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A melancolia dos brancos do meio-oeste que votaram em Trump

23/11/2016 17h20

Pleasant Prairie, Estados Unidos, 23 Nov 2016 (AFP) - Cada vez que Bob Patrick cruza o condado de Kenosha dentro de seu furgão branco do serviço dos correios americano, repete a mesma frase: "Nada muda". Por isso, em 8 de novembro, votou em Donald Trump.

Este carteiro bonachão apoiou Barack Obama em 2008, assim como fez a maioria dos eleitores do estado de Wisconsin.

Mas, este ano se tornou um dos tantos democratas que contrariaram suas convicções políticas e contribuíram para o magnata imobiliário chegar à Casa Branca, provocando um terremoto que ninguém parecia ver chegar.

Essa região do país, conhecida como o "estado leiteiro" e berço das famosas motos Harley-Davidson, não votava em um republicano desde as eleições presidenciais de 1984.

O condado de Kenosha, entretanto, teve que buscar na memória para lembrar que da última vez que os vizinhos se inclinaram por um candidato conservador foi para eleger Richard Nixon, em 1972.

"Acredito que as pessoas tenham vontade de algo diferente", assegura Patrick, de 59 anos, enquanto distribui cartas entre as caixas de um bairro de casas pré-fabricadas na localidade de Pleasant Prairie.

"Realmente nada mudou nos últimos quatro, dez anos. E com (a candidata democrata Hillary) Clinton só podíamos esperar que continuasse" esta tendência, afirma.

Nesta parte do Wisconsin vivem 321.000 habitantes, dos quais 61% são brancos. Muitos têm baixa escolaridade e se preocupam com o futuro na era da pós-desindustrialização.

A paisagem é plana. A oeste há fazendas agrícolas e a leste, zonas urbanas que em outra época foram operárias. Pelo meio passa a estrada que liga Chicago a Milwaukee.

Terra industrialNeste local é possível entender perfeitamente porque Trump triunfou com sua estratégia de "reconquista" do voto branco, um plano que também deu certo nos estados de Michigan, Ohio e Pensilvânia.

"Aqui tivemos uma fábrica da American Motors Corporation (AMC), que quebrou e foi comprada pela Chrysler. A grande indústria foi ficando cada vez menor até se tornar uma fábrica de motores. Depois, na década de 2000, essa mesma fábrica fechou", conta Eric Decker, presidente do Partido Republicano em Kenosha.

Hoje em dia, o lugar é utilizado por escavadoras que trabalham na área.

Kenosha se reinventou parcialmente nos setores de distribuição e venda online graças a Amazon, que instalou vários depósitos próximos à estrada.

Mas a antiga classe popular da AMC e Chrysler, que às vezes se inclinava para a esquerda, é menor do que na idade de ouro econômica.

"Encontraram trabalho, mas não empregos como os que pagavam bem antes", destaca Decker. Essa frustração favoreceu Trump, assinala, porque prometeu reavivar o setor.

"Os trabalhadores de Wisconsin tiveram durante muito tempo um seguro médico, dias por doença pagos e aposentadoria. Hoje poucas empresas oferecem isto", disse Alex Brower, responsável do Labor Caucus do Partido Democrata do estado.

Três fatores, três surpresasEm sua pequena sala na Universidade do Wisconsin, o cientista político Thomas Holbrook tenta entender o motivo de tantas pessoas passarem do voto azul (democratas) para o voto vermelho (republicanos).

Os jovens desiludidos foram, em sua opinião, a primeira grande surpresa das presidenciais.

"A população entre 18 e 24 anos que votou de forma esmagadora em Barack Obama em 2008 e 2012 preferiu desta vez Trump", conta o especialista. "Isso dói, porque Hillary contava com os jovens".

As pessoas sem ensino superior também preferiram votar no bilionário.

"Hillary perdeu (no Wisconsin) por 27.000 votos. Se dois grupos da população mudam (de tendência) sem aviso prévio, é o suficiente para haver uma diferença" nos resultados, argumenta.

As desmobilização dos eleitores é o terceiro fator que explica os resultados.

"A equipe de campanha de Hillary foi menos ativa que a de Obama em termos de publicidade, porta a porta e visita da candidata", destaca o especialista político Barry Burden.

"Entre os membros dos sindicatos, muitos não acreditaram que Hillary enfrentaria os ricos. Viram nela alguém do 'establishment' que fazia discursos no Goldeman Sachs e isso não agradou", resume.

"Mexicanos e outros hispânicos"Os partidários de Trump em Kenosha sofreram duramente com a recessão de 2008.

"Trabalhei a minha vida toda, meu esposo havia sofrido um infarto há pouco tempo e eu estava desempregada. Tentei encontrar ajuda, mas me negaram! No entanto, os mexicanos e qualquer outro hispânico chega aqui e recebe ajuda", queixa-se Gail Sparks.

Essa especialista em eletrônica vive em uma casa pré-fabricada na área onde o carteiro Bob Patrick trabalha.

Seu vizinho, Joe Dodge, que não pode trabalhar devido uma deficiência, reconhece não ter votado nem em "Hillary, a criminosa", nem em "Trump, o tagarela arrogante".

Mas "conheço muita gente que passou dos democratas para os republicanos. Minha esposa, por exemplo. Durante muito tempo esteve muito envolvida por ser motorista de caminhão, mas acredita que Hillary não cumpriria nunca suas promessas em prol dos sindicatos. É uma mentirosa incorrigível", assegura.