conhecida como pílula do dia seguinte, também pode ser ameaçado. "O projeto é vago, fala em procedimento ou medicação não abortivos. É o caso da pílula do dia seguinte, um contraceptivo de emergência, mas que dependendo do julgamento pode haver confusão", afirmou à AFP a deputada federal Érika Kokay (PT-DF), que votou contra o texto.
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