Topo

Após 20 anos, vítima símbolo da homofobia recebe homenagem nos EUA

23/10/2018 12h18

Washington, 23 Out 2018 (AFP) - Há vinte anos, um jovem gay americano sucumbiu depois de ser espancado e abandonado em um campo aberto. Na próxima sexta-feira, as cinzas de Matthew Shepard serão transferidas para a Catedral de Washington, uma homenagem excepcional para quem se tornou um símbolo da violência homofóbica.

O jovem de 21 anos, estudante de ciências políticas e línguas estrangeiras que queria ser diplomata, foi tirado de um bar em Laramie, Wyoming, em outubro de 1998, por Aaron McKinney e Russell Henderson, dois rapazes que se apresentavam como homossexuais para convencê-lo a segui-los.

Depois de um passeio de carro, eles o despiram e o espancaram violentamente com um revólver, batendo em seu rosto e cabeça, e o deixaram amarrado a uma cerca num frio congelante.

Matthew Shepard foi encontrado, inconsciente, 18 horas depois por um ciclista que inicialmente pensou ser um espantalho. Alguns dias depois, ele morreu no hospital.

- "Grande advertência" - Sua morte chocou os Estados Unidos. Destacou a violência contra as pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) e provocou uma onda de pedidos para endurecer a legislação federal sobre crimes de ódio.

"Foi uma grande advertência para os Estados Unidos", disse à AFP Sara Grossman, chefe de comunicação da Matthew Shepard Foundation.

O assassinato foi seguido por vigílias e manifestações, e o então presidente Bill Clinton, pediu à Câmara de Representantes para atuar.

McKinney e Henderson acabaram presos, julgados e condenados à prisão.

Demorou quase dez anos: em 2009, Barack Obama assinou uma lei chamada Matthew Shepard, que ampliou a legislação sobre crimes relacionados à discriminação para incluir a orientação sexual e a identidade de gênero.

"A morte de Matthew foi incrivelmente trágica, mas também provocou muitas mudanças e despertou pessoas neste país sobre as injustiças contra as pessoas LGBT", afirmou à AFP Randy Hollerith, reitor da Catedral de Washington.

"E desencadeou um processo que, acredito, levou diretamente a (legalizar) o casamento gay" nos Estados Unidos em 2015, acrescentou.

Apesar da raiva e comoção, a mobilização que se seguiu à morte de Matthew Shepard teve detratores: manifestantes homofóbicos proclamando que "Deus odeia os gays" invadiram seu funeral; e anos depois, um pastor batista provocou indignação ao declarar sua intenção de erigir um monumento representando Matthew Shepard para mostrar que ele agora queimava no inferno.

Temendo que seu túmulo fosse profanado, seus pais, Judy e Dennis Shepard, preferiram cremá-lo e guardar suas cinzas.

- Homenagem póstuma - Gene Robinson, o primeiro bispo abertamente homossexual americano e próximo dos pais de Matthew Shepard, é responsável pela ideia de acolher as cinzas do jovem na Catedral de Washington.

A catedral, uma instituição de prestígio na capital federal, acredita que a igualdade para as pessoas LGBT é "um dos maiores problemas dos direitos civis da Igreja no século XXI".

É, portanto, "o lugar perfeito" para abrigar Matthew Shepard, segundo Hollerith.

"É reconfortante saber que agora descansar em um lugar sagrado, onde as pessoas podem vir e refletir sobre como criar um mundo melhor e mais seguro", disse sua mãe, Judy, citada em um comunicado da catedral.

Gene Robinson presidirá a cerimônia no dia 26 de outubro, juntamente com o bispo Mariann Edgar Budde, de Washington. Matthew Shepard será uma das 200 personalidades enterradas na catedral, perto de Helen Keller e do presidente Woodrow Wilson.

Mas esse reconhecimento póstumo não deve esconder as preocupações a respeito de um retrocesso social, segundo Sara Grossman. "Houve uma regressão com esse governo, vemos isso todos os dias nos noticiários", considera.

A administração Trump é acusada de reduzir gradualmente as proteções concedidas à comunidade LGBT.

O exemplo mais recente é a decisão de negar vistos a casais de diplomatas estrangeiros homossexuais que vivem ou residem nos Estados Unidos, a menos que se casem.

"Estamos muito preocupados", disse Sara Grossman. "Temos avançado, mas não é perfeito", acrescenta, lembrando que muitos estados americanos ainda permitir a utilização, durante um julgamento, do argumento "pânico homossexual" para justificar uma reação violenta e até mesmo assassinato contra homossexuais.